Nobel da Paz deveria ser dividido

Nobel da Paz deveria ser dividido

Lutas por Direitos das Mulheres: Narges Mohammadi e Mahbouba Seraj, Candidatas ao Nobel da Paz, Enfrentam Regimes Repressivos

Jurandir Soares

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É inquestionável o merecimento da iraniana Narges Mohammadi em receber o Prêmio Nobel da Paz. Afinal, ela é uma das vozes femininas que ousa se levantar contra o regime repressivo dos aiatolás no Irã, para denunciar a violência contra a mulher. Violência esta que começa com a obrigação de uso do hijab, o véu islâmico. Vale lembrar que, pouco tempo atrás, uma moça de 22 anos, chamada Masha Amini, foi morta pela polícia simplesmente porque estava usando o véu de forma considerada inadequada. Narges conseguiu na ocasião liderar manifestações de protesto pelo ocorrido. O que lhe valeu mais uma das múltiplas prisões a que já foi submetida. Ela já foi presa várias vezes e, atualmente, cumpre pena por acusações que incluem divulgar “propaganda contra o Estado”.

Porém, o que quero ressaltar é que, como ela, uma outra mulher, chamada Mahbouba Seraj, que também fora indicada para o Nobel da Paz, desenvolve uma luta no Afeganistão. E, convenhamos, o regime do Talibã que se implantou naquele país é muito mais cruel com a mulher do que o iraniano. Mahbouba Seraj também é jornalista e ativista pelas mulheres afegãs. Após 26 anos no exílio, ela voltou ao país em 2003 e vive em Cabul. O diretor do Instituto de Pesquisas da Paz de Oslo, Henrik Urdal, destaca que seu trabalho é notável pela atuação em prol da saúde infantil e no apoio a vítimas de violência doméstica. Ela é cofundadora da Rede de Mulheres Afegãs e da Organização para Pesquisa da Paz e Solidariedade.

No Afeganistão, depois da retomada do poder pelo nefasto Talibã, em 2021, foi estabelecido que a mulher pode estudar somente até o quinto ano e não pode trabalhar. Ou seja, as mulheres viúvas ou que não tenham um pai para sustentá-las precisam mendigar para sobreviver. Isto num país em que de 2002 a 2021 as mulheres experimentaram quase os mesmos direitos das ocidentais. Quando os talibãs correram com as forças norte-americanas do país e retomaram o poder, o Afeganistão mergulhou novamente nas trevas.

Não é sem razão que desde então se deu uma fuga em massa de afegãos do seu país. O Brasil, inclusive, tem sido um destino preferido, embora os entraves burocráticos que tem feito, por exemplo, um contingente significativo estar morando em barracas dentro do aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, à espera do visto de permanência.

Mas a Academia do Nobel seguramente deve ter suas razões para ter dado o prêmio somente para Muhammadi, que é jornalista e uma das principais vozes em campanha pelos direitos das mulheres no Irã. Ela também é vice-presidente do Centro de Defensores dos Direitos Humanos, entidade que é presidida por uma outra iraniana ganhadora do Nobel da Paz, Shirin Ebadi, vencedora em 2003. Esta, uma advogada e ativista dos direitos humanos, foi a primeira mulher de seu país a ser nomeada juíza e a presidir um tribunal legislativo. Defensora da luta pela mudança das leis de divórcio e herança e dos direitos infantis, em uma sociedade patriarcal que consagra a criança como “propriedade do pai ou da família paterna”, dedicou sua vida à conciliação entre o Islã e os Direitos Fundamentais, publicando inúmeros livros sobre a temática. 

Como se observa, a luta de Ebadi não surtiu efeito. E aí vem mais um detalhe a favor da afegã, que também estava na lista para ganhar o prêmio. Afinal, uma iraniana já o havia conquistado. E o currículo de Ebadi mostra que no Irã a mulher pode alçar posições que para a afegã são impensáveis. Nada disto deslustra o trabalho de Nages Muhammadi. Vale lembrar que por ocasião da morte de Masha Amini o regime deteve quase 20 mil pessoas, e ao menos 530 morreram durante a repressão, segundo ativistas de direitos humanos iranianos. O governo inclusive incentiva as pessoas a denunciar a mulher que não estiver usando convenientemente o véu islâmico. Então, a luta de Muhammani é num país altamente repressor. Claro que não tenho competência para contestar a decisão da Academia do Nobel, agora, o que fica claro é que o prêmio poderia, pelo menos, ser dividido com a afegã Nahbouba Seraj, porque o seu país é ainda mais repressor.


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