O cavalo encilhado chinês

O cavalo encilhado chinês

Altos dirigentes ocidentais estão desdenhando a oferta, dizendo que o pelo do cavalo não é bonito

Jurandir Soares

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Aqui no Sul usa-se muito a expressão de que não se deve perder a oportunidade quando o cavalo passa encilhado na nossa frente. Pois a China acaba de colocar no caminho das partes envolvidas na guerra da Ucrânia a oportunidade de montar nesse cavalo. Altos dirigentes ocidentais estão desdenhando a oferta, dizendo que o pelo do cavalo não é bonito. Como se ele precisasse de um lindo pelo para fazer uma boa cavalgada. Faço este preâmbulo para me referir à proposta que a China fez para estabelecer um cessar-fogo na guerra da Ucrânia. Para o secretário geral da OTAN, Jens Stoltenberg, a proposta chinesa não tem muita credibilidade porque a China não condenou a invasão russa. Para a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, a proposta chinesa não é um plano de paz e sim alguns princípios.

Pois bem, a proposta chinesa começa com um item que é básico para a Ucrânia: “respeitar a soberania territorial de todos os países”. Este ponto é fundamental. Talvez o mais importante de todos, pois significa que a Rússia tem que deixar o território ucraniano, sem levar as províncias do Donbas como quer Vladimir Putin. Pelo menos isto é o que fica implícito. Se não for assim, realmente, não terá valor. Mas, o que transparece é que o plano atende aquilo que o presidente ucraniano Volodimir Zelensky defende. Outro aspecto: condena o uso de armas nucleares, que é algo com que Putin vem acenando, o que representa um perigo para toda a humanidade. O assessor de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, descartou a proposta chinesa, dizendo que a mesma está conforme com o Direito Internacional, mas, não identifica nem distingue o agressor e o agredido, o que a faz carecer de legitimidade. Como se isto fosse fundamental para estabelecer um cessar fogo. Foi colocado inclusive que o plano chinês supõe um intento de Xi Jiping de responder ao aumento da pressão internacional para demonstrar seu status de grande potência e de ator internacional respeitável. Porém, que a credibilidade chinesa fica comprometida pelas supostas intenções de fornecer drones para a Rússia, algo que é negado por Pequim.

Há restrições no Ocidente à proposta chinesa também pelo fato de ela estabelecer que “a segurança de um país não pode ver-se comprometida às expensas de outra nação, mas que, as preocupações de segurança de todos os países devem ser levadas a sério adequadamente”. Esta questão de segurança do país se refere à Rússia, que viu sua segurança ameaçada com a possibilidade de a OTAN chegar até suas fronteiras com a adesão da Ucrânia. O que não pode ser desconsiderado. O fato é que embora China e Rússia tenham declarado “amizade eterna”, em encontro de Xi Junping e Putin pouco antes da guerra, durante o conflito não se viu nenhuma ajuda efetiva de Pequim a Moscou. As acusações nesse sentido são vagas. Stoltenberg, por exemplo, disse: “Não vimos a entrega real de armas letais chinesas à Rússia, porém, temos indícios de que isto poderia vir a acontecer”.

Pois isto poderá vir a acontecer se o Ocidente desprezar a proposta chinesa e deixar a guerra continuar. Ao desacreditar a China, poderão estar colocando Pequim nos braços de Moscou. Aí então o conflito será muito mais amplo. E um detalhe: o Ocidente está aproveitando para enfraquecer a Rússia às custas da população ucraniana. Esta é a bucha de canhão, que está morrendo e vendo seu país ser destruído. Aliás, quem está levando a maior vantagem nesse conflito é os EUA, que estão vendo seu grande inimigo, a Rússia, perdendo armamentos e soldados, além de estar sofrendo sanções que abalam sua economia. E quanto aos EUA? Não perderam um só soldado nesta guerra. Voltando à proposta de Pequim e referendando o velho ditado gaúcho de não deixar o cavalo encilhado passar, se isto acontecer será a perda da oportunidade para quem está no mato sem cachorro. É por isto que Zelensky, mesmo contra a vontade de seus apoiadores na guerra, quer ir a Pequim discutir a proposta com Xi Jinping. E mais, quer reunir o apoio dos países do Sul, que fazem um contraponto aos do Norte no que toca a esta perspectiva de negociação. Enfim, ao completar um ano a guerra na Ucrânia assume novas dimensões.


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