O financiamento do Hamas: uma teia global de investimentos e estratégias obscuras

O financiamento do Hamas: uma teia global de investimentos e estratégias obscuras

Fontes de financiamento incluem uma estrutura que envolve empresas e inversões milionárias em diversos países, incluindo membros da Otan

Jurandir Soares

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Desde o ataque que sofreu a 7 de outubro, Israel vem desenvolvendo uma guerra cujo objetivo declarado é acabar com o Hamas, a milícia radical palestina. Todavia, para que isto aconteça é fundamental acabar com as fontes de financiamento da organização. Caso contrário, se sabe, morre um dirigente, mas logo surge um substituto. E essas fontes de financiamento incluem uma estrutura que envolve empresas e inversões milionárias em diversos países, incluindo membros da OTAN, a Organização do Tratado do Atlântico Norte.

Um deles é a Turquia, país que, inclusive, na última década passou a acolher dirigentes do grupo. Pelo potencial que o grupo tem demonstrado no enfrentamento com Israel, dá para perceber que a sua luta armada custa muito dinheiro. Tanto para compra de armamentos como para manter suas infraestruturas militares, que envolvem fábricas de foguetes e de drones, quartéis, construção de túneis, pagamento de salário para os combatentes, assim como compensações para as famílias dos que morrem.

Daí a pergunta: de onde vêm os recursos financeiros para manter a organização? Pois o jornal espanhol El País publicou entrevista com Matthew Levitt, diretor do Programa de Contraterrorismo do Instituto Washington.

Especialista que também atuou no Tesouro norte-americano e no FBI. Até que o Hamas tomasse a Faixa de Gaza, os recursos vinham do Irã, explica Levitt. Porém, nos últimos 10 a 15 anos a principal fonte de recursos tem sido o controle do território de Gaza, com um orçamento operacional e militar estimado em 550 milhões de euros anuais. Um orçamento semelhante ao de países como Eslovênia, Letônia ou Armênia. Já o Tesouro dos EUA estima que os recursos do Hamas no estrangeiro ultrapassem os 500 milhões de dólares.

Para gerir tudo isto, o grupo palestino estabeleceu um comitê financeiro, cujos líderes residem há mais de três décadas no exterior. O primeiro país a ser utilizado foi a Jordânia, depois a Arábia Saudita e posteriormente a Turquia, onde o escritório de investimentos é dirigido por Ahmed Odeh, Usama Ali e Hisham Qafisheh. Este último, que tem dirigido várias empresas do Hamas, obteve a nacionalidade turca em 2021, tendo trocado seu nome para Hasmet Aslan, segundo dados consultados por El País. O curioso é que as operações do grupo se dão até mesmo nos Estados Unidos, o principal membro da OTAN, onde foi constatado um consórcio de empresas das áreas da construção e imobiliária, como a argelina Sidar, a saudita Anda e a dos emirados Itqan Real Estate JSC, que o Hamas tentou vender em 2019 por 150 milhões de dólares. Mas a empresa que mais "levantou poeira" nos EUA, segundo Ali Bakir, especialista em Turquia e professor da Universidade do Catar, foi a turca Trend GYO. Uma empresa que opera na Bolsa e que recentemente concluiu a construção de um edifício da Universidade Comercial, em Washington. Em maio de 2022, o Tesouro norte-americano incluiu e empresa em sua lista de sanções, identificada como um "dos componentes chaves dos ativos globais do Hamas".

Levitt explicou que não é difícil para o Hamas fazer essas atividades. "A única coisa que necessita é gente que não saia por aí com o uniforme do Hamas e que esteja disposta a dirigir uma empresa e, quando esta repartir os dividendos, desviar parte deles ou todo para o Hamas." E vejam que no mês passado a Comissão de Mercado e de Valores da Turquia revisou as contas da Trend GYO e das pessoas relacionadas com ela e concluiu que "não abusaram do sistema financeiro turco". Amer Alshawa, um dos suspeitos operadores financeiros do Hamas, pelo qual os EUA ofereceram, em 2015, uma recompensa de 10 milhões de dólares, foi diretor geral da Trend GYO entre 2007 e 2019. As especulações são de que as verbas para a reconstrução de Gaza, após a guerra, devem começar pela operadora que atua na Turquia. Isto se o Hamas continuar mantendo o controle do território. Porém, um quadro mais tenebroso pode se desenhar se o grupo perder este controle, na avaliação de Jessica Davis, especialista em inteligência financeira e ex-funcionária do serviço secreto do Canadá: "O grupo usará esses ativos para atividades terroristas".


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