ONU em baixa e a polêmica de Guterres

ONU em baixa e a polêmica de Guterres

Se é vista contra os interesses de Israel, Estados Unidos vetam.

Jurandir Soares

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A guerra no Oriente Médio está na sua terceira semana e o que se tem visto é o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas tentando produzir uma resolução a respeito do conflito, sem conseguir. Se a resolução é vista como favorável a Israel, China ou Rússia vetam. Se é vista contra os interesses de Israel, Estados Unidos vetam. E assim vão se sucedendo as reuniões do organismo sem que cheguem a um consenso. E isto se dá por causa de um absurdo que ainda predomina que é o poder de veto que as cinco privilegiadas potências – EUA, Rússia, China, Reino Unido e França – têm no CS. Uma danosa herança de decisões tomadas ao fim da Segunda Guerra Mundial, dando aos vencedores este privilégio. Hoje, potências consagradas, como Alemanha e Japão, ou emergentes, como Brasil e Índia, buscam alcançar o mesmo privilégio. No entanto, o que deve acontecer é acabar com isto. Todos os 192 países-membros devem ter os mesmos direitos. Fato que só acontece quando as votações vão para a Assembleia Geral. A propósito, está marcada para o próximo sábado uma Assembleia Geral, e espera-se que dela saia alguma decisão concreta a respeito da guerra.

Enquanto isto, israelenses e terroristas do Hamas seguem se matando. E, em meio a este cenário, vai aumentando o número de mortes de civis palestinos que estão confinados em Gaza e que se tornaram reféns da organização terrorista, que os usa como escudo. E estas mortes de civis palestinos levaram a um confronto diplomático entre o secretário-geral da ONU, o português Antônio Guterres, e o governo de Israel. Tudo por conta da posição assumida por Guterres, a qual, por um lado extrapolou os limites da isenção que o posto exige e, por outro, chamou a atenção para algo que consterna o mundo. Senão, vamos aos detalhes. Não caberia agora a Guterres dizer que “os palestinos foram alvo de 56 anos de ocupação sufocante”. Que “eles viram como sua terra era devorada sem cessar pelos assentamentos e assolada pela violência, sua economia asfixiada, sua população deslocada e seus lares demolidos”. Tudo isto poderia ser colocado para discussão no âmbito de negociações entre israelenses e palestinos, com vistas à almejada constituição de dois estados. Não agora em meio à guerra.

Porém, o que procede na fala de Guterres é algo que está chamando a atenção de todo o mundo: o número de civis palestinos que estão morrendo em decorrência dos bombardeios de Israel. É claro que é sempre importante lembrar o que Israel sofreu: um terrível ataque terrorista que matou 1.400 pessoas, pelas formas mais cruéis possíveis. Fato que dá direito a Israel de responder na caça ao Hamas. O problema é que esses terroristas se misturam à população civil e esta fica exposta aos ataques. E quando se vê que, da mesma forma como morreram crianças, mulheres e idosos em Israel, estamos vendo a mesma coisa com uma população cujo “pecado” é, em decorrência do histórico conflito na região, estar subjugada a uma organização terrorista em uma estreita faixa de terra. Assim, se as imagens dos ataques terroristas em Israel apavoraram o mundo, da mesma forma o mundo se consterna em ver civis indefesos serem bombardeados. É isto, inclusive, que fez crescer pelo mundo os protestos contra Israel. Se num primeiro momento houve a devida condenação ao Hamas – com exceção de alguns radicais, inclusive aqui no Brasil – o transcorrer das ações fez as pessoas pelo mundo afora ficarem consternadas com as mortes de civis palestinos. Como escreveu o editor sênior de Internacional do New York Times, Thomas L. Friedman, o “Hamas força Israel à loucura para incendiar aproximação árabe-israelense”.

Muito tem sido lembrada a frase da ex-primeira-ministra e figura histórica de Israel Golda Meyer. Ela disse: “Nós podemos perdoá-lo por matar nossos filhos, mas nunca podemos perdoá-lo por nos fazer matar seus filhos”. A frase é contundente, mas reflete a realidade da região. É ódio gerando ódio. E o pior é que estamos vendo isto em escala crescente. Num conflito cuja escalada pode se ampliar, se não houver ação imediata para contê-lo. Cabe ainda ressaltar o fato de Israel ter cassado os vistos dos agentes da ONU. Ora, esses estão fazendo um trabalho humanitário e não tem nenhuma culpa pelas declarações de seu chefe.


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