Prigozhin é mais um na lista

Prigozhin é mais um na lista

E não era para menos.

Jurandir Soares

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Para quem acompanha a forma como Vladimir Putin dirige a Rússia não surpreende o que acaba de acontecer com o líder do grupo mercenário Wagner, Yevgueni Prigozhin. Seu avião particular, com ele e mais nove pessoas, caiu, segundo consta, matando todos que estavam a bordo. Fato que se dá há apenas dois meses da mobilização de Prigozhin com seus mercenários contra Moscou, com o objetivo de destituir o ministro da Defesa e o comandante das Forças Armadas. Isto depois de ter tomado uma quartel do exército russo junto à fronteira com a Ucrânia. Subitamente, a marcha contra Moscou foi abortada e Prigozhin se retirou com seus homens para a Belarus. No entanto, Putin considerou o episódio “uma punhalada pelas costas”.

E não era para menos. Afinal, Prigozhin era uma cria de Putin, porém acabou tentando fazer com que a obra se tornasse maior que o criador. E se deu mal. Prigozhin, além de ter em sua mão não só o principal grupo de mercenários, se tornou um dos homens mais ricos da Rússia, E quem propiciou sua riqueza foi o próprio Putin ao conceder para ele o fornecimento de alimentos para o exército russo. Como Putin, Prigozhin é originário de São Petersburgo. Mas sua história de sucesso se deu após sair da prisão. Ele recebeu sua primeira condenação criminal em 1979, com apenas 18 anos, e teve uma pena de dois anos e meio por roubo, que foi suspensa. Dois anos depois, ele foi condenado a 13 anos de prisão por roubo e furto, nove dos quais cumpriu atrás das grades. Após ser solto, Prigozhin montou uma rede de barracas que vendiam cachorro-quente em São Petersburgo. Ele se deu bem nos negócios e em poucos anos — ao longo da década de 1990, de transição das leis na Rússia — Prigozhin conseguiu abrir restaurantes caros na cidade. Inclusive um flutuante no rio Neva, o New Island, do qual Putin passou a ser frequentador, surgindo a amizade entre os dois. Putin gostava tanto do restaurante que começou a levar seus convidados estrangeiros para comer lá. Com isto Prigozhin foi ampliando sua rede de relacionamentos. 

Em 2003, Putin já confiava em Prigozhin o suficiente para comemorar seu aniversário no New Island. Anos depois, a empresa de catering de Prigozhin, a Concord, foi contratada para fornecer comida ao Kremlin, o que lhe valeu o apelido de “chef de Putin”. As empresas ligadas a Prigozhin também ganharam contratos estatais para fornecer comida a escolas militares e estatais. Em 2014, com a invasão da Crimeia, Prigozhin montou o seu grupo de mercenários. E foi recrutá-los num lugar que conhecia bem: as prisões russas. A partir dali passou a agir não só na Ucrânia, mas também na África, onde fez fortuna dando proteção aos donos de minas de ouro. Em março, desafiou abertamente a narrativa do Kremlin de que estava combatendo os nazistas na Ucrânia, um falso argumento que foi usado repetidamente para justificar a invasão. E também declarou que o exército russo estava matando civis na Ucrânia, inclusive crianças. E apelou a que os combates parassem.

“Prigozhin é uma personagem profundamente desonrada”, disse à Euronews o professor Mark Galeotti, analista da política russa. “Este é um homem que ressuscitou ao fazer o que Putin e o Kremlin querem. E obviamente fazendo muito bem a si próprio neste processo”. No entanto, ele ganhou tanto poder que se tornou uma ameaça para Putin. Porém, ao mesmo tempo corria o risco de seguir o mesmo caminho de outras pessoas importantes na Rússia. Desde o início da guerra da Ucrânia, um número cada vez maior de oligarcas e críticos de Putin tem sido encontrado morto, levantando questões sobre tantas coincidências. Alguns caíram acidentalmente de janelas de hospitais, segundo as agências noticiosas russas, enquanto outros tropeçaram em vários lances de escadas. Assim é que a ambição de poder de Prigozhin ficava cada vez mais evidente para Putin. O que o ajudava é que Putin dependia dele para sustentar a guerra na Ucrânia. E há informações de que parte do que Prigozhin faturava com suas empresas ia para Putin.

No entanto, depois do ato de 24 de junho passado, com a investida contra Moscou sendo considerada por Putin como “ato de alta traição”, era de se prever que o fim de Prigozhin estava próximo. Assim, não surpreende o “acidente” ocorrido com seu avião. E corrobora o que se imaginava: que Prigozhin iria se tornar mais um na lista de Putin. A única surpresa é que não tenha acontecido antes.


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