Quem explodiu a represa?

Quem explodiu a represa?

A alegação russa contra a Ucrânia parece ter algum fundamento.

Jurandir Soares

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De repente surgiu um impasse na guerra que a Rússia trava na Ucrânia. Quem foi o responsável pela explosão da represa de Nova Kakhovka, ocorrida na madrugada de terça-feira, no Sul da Ucrânia? Para o presidente ucraniano Volodimir Zelensky se trata de mais um ato terrorista praticado pelos russos. No que foi secundado por autoridades ocidentais, como o chanceler alemão Olof Scholt, o secretário geral da Otan, Jens Stoltenberg, assim como o presidente do conselho Europeu, Charles Michel. Os russos, por sua vez, acusam a Ucrânia de sabotagem e se disseram dispostos a levar a questão ao Conselho de Segurança da ONU, à Organização para a Cooperação e Segurança na Europa e a outras organizações internacionais. À primeira vista, muita determinação na sua posição. Ocorre que a maior condenação que poderia sofrer seria no CS da ONU. Só que naquele organismo a Rússia tem poder de veto e nada lhe aconteceria.

A alegação russa contra a Ucrânia parece ter algum fundamento. Dmitry Peskov, porta-voz do presidente Vladimir Putin, afirmou que o ataque se tratou de um ato de “sabotagem” por parte da Ucrânia, com o objetivo de “privar a Crimeia de água”. O nível da água “no reservatório cai e, consequentemente, o abastecimento é reduzido, drasticamente”, referia Peskov. Até poderia ser a intenção da Ucrânia de cortar o abastecimento de água para a província que a Rússia lhe tomou em 2014 e que pretende recuperar nesta guerra. No entanto, se olharmos para o lado ucraniano e vermos o número de cidades que ficaram em baixo d’água, não dá para acreditar. As imagens são chocantes. Casas e casas totalmente cobertas pela água e edifícios inacessíveis. São, pelo menos, 24 localidades e mais de 40 mil pessoas afetadas. Sem contar ainda os danos à agricultura e ao ecossistema da região. Além disto, havia o risco, até certo ponto afastado, de ser atingida a usina nuclear de Zaporíjia. A Agência Internacional de Energia Atômica informou que, por enquanto, não há risco para a usina.

Por outro lado, a Rússia inviabilizou um possível avanço da já iniciada contraofensiva ucraniana pelo rio Dniper, onde situa-se a barragem. A travessia do rio pelas forças ucranianas para avançar por sua margem oeste em direção à Crimeia ficou inviabilizada. E o ponto em que os ucranianos pretendiam atacar é considerado um dos mais vulneráveis das forças russas. Tanto que essas tiveram que se retirar da capital da região, Kherson, para se encastelarem do outro lado do rio. Tudo isto a menos de 80 quilômetros da Crimeia.

O fato é que a destruição da represa não só impede o avanço da contraofensiva ucraniana, como também ameaça o fornecimento de água potável para a região. A represa estava de posse da Rússia desde o início da guerra, em fevereiro de 2022, no que foi considerado um movimento estratégico para impedir o fornecimento de energia elétrica para a Ucrânia e permitir que a água continuasse fluindo para a Crimeia. Após a tomada da Crimeia pela Rússia, em 2014, a Ucrânia havia cortado o fornecimento de água para a província. Segundo a Convenção de Genebra, utilizar infraestruturas como arma em um conflito é um crime de guerra. Zelensky já havia advertido, em outubro de 2022, que as forças russas haviam colocado cargas explosivas na barragem. 

Para o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, não restou dúvida, deu como certa a autoria russa. Na contrapartida, Vladimir Leontiev, chefe da administração russa em Kherson, disse à agência TASS que a represa já havia sofrido vários ataques à sua infraestrutura por parte dos ucranianos. Algo contestável, pois, como foi dito, desde o início da guerra a represa está em poder dos russos. No entanto, imagens de satélite conseguidas por jornalistas do The Washington Post mostram que na última semana a estrada que passava sobre a represa já havia desaparecido.

Por fim, em meio a tantas dúvidas, ficam algumas certezas. Como, por exemplo, a estancada que se dá na contraofensiva ucraniana, justo no momento em que ela estava começando. A intenção das tropas ucranianas era cruzar o rio Dniper, por água e através da represa, para atacar as forças russas do outro lado, iniciando a ofensiva em direção à Crimeia. Com isto, esta esperada contraofensiva estancou.


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