Saques e dívida na Argentina

Saques e dívida na Argentina

O temor da população é de que haja uma repetição do ocorrido em 2001.

Jurandir Soares

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Depois da série de mais de 150 saques a estabelecimentos comerciais ocorridos na Argentina na semana que passou, autoridades judiciais buscaram minimizar politicamente os acontecimentos, atribuindo-os a uma iniciativa de grupos de traficantes, com a participação de grupos de jovens delinquentes. A justificativa para tal era a violência usada pelos saqueadores e o fato de que entre os produtos saqueados estavam armas. Tudo teria sido articulado mediante combinação através do WhatsApp ou do Telegram. Diante da situação que vive a América Latina é possível que consumidores e vendedores de drogas estivessem envolvidos nos episódios. A arma é um bom produto para venda. Porém, não se pode minimizar a situação de penúria pela qual passa grande parte da população da Argentina, onde 40% já estão abaixo da linha de pobreza. Com a inflação desenfreada, os preços dos produtos sobem diariamente e, por conseguinte, tornam sua aquisição mais cara para o povo. E o fato de o desespero levar ao saque não é novidade na Argentina. Já aconteceu em muitas outras ocasiões. E, como sempre, o principal produto do saque é composto de gêneros alimentícios.

O temor da população é de que haja uma repetição do ocorrido em 2001. Em dezembro daquele ano, o presidente Fernando de la Rúa (1999-2001) renunciou na metade de seu mandato, em meio a uma deterioração social galopante, com saques a supermercados, protestos e panelaços, que provocaram mais de 30 mortos em poucos dias. E agora as pessoas voltam a ver na televisão as cenas de gente entrando nos comércios e levando tudo o que encontram pela frente. O que a mídia argentina já chama de “onda de saques em massa” espalhou-se rapidamente por várias províncias de forma superior ao que aconteceu em 2001. Antes da onda de saques de 2001, a Argentina havia enfrentado outra durante o governo de Raúl Alfonsín (1983-1989), que se viu obrigado a renunciar seis meses antes de finalizar seu mandato. 

O presidente Alberto Fernández deixará esta herança para seu sucessor. Mas não é só isto. Tem outra bomba por explodir, conforme está noticiando o jornal La Nación. É o rombo do Banco Central da Argentina (BCRA), que tem se obrigado a emitir 1,8 bilhão de pesos ao mês, somente para pagar os juros de seus passivos. Em função disto, o Fundo Monetário Internacional projetou em seu Staff Report que no final do ano esta bolha representará 15% do PIB argentino. O pacote de medidas implantadas pelo governo após sua derrota nas eleições primárias de julho, impactaram diretamente os números do Banco Central, porque, além do salto cambial de 22%, que elevou o dólar oficial a 350 pesos, a entidade monetária decidiu subir a taxa de juros referencial para 118% ao ano. No efetivo esta taxa chega a 209% ao ano. Com isto o Banco se vê forçado a emitir mais pesos para pagar os rendimentos destes instrumentos. Conforme ressalta o La Nación, é o dilema que há tempo vem enfrentando o Banco Central, em virtude da aceleração inflacionária e da alta da taxa de juros. 

Esta matéria do La Nación é um saboroso prato servido à mesa para o candidato libertário Javier Milei, que tem como um ponto básico de seu plano de governo acabar com o Banco Central. E justamente por isto que está acontecendo, ou seja, o fato de o Banco estar fomentado a inflação.


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