Seguirá a Argentina em declínio?

Seguirá a Argentina em declínio?

Foi uma tentativa de equiparar o peso argentino ao dólar americano.

Jurandir Soares

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A pergunta que faço baseia-se no resultado das eleições realizadas nesse domingo, em primeiro turno, na Argentina. Surpreende o fato de o candidato que é responsável pela inflação anual de 140%, por um índice de pobreza que passa dos 40% e pelo peso estar cotado a 1 mil dólares, ter sido o vencedor. Contrariando as perspectivas de que o libertário Javier Milei poderia vencer já no primeiro turno, o atual ministro da Economia, Sergio Massa, portanto, o responsável pelos descaminhos da economia da Argentina, saiu vencedor com cerca de 36% dos votos, enquanto seu principal opositor de direita ficou com cerca de 30%. Ou seja, para vencer no segundo turno, Milei terá que captar mais de 60% dos eleitores que votaram em Patrícia Bullrich, a terceira colocada.

É claro que ainda temos o segundo turno pela frente, a 19 de novembro, porém a conclusão que se pode tirar desta primeira etapa de votação é de que Milei assusta parte do eleitorado, com suas propostas de mudanças radicais, algumas delas amedrontadoras, como a de legalizar a venda de órgãos humanos. Outras podem ser transformadoras, como a dolarização da economia e o fechamento do Banco Central, mas que também causam incertezas. Aliás, a propósito de dolarização, tem-se ouvido afirmações de que a Argentina já implantou a dolarização e não deu certo. Isto, numa referência ao que foi feito pelo governo Menem nos anos 1990. É preciso esclarecer que aquilo não foi dolarização da economia. Foi uma tentativa de equiparar o peso argentino ao dólar americano. Durante algum tempo os argentinos tiveram a ilusão de que sua moeda valia o mesmo que a americana. Foi o tempo em que eles vinham ao Brasil e pronunciavam o famoso “dá-me dos”. Foi um sistema ilusório que, quando estourou, mergulhou o país numa das mais profundas crises de sua história. Houve tamanha desestabilização que, na sucessão de Menem, o país chegou a ter cinco presidentes no período de um mês. O que está sendo proposto por Milei é a implantação do dólar americano como moeda do país. A exemplo do que existe no Panamá, desde sua independência, no Equador, desde o ano 2000 e em El Salvador desde 2001.

No Equador, o processo de substituição do sucre pelo dólar foi feito em etapas. O governo estabeleceu uma taxa de câmbio fixa entre as moedas, e a população teve um período para trocar suas antigas cédulas de sucre por dólares nas instituições financeiras. O processo de dolarização do país trouxe alguns benefícios imediatos, como estabilidade nos preços, redução da inflação e maior confiança nas transações comerciais. Além disso, a mudança para o dólar facilitou o comércio internacional e atraiu investidores que estavam preocupados com a volatilidade da moeda anterior. O problema da dolarização é que o país que adota não tem controle sobre a moeda e tampouco evita crise econômica. Caso vivido hoje pelo Equador. Já El Salvador conseguiu manter ao longo deste período uma certa estabilidade econômica e, em 2021, tornou-se o primeiro país a adotar o bitcoin como moeda legal. Ou seja, entrou na era da criptomoeda. E o Panamá nunca teve maiores problemas com a moeda, pois se constituiu num centro comercial e paraíso fiscal, além de um hub do sistema de aviação. Então, cada caso é um caso. Na Argentina já há a tradição de fazer os negócios em dólar. O que antes valia apenas para os grandes negócios envolvendo empresas ou compra de imóveis, hoje, envolve praticamente toda a economia do país. O dólar é o referencial para qualquer produto. A questão que é colocada é se haverá moeda suficiente em circulação.

Este quadro de dolarização é perspectiva apresentada por Milei para tentar tirar o país da hiperinflação que leva à estagnação. Algo descartado por Massa, que se propõe a tirar o país da atual situação, apesar de ser ele o responsável por tal. O que Massa tenta fazer é dizer que a situação é responsabilidade do presidente Alberto Fernandez, no que está tendo a parceria da vice-presidente Cristina Kirchner. Não se vislumbra proposta. Porém, o que impressiona é a fidelidade do eleitorado peronista, que não abandona seu candidato, embora seja ele o responsável por sua penúria. A curiosidade que fica é, se for o vencedor, o que Massa irá fazer para recuperar o país.


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