Tensão de volta à Irlanda

Tensão de volta à Irlanda

Jurandir Soares

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O nível de alerta antiterrorismo no Reino Unido subiu nesta semana de “importante” (substantial) para “grave” (severe). Isto porque os serviços de inteligência detectaram o ressurgimento de atividades entre grupos dissidentes na Irlanda do Norte. Em termos práticos, a mudança de nível significa que a possibilidade de um atentado é altamente provável. Esta movimentação se dá duas semanas antes da celebração dos 25 anos do famoso “Acordo da Sexta-feira Santa”, que pôs fim às confrontações entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte. Essa desconfiança contrasta com o fato de que aquela parte do Reino Unido se transformara numa região pacífica, após longos anos de confrontações.

Para entender o que acontece agora é preciso retroceder um pouco na história dessa disputa de grupos religiosos. E tudo tem origem em 1932, quando a ilha da Irlanda, de população predominantemente católica, resolveu se independizar da Inglaterra. O governo de Londres resolveu conceder a independência, mas apenas para 26 dos 32 condados que compunham a Irlanda. Conservou a posse sobre seis deles, que passaram a constituir a Irlanda do Norte, onde a Inglaterra povoou com protestantes. Foi a partir daí que começou a disputa, com os católicos da Irlanda do Norte querendo a anexação da área à Irlanda e os protestantes querendo a manutenção do vínculo com a Inglaterra. Foi aí também que surgiu o IRA, sigla britânica para Exército Republicano Irlandês, braço armado do Sinn Fein, o partido dos católicos. Desde então e até a assinatura do acordo, a 10 de abril de 1998, mais de 3.500 pessoas morreram nos confrontos entre católicos e protestantes. Chegou-se ao ponto em que crianças católicas ficaram impedidas de ir às aulas em Belfast, porque tinham que cruzar por um bairro protestante, onde sofriam ameaças as mais diversas. E tornaram-se famosos os atentados praticados pelo IRA, em que se inclui um que quase vitimou a então primeira-ministra britânica Margaret Thatcher. Tudo isto, reflexo de uma luta político-religiosa entre católicos e protestantes. E acontecendo em plena Europa dita civilizada.

Em 1998, as duas facções chegaram ao chamado Acordo da Sexta-feira Santa, quando o IRA concordou em entregar as armas. Em maio de 2007, dois adversários históricos, o líder do Partido Unionista Democrático, DUP na sigla em inglês, Ian Paisley, e o líder do católico Sinn Fein, Martin McGuinness, dividiram o poder na Irlanda do Norte, como primeiro-ministro e vice-primeiro-ministro, respectivamente, após o fim de cinco anos de governo direto britânico.
O Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, voltou a elevar a tensão na região. Isto porque a Irlanda do Norte, como membro do Reino Unido, deixava de fazer parte da Comunidade Europeia, enquanto que a independente República da Irlanda continuava como tal. Na prática, isto implicou o estabelecimento de barreiras alfandegárias entre as duas Irlandas, o que não existia antes. Houve um acordo especial para a área, porém sem eliminar de todo as divergências. Os unionistas denunciaram o acordo como “uma traição de Londres”. Assim é que, em 23 de fevereiro último, a polícia da Irlanda do Norte detectou o movimento de grupos dissidentes republicanos, com o surgimento do que passou a se chamar Novo IRA. Fato que trouxe um sinal de alerta de terror, a ponto de ser suspensa uma visita que o presidente norte-americano, Joe Biden, faria à região.

Nota: No artigo da última terça-feira, Crise chega à Alemanha, escrevi erradamente que o gasoduto North Stream II se estende do território russo ao alemão através do Adriático. O correto é do Mar Báltico.

 


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