Ucrânia abandonada

Ucrânia abandonada

O apoio dos Estados Unidos à Ucrânia chega ao fim, desencadeando uma série de impasses políticos.

Jurandir Soares

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O que vinha se tornando cada vez mais evidente nas últimas semanas se materializou na quarta-feira, 3: o término da ajuda dos Estados Unidos para a Ucrânia. A manifestação saiu através do porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby. Ele relatou que em 27 de dezembro o governo Joe Biden deu o último pacote de ajuda à Ucrânia e que, agora, uma nova ajuda precisa da aprovação do Congresso. E aí é que está o entrave. Isto porque os republicanos têm se manifestado frequentemente contra uma nova ajuda. No Senado há 50 senadores para cada lado. Mas ali os democratas ainda podem vencer, se tiverem os votos de todos os seus senadores e mais o da vice-presidente Kamala Harris, usando seu atributo de presidente da Casa. Já na Câmara dos Representantes a maioria absoluta é dos republicanos.

Há ainda uma verba de 4,4 bilhões de dólares à disposição de Biden para livre manejo, porém sua destinação para a Ucrânia já foi vetada pelo Congresso no final do ano passado. A alegação principal por parte dos congressistas republicanos é de que o presidente endivida o governo para fornecer ajuda à Ucrânia. E este endividamento do Estado é um dos fatores geradores de inflação. Então, agora que a inflação começa a ser contida, a ponto de ser possível baixar os juros, não é hora de repetir o que vinha sendo feito. Os Estados Unidos têm sido o país que mais tem fornecido ajuda à Ucrânia. Mandaram cerca de 370 bilhões de dólares, sendo 60% só em armamentos. Foram 54 remessas ao longo destes quase dois anos de guerra.

Mas não são apenas os norte-americanos que estão reticentes em continuar com a ajuda à Ucrânia. Isso se passa com os europeus. Em meados de dezembro último, o presidente Volodimir Zelensky ficou eufórico com o aceno da União Europeia para a Ucrânia vir a fazer parte da organização. Mas as celebrações em Kiev foram esfriadas quando a UE disse que não conseguiu chegar a um acordo sobre o envio de 55 bilhões de dólares para a Ucrânia. O chanceler Dmitro Kuleba, em entrevista ao jornal espanhol El País, reclamou e disse que “todas as forças democráticas devem dar-se conta de que a agressão da Rússia não foi apenas contra a Ucrânia, mas a todo o mundo democrático. Derrotar a Rússia representa o melhor resultado não apenas para a Ucrânia, mas para as nações europeias, Estados Unidos e todas as nações democráticas do mundo”.

No entanto, o que determina esta mudança de postura por parte do Ocidente é o fato de a Ucrânia ter iniciado em junho de 2023 uma contraofensiva e suas tropas até agora não terem saído do lugar. Vladimir Putin tem percebido este cenário e, desde 29 de dezembro, aproveita para incrementar os bombardeios, atacando agora não só a parte da província de Donbas, a Leste, que pretende anexar, mas as mais diversas cidades importantes do país. Inclusive Kiev, a capital, e Lviv, no extremo-oeste, fazendo fronteira com a Polônia. E nesta segunda-feira, a Rússia lançou uma nova onda de ataques aéreos, matando ao menos quatro pessoas e provando a eficácia de sua nova tática de emprego de mísseis e drones. As forças russas optaram por usar diversos tipos de armamentos de forma a saturar as defesas antiaéreas da Ucrânia e optaram por alvejar regiões desprovidas de sistemas ocidentais mais avançados.

E todos estes fatores começam a gerar atritos entre o presidente Zelensky e seus comandos militares. Assim, embora todo o entusiasmo que causou ao falar nos Parlamentos da Europa e da América, Volodimir Zelensky parece estar ficando cada vez mais isolado e, como consequência, a Ucrânia enfraquecida. Afinal, no próximo dia 24 de fevereiro a guerra completa dois anos. Período em que o Ocidente derramou bilhões de dólares na Ucrânia, sem estar vendo agora a possibilidade de uma vitória. Pelo contrário, vê-se um crescimento russo no terreno militar e com o país seguindo na venda de seus produtos, apesar das sanções impostas pelo Ocidente. Nem mesmo o boicote ao rublo surtiu efeito, pois Moscou incrementou seus negócios com Pequim, num intercâmbio com as próprias moedas. Assim é que o futuro da Ucrânia não é nada animador. O que, por extensão, representa uma derrota para os EUA e seus parceiros da União Europeia.


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