Um ano na prisão de Ortega

Um ano na prisão de Ortega

Em quatro anos, os católicos da Nicarágua sofreram mais de 190 ataques e profanações.

Jurandir Soares

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Esta sexta-feira que passou, dia 4, assinalou um ano em que o bispo Rolando Álvarez está detido em uma das cadeias de presos políticos do ditador nicaraguense Daniel Ortega. O bispo fora capturado na sede da diocese de Matagalpa, no norte do país, tendo sido condenado a 26 anos de prisão por “traição à pátria”. Uma acusação que tem pesado sobre a maior parte da cúpula da Igreja Católica no país, a qual fora um dos sustentáculos da vitória da Revolução Sandinista, que derrubou a ditadura de Anastácio Somoza. Revolução que teve como expoente Daniel Ortega, que agora comanda uma ditadura que rivaliza com a de Somoza em termos de crueldade, corrupção e violação dos direitos humanos. E justamente por levantar a voz contra este desvio de rumo que teve a revolução, que a Igreja Católica está sendo perseguida na Nicarágua.

Em quatro anos, os católicos da Nicarágua sofreram mais de 190 ataques e profanações. Isso inclui um incêndio na Catedral de Manágua, capital do país, prisões de padres, fechamento de emissoras de rádio e canais de televisão católicos, além da expulsão de 16 freiras missionárias da ordem Madre Teresa de Calcutá. Há relatos também de agressões e destruição de imagens e símbolos religiosos católicos. O papa Francisco expressou recentemente sua preocupação e sua dor pela situação na Nicarágua e pediu "um diálogo aberto e sincero" para que "se possa encontrar as bases para uma convivência respeitosa e pacífica". Algo qucatolie parece estar muito difícil de acontecer, especialmente, enquanto vigorar a ditadura de Daniel Ortega.

Para tentar eclipsar o aniversário do encarceramento do bispo Álvarez, o regime organizou em Manágua uma “cruzada evangélica”, da qual participaram vários pastores evangélicos. Dentre eles, se destacou o guatemalteco Cash Luna, que, segundo investigação da rede Univisión, financiou sua igreja, a Casa de Deus, com recursos do narcotráfico e da lavagem de dinheiro. O governo também promoveu uma série de atividades, como bailes, corridas de touros e procissões. Mas, ao mesmo tempo, deu sequência às perseguições à Igreja Católica, agora com acusações sem provas ao cardeal Leopoldo Brenes e à diocese presidida por Álvarez. Outros dois sacerdotes também foram presos e mais dois seguem sob investigação. 

Em fevereiro último, governo de Ortega promoveu a extradição de 222 dos 245 presos políticos do país. De forma imediata, sem comunicar os familiares, o regime colocou os dissidentes em um avião e os mandou para Washington. A maior parte desses presos purgava na prisão por delitos que nunca foram comprovados e muito menos julgados.

Foram expulsos como “traidores da pátria”. Perderam sua cidadania. Algo que contraria a própria lei da Nicarágua. “Nenhum cidadão pode ser privado de sua nacionalidade”, diz a Constituição. No regime de Ortega, contudo, a retirada desses direitos foi incorporada como a “morte civil” do cidadão que não se enquadra aos seus desígnios. Por pátria os detentores do poder entendem que é aquilo que eles pensam e que é traduzido no seu partido político, que reina absoluto sob a ditadura de Daniel Ortega. Entre os extraditados, estavam sete políticos da oposição que planejavam concorrer contra Ortega nas eleições de 2021, mas que foram presos antes do pleito. Sem adversários, Ortega partiu para o seu quarto mandato. Esta uma das táticas utilizadas por Ortega para se perpetuar no poder. Aliás, ocultando este “pequeno detalhe” o presidente Lula questionou tempos atrás:

“Se a Merkel (então primeira ministra alemã) pode ficar 16 anos no poder, por que Ortega não pode?” Já numa linha em outro sentido, o presidente do Chile Gabriel Boric, que é de esquerda, condenou recentemente o que acontece na Nicarágua. 

Dentre os desterrados na ocasião estavam o empresário Juan Sebastián Chamorro, a jornalista e ex-candidata à presidência Cristiana Chamorro, filha da ex-presidente Violeta Chamorro, que derrotou Ortega em 1990, todos ligados ao jornal La Prensa, fechado pela ditadura. Também estava o ex-candidato à presidência, Felix Maradiaga, que contou que ficou sabendo que havia perdido sua cidadania logo após chegar aos Estados Unidos. "Serei nicaraguense até morrer. Ainda amarei a Nicarágua, não apenas como o país onde nasci, mas também como a terra que desejo ver democrática", disse ele a jornalistas quando chegou. Quanto ao bispo Álvarez, fora preso por se negar a aceitar a extradição. Entre 2018 e 2023, ao menos 80 líderes religiosos foram obrigados a sair do país. O bispo preferiu ser preso a ser extraditado. Cumpriu um ano de prisão, de acordo com a pena estabelecida, tem mais 25 anos a cumprir. Este é o governo de Ortega.


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