Um reino dentro da Alemanha

Um reino dentro da Alemanha

Polícia alemã prendeu 25 pessoas que invadiram o prédio do Parlamento pedindo o retorno da monarquia no país

Jurandir Soares

Polícia alemã prendeu 25 pessoas que invadiram o prédio do Parlamento pedindo o retorno da monarquia no país

publicidade

Chamou a atenção do mundo o episódio ocorrido quinta-feira última, na Alemanha, quando a polícia prendeu 25 pessoas, acusadas de tramar um golpe de Estado, com invasão do prédio do Parlamento para reinstalar a monarquia no país. À frente do movimento está a organização Reichsbürger, o que significa cidadãos do reino. O movimento remonta ao período que se estende desde a unificação do Estado alemão, em 1871, até a abdicação do imperador Guilherme II e o fim da Primeira Guerra, em 1918. Querem a volta daquele antigo sistema. O curioso é que o movimento não defende apenas ideias, mas já tem até uma área do país sob seu controle.

A correspondente da BBC em Berlim, Jenny Hill, foi visitar o local e o descreve como “Königreich Deutschland”, Reino da Alemanha, e que, segundo ela, se constitui num autoproclamado Estado independente, tendo inclusive seu próprio monarca, chamado de Peter I. Ele foi coroado há cerca de uma década e seu reino tem moeda e bandeira próprias, além de carteiras de identidade. Ali vivem cerca de 21 mil cidadãos do Reichsbürger que não reconhecem a existência do Estado alemão de pós-guerra. A localização é no estado da Saxônia, no Leste do país.

O episódio da prisão dos 25 membros do grupo levou a ministra do Interior Nancy Faeser a conversar com o primeiro-ministro Olaf Scholz, visando uma efetiva tomada de providências contra o grupo que é considerado monarquista e nazista. Segundo ela, “as investigações nos dão um vislumbre do abismo que é a ameaça terrorista vinda dos Reichsbürger.” Os “cidadãos do reich” são “impulsionados por fantasias violentas de poder e ideologias conspiratórias”, acrescentou a social-democrata. Já na conversa com a repórter da BBC, Peter I disse que tentou ser prefeito e também deputado e não conseguiu, e que esta é a forma que encontrou de tentar mudar a Alemanha. O “monarca”, que é visto como líder de um movimento de extrema direita, fez uma colocação que deixa o que pensar: "Pessoas corruptas, criminosas ou dispostas a serem usadas prosperam no sistema alemão, e aquelas com um coração honesto, que querem mudar o mundo para melhor, no interesse do bem comum, não têm chance."

Apesar do nome e de terem uma área sob o comando de Peter I, os “cidadãos do reich” não são um movimento nacional organizado unificado, mas sim uma série de pequenos grupos e indivíduos espalhados por todo o país, unidos por essa crença comum. Durante anos, esses grupos de extrema direita foram vistos nacionalmente como uma piada e foram tachados de loucos. No entanto, ainda de acordo com as informações da BBC, nos últimos anos, os serviços de segurança do Estado alertaram que eles se tornaram mais radicais e perigosos, e intensificaram a vigilância. Muitos dos Reichsbürger possuem armas, legais ou ilegais. Isso se tornou preocupante quando, em 2016, um bávaro atirou e matou um policial quando a polícia revistava sua casa em busca de um esconderijo de armas. Desde então, as autoridades alemãs revogaram mais de mil licenças de armas de pessoas suspeitas de aderir a essa ideologia. Entre 2016 e 2021, cerca de 1.050 “cidadãos do reich” tiveram suas licenças para posse de armas revogadas. No entanto, cerca de 500 deles ainda possuem armas legalmente.

Números do governo mostram que os Reichsbürger e o chamado Selbstverwalter - um “agrupamento” com crenças semelhantes que se traduz como “autogerenciado” – cometeram mais de mil crimes em 2021, o dobro de 2020. Mas, o extremismo não é uma unanimidade, das 21 mil pessoas nos círculos dos Reichsbürger acredita-se que 1.150 sejam extremistas de direita e 2.100 potencialmente violentas, de acordo com dados do serviço secreto alemão, o Escritório para a Proteção da Constituição (BfV). Além disso, segundo suas informações, “aproximadamente um em cada dez se considera disposto a recorrer à violência”. Seja como for, é uma anomalia que se estabelece num país que tem uma democracia consolidada e que é a maior economia da Europa.


Mais Lidas

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895