Uma nova governança global

Uma nova governança global

Esses cinco possuem direito de veto.

Jurandir Soares

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Em seu pronunciamento na Assembleia Geral da ONU, na terça-feira, o presidente Lula fez a defesa da instituição de uma nova governança mundial. Base para isto, a reforma do Conselho de Segurança da ONU, organismo no qual o Brasil vem há algum tempo pleiteando uma cadeira permanente. Nunca encontrou um eco maior, embora tenha alguns parceiros de expressão que manifestaram seu interesse, em caso de mudança, de também integrarem o organismo. São eles o Japão e a Alemanha. Esses dois países foram derrotados na Segunda Guerra Mundial e, como consequência, ficaram sem qualquer poder na ONU, organismo que se estruturou logo após o término daquele conflito. Hoje, Japão e Alemanha são duas das maiores potências econômicas mundiais e, como tal, podem reivindicar um novo status no organismo internacional. Na esteira do Brasil, vem a Índia, outro país em desenvolvimento que adquiriu um status importante no contexto global, tendo se tornado não só país mais populoso do mundo, como também a quinta economia do planeta, com perspectivas de, bem ligeiro, se tornar a terceira.

Hoje, são cinco os membros permanentes do CS: EUA, Rússia, China, Inglaterra e França. Esses cinco possuem direito de veto. Ou seja, um assunto pode ser aprovado pelos outros 14 membros do Conselho, mas se um destes resolver vetá-lo a discussão para por aí. Assim, uma mudança no Conselho deve ser aprovada por dois terços dos países membros da ONU. Só que, nesse total, é preciso que estejam os cinco com direito a veto. Caso isso não aconteça, ocorre o mesmo que descrevi: ou seja, o assunto para por aí. Então, como se vê, não será nada fácil essa modificação. Basta ver que na presente assembleia China, Reino Unido, França e Rússia – esta para Putin não ser preso – não se fizeram representar por seu chefe de governo. A própria Índia, pretensa ocupante de um posto no Conselho, também não se fez representar por seu primeiro-ministro. Ou seja, não estão ligando muito para a proposta de Lula.

Começa que hoje os cinco membros permanentes estão muito longe da harmonia que tinham ao final da Segunda Guerra. Estados Unidos estão em guerra indireta com a Rússia. Ou, como é chamada também, uma guerra por procuração passada para a Ucrânia. Da mesma forma, os Estados Unidos travam com a China o que se convencionou chamar de Guerra 2.0. Uma guerra comercial que se acentuou na medida em que a China passou a ser um player importante no comércio internacional e que tem tomado novas e preocupantes derivações em função da questão de Taiwan. Tudo isto tem promovido uma perigosa aproximação entre Rússia e China.

Cabe lembrar que, teoricamente, a dita governança global não foi atribuída às cinco potências do Conselho de Segurança, mas à própria Organização das Nações Unidas. O problema, no entanto, para qualquer decisão da ONU, ficou por conta do poder de veto dos cinco países. Então, a ONU nunca teve poder para se impor. Tampouco tem uma força própria. O máximo que consegue é reunir a chamada “força de paz”, que procura separar partes em conflito, força esta sempre formada por soldados de países membros. Nesse sentido, o Brasil já teve alguns papéis importantes, como os “boinas azuis” que integraram o chamado Batalhão de Suez, que atuou na separação entre árabes e judeus, na guerra de 1967. Assim como também na força de paz que atuou durante muitos anos no Haiti.

Assim é que, em termos de evitar guerra, a ONU tem pouco a fazer. Tem agido mais no auxílio às vítimas das guerras. Especialmente, nos múltiplos campos de refugiados que se espalham pelo Oriente Médio e pela África. Mas, pensando em termos de paz, o papel mais importante hoje de governança global é desempenhado pela Organização Mundial do Comércio. Basta ver que é um órgão global que opera no estabelecimento do sistema de regras do comércio internacional e cujo objetivo é cooperar para o desenvolvimento dos seus países membros. O obstáculo que tem se apresentado para a fluidez do comércio internacional é representado pelas barreiras econômicas. Daí o fato de terem surgido múltiplos blocos de acordos comerciais, como União Europeia, Asean, Nafta, Mercosul etc.

Ou seja, Lula tem razão quando diz que “a ONU precisa cumprir seu papel de construtora de um mundo mais justo, solidário e fraterno”. O problema é fazer todos os seus 193 membros pensarem e agirem da mesma forma. Infelizmente, o mundo ideal não existe. E com isto a governança global segue sendo uma utopia.


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