À espera de médias altas

À espera de médias altas

Remates de Primavera estão em andamento e primeiros eventos já mostraram bons preços, que tendem a se confirmar durante toda a temporada

Por
Patrícia Feiten

 

A primavera ainda não foi inaugurada oficialmente, mas no calendário dos pecuaristas o clima já é de alvoroço. Tradicional período de vendas do setor, a temporada de remates associados a feiras agropecuárias e ofertas particulares, que ocorrem de setembro a dezembro, começou turbinada pelos resultados de eventos promovidos nos dois últimos meses. Entre produtores e leiloeiros, a projeção é que as médias de preços fiquem de 10% a 20% mais altas que as do mesmo período do ano passado.

O coordenador da Comissão de Exposições e Feiras da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Francisco Schardong, prevê uma temporada aquecida com base nas tendências apontadas pela 44ª Expointer. Realizada de 4 a 12 de setembro, a exposição foi marcada pelo retorno do público ao Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio – na edição de 2020, o evento ocorreu no formato híbrido, com atividades presenciais e transmissões on-line. “Esta exposição serviu de vitrine da genética que as grandes cabanhas do Estado vão vender nas exposições e feiras de primavera. O terneiro, a novilha, o ventre, o reprodutor, todos estão com a praça quente”, afirma Schardong. De acordo com o calendário de feiras da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural(Seapdr), 56 exposições ocorrerão em municípios gaúchos de hoje até o final de dezembro, incluindo as de ovinos.

Para o presidente do Sindicato dos Leiloeiros Rurais do Estado (Sindiler-RS), Enio Dias dos Santos, a oferta menor deverá confirmar os bons preços esperados para os leilões. “Estamos trabalhando com a expectativa de redução de animais em pista, por várias razões: a pandemia, a antecipação da comercialização e também porque houve cancelamento de algumas feiras”, explica. Segundo o dirigente, a antecipação da estação de monta – período reprodutivo do gado – por parte dos pecuaristas tende a aumentar a procura por touros. “A soja trouxe ao produtor um regime de alimentação muito melhor, e isso faz com que tenhamos animais aptos a entrar no período de monta (mais cedo). Quem chegar depois (para comprar) talvez tenha um pouco de dificuldade na reposição dos reprodutores”, prevê.

O leiloeiro Marcelo Silva, diretor da Trajano Silva Remates, estima um aumento de pelo menos 20% nas médias – para machos e fêmeas – desta temporada em relação aos valores do ano passado. A previsão se baseia nos leilões dos últimos dois meses, que indicaram grande demanda por animais das raças europeias e sintéticas desenvolvidas nos criatórios gaúchos.

“Com a antecipação da cobertura das vacas, que deixou de ser em setembro e já está vindo para maio, houve leilões em maio, junho e agosto”, relata Silva. “Já aconteceram pelo menos seis leilões importantes nos quais estes números se confirmaram, em alguns casos (com valores) até 40% (mais altos)”, complementa. A leiloeira tem seis remates agendados para o período da primavera. O primeiro é o da GAP Genética, de Uruguaiana, marcado para este sábado (18) e considerado um balizador de preços do período.

O leiloeiro Fábio Crespo, da Parceria Leilões, diz que o momento é de total liquidez. “Está se vendendo tudo”, comenta. Ele destaca uma tendência consolidada pela pandemia: a migração dos eventos presenciais para o universo virtual, que trouxe comodidade ao comprador e ampliou o alcance dos remates. Hoje, os leilões podem ser acompanhados por meio de canais do YouTube, da televisão ou de aplicativos especializados. “Todos os leilões de reprodutores serão transmitidos. A gente atinge aquele comprador que não pode viajar, que fica em casa, e tentamos nos adaptar nesse sentido, com horários que facilitem para o cliente assistir”, diz Crespo.

Os bancos também estão atentos à boa fase da pecuária. De acordo com a superintendente de Agronegócios do Banrisul, Andréia Araújo, a instituição ampliou a oferta de crédito para a safra 2021/2022, contemplando a aquisição de animais nas feiras de primavera que ocorrerão até o final do ano. Nas linhas disponíveis – Custeio Pecuário, Pronaf Mais Alimentos, Moderagro, Inovagro e Agroinvest –, os limites financiáveis vão de R$ 200 mil a R$ 3 milhões e os juros variam de 4,5% a 7,5% ao ano, com prazos de seis meses a oito anos. Na safra atual, o banco já destinou cerca de R$ 180 milhões à pecuária, o que representa um crescimento de 52,85% no segmento. O setor representa hoje 13,96% da carteira de crédito rural do Banrisul.

“Os sinais são muito favoráveis”

Analistas da pecuária gaúcha observam que fatores como avanço das exportações de carne, retomada do comércio de animais com Santa Catarina e alta demanda por bovinos aquecem a temporada de remates

Em linha com as expectativas de produtores e leiloeiros, consultores agropecuários projetam uma primavera de martelos ágeis e preços ascendentes, influenciada por fatores como o avanço das exportações de carne e a retomada do comércio com Santa Catarina, após a obtenção do status de zona livre de aftosa sem vacinação pelo Rio Grande do Sul, em maio. Na avaliação dos especialistas, a temporada de feiras e leilões estará aquecida, com todos os produtos da pecuária valorizados.

O professor Júlio Barcellos, coordenador do Núcleo de Estudos em Sistemas de Produção de Bovinos de Corte e Cadeia Produtiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NESPro), prevê que a procura em alta faça com que os preços médios cresçam de 6% a 10% em relação ao mesmo período do ano passado. “Os sinais para investimento em genética são muito favoráveis”, observa. “As demandas por carne continuarão crescendo, seja no âmbito do mercado interno, porque há uma perspectiva de crescimento econômico do país, seja pela perspectiva de exportações para China e União Europeia”, explica. “Além disso, os terneiros estão muito valorizados, com um sobreágio em relação ao preço do boi gordo em torno de 30% a 40%.”

Segundo o professor, a tendência de retenção de fêmeas observada em 2020, em razão da valorização do preço médio do quilo do boi vivo – de 44% desde o ano passado, de R$ 7,31 para R$ 10,53 em 8 de setembro, conforme levantamento do NESPro – , elevou o contingente de animais que entrarão em reprodução neste ano, aumentando a demanda por touros. “Além disso, as matrizes estão com um valor pago pelo quilo vivo maior que o pago pelo quilo vivo dessas categorias se fossem para o abate, então há interesse em formar uma fêmea para reprodução”, constata.

O consultor Fernando Velloso, da Assessoria Agropecuária FF Velloso & Dimas Rocha, também vislumbra um cenário promissor. “Há uma valorização do terneiro. Ou seja, mais produtores se dedicando à cria, e não somente à recria e engorda, gerando uma demanda de touros, porque a reposição se tornou bastante cara”, afirma.

Para esta primavera, o consultor espera preços médios de R$ 20 mil por touro. “Já ocorreram vários leilões indicando essa precificação, e há uma expectativa de grandes variações, porque se consegue cada vez maior diferenciação do touro do vendedor A em relação ao vendedor B. Não vai causar surpresa se algum leilão fizer (médias de) R$ 18 mil a R$ 20 mil, outro de R$ 30 mil e outro R$ 35 mil”, prevê.

O reconhecimento do Rio Grande do Sul como zona livre de aftosa sem vacinação é um elemento novo no cenário de primavera que impulsionará a venda de touros a outros estados, de acordo com o coordenador do NESPro. A certificação, que Santa Catarina tinha desde 2007, foi concedida pela Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) ao Rio Grande do Sul, Paraná, Acre, Rondônia e partes do Amazonas e do Mato Grosso em maio.

“Os catarinenses estavam se valendo muito das cabanhas locais. Isso restringiu a renovação genética do rebanho. Agora é a oportunidade para a entrada de animais das principais raças de corte criadas no Rio Grande do Sul num patamar de grande competitividade com os leilões feitos em Santa Catarina, porque a oferta no Rio Grande do Sul é muito maior”, avalia Barcellos.

A tendência de alta também foi verificada em remates ocorridos em Santa Catarina. Em 7 de agosto, a Fazenda Renascença, de Vargem, comercializou um reprodutor Angus por R$ 35,1 mil. Em 31 de julho, a Fazenda 3 Marias, de Videira, obteve média de R$ 19,9 mil para touros Angus, com um deles sendo vendido por R$ 28,8 mil.

Resultados promissores

Valores alcançados em leilões no final de inverno confirmaram expectativas dos criadores

As médias alcançadas pelos remates já promovidos neste segundo semestre de 2021 mostram que há motivos para a expectativa de preços superiores aos das temporadas mais recentes, que já estavam aquecidos. Há duas semanas, em 5 de setembro, a Cabanha São Xavier, de Tupanciretã, faturou R$ 1,5 milhão com a venda de 95 animais das raças Angus, Ultrablack e Brangus. A média para reprodutores Angus chegou a R$ 21,4 mil e nela não está contabilizado o touro Sniper, arrematado por R$ 44 mil. Poucos dias antes, um criador iniciante, de Vassouras (RJ), comprou 44 fêmeas Angus em negócio direto, o que reduziu a oferta do leilão virtual.

Em 15 de agosto, também em remate virtual, a premiada cabanha Rincon del Sarandy, de Uruguaiana (RS), que completa 25 anos em 2021, emplacou um dos melhores resultados da largada desta temporada com o leilão Rincon Code, que obteve faturamento de R$ 2,58 milhões com a negociação de 144 animais das Angus, Brangus e Ultrablack, com média geral de R$ 18,0 mil. Foram mais de dez horas de vendas, com lances das cinco regiões do Brasil e um toque de modernidade, baseado em estratégia de marketing nas redes sociais.

O resultado superou as expectativas do criador Ignacio Tellechea, que comanda a cabanha ao lado do irmão Martin e da mãe Claudia Indarte Silva. “Na temporada passada, o gado geral tinha se valorizado e a genética não tinha acompanhado. O gado de alta genética demora mais para responder aos estímulos do mercado, mas tende a seguir o caminho, e foi o que vimos”, diz Tellechea. Nos touros, as médias foram de R$ 21,5 mil na raça Angus e de R$ 20,4 mil na Brangus. “A gente viu resultados similares nos outros leilões que se seguiram”, comenta o produtor. O destaque maior do evento, no entanto, coube às fêmeas. Os ventres Angus atingiram cotação média de R$ 16,4 mil, e os Brangus, de R$ 16,6 mil, resultado que Tellechea atribui à oferta de animais premiados em concorridas pistas de julgamento. “Em torno de 100 ventres foram ofertados, com 100% de liquidez, e tivemos uma média bastante surpreendente para um volume de ventres deste tamanho”, comentou.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895