A Libertadores de 1983, por Renato

A Libertadores de 1983, por Renato

No dia 28 de julho daquele ano, o Grêmio batia o Peñarol no estádio Olímpico e fazia a América tricolor pela primeira vez

Por
João Paulo Fontoura

“Parece que foi há 10 anos”. A reação de Renato Portaluppi ao cumprimentar a reportagem do Correio do Povo, no CT Luiz Carvalho para um bate-papo para relembrar a Libertadores de 1983 sugere o quão presente está a primeira conquista na cabeça do ex-jogador que, aos 20 anos de idade, levantou a taça pela primeira vez e voltaria a levantá-la quase três décadas mais tarde na função de técnico. Por ser um dos maiores personagens daquela história e por manter a relação tão próxima com o clube, convidamos o atual treinador do Grêmio para recordar bastidores da façanha, até então, inédita no estado.

Quatro saudades

Fábio Koff, Antônio Carlos Verardi, Valdir Espinosa e Tarciso. O presidente, o superintendente de futebol, o treinador e o companheiro de ataque são alguns dos personagens da Copa Libertadores de 1983 que já faleceram. Por eles, cada um por diversas razões, Renato guarda um carinho especial. 
“Todas essas pessoas foram fundamentais. O Tarciso era um parceiro. Ele me ajudava, ele era um jogador de velocidade que abria bastante espaço tanto para ele como para mim ou para os meus companheiros. Era fundamental porque era um jogador muito respeitado pelos adversários. O Espinosa, nosso chefe, um cara vencedor. É o cara que eu devo tudo como jogador a ele, até porque foi ele que me trouxe para o Grêmio. E eu sou muito grato a ele. O ‘Seu Verardi’ era um monstro porque realmente na época não tinha o que nós temos hoje. Era tudo por telefone e ele era um cara que trabalhava por oito a dez pessoas. Era um cara que estava sempre no vestiário com a gente sempre alegrando vestiário, sempre resolvendo problemas de todo mundo não só do grupo. Realmente ele era uma pessoa fundamental no trabalho do clube junto aos jogadores. E o Doutor Fábio um monstro também, né? Ele tem grande participação desse título nosso da Libertadores de 1983 porque ele também foi uma pessoa muito importante fora do campo pelo respeito que ele tinha e pelo trabalho que ele fazia no clube. Realmente foram fundamentais nessa conquista.” 

Reencontro com Flamengo

Um ano antes, em 1982, o Grêmio deixou escapar o bicampeonato Brasileiro ao perder, em casa, o título para o Flamengo, de Zico. Renato ali começava a aparecer na equipe principal. Ele jogou o terceiro jogo da decisão, no Olímpico onde os cariocas venceram por 1 a 0. Reencontrá-los e eliminá-los teve um sabor especial. 
“Inclusive nesse jogo foi a estreia no profissional digamos assim. O Tarciso ficou com febre na noite anterior e não pode jogar. Aí eu fui escalado e a partir daí eu não sei mais do time. E no ano seguinte querendo ou não, a gente deu troco no Flamengo.”

Batalha em La Plata

Superada a fase de grupos depois de vencer, além do Flamengo, o Blooming e o Bolívar, da Bolívia, um triangular final entre Grêmio, Estudiantes, de La Plata e América, de Cáli, definiria um dos finalistas. O 3 a 3 na Argentina contra o Estudiantes ficou marcado por quatro expulsões do adversário que, mesmo assim, buscara um empate à fórceps depois de vantagem gremista de 3 a 1 no placar. 
“A gente estava fazendo os gols e eu lembro que no intervalo do jogo, era o mesmo túnel para as duas equipes e aí o zagueiro deles deu um bico no tornozelo do Caio. Inchou e ele teve que sair do jogo. Eu vi assim cenas lamentáveis. Era jogador botando grama na boca, comendo papel higiênico que o torcedor jogava para dentro, o alambrado quase caindo. Quer dizer, parecia guerra mesmo. (...) Olha, eu vou contar uma coisa para vocês. Se eles não empatam o jogo, ninguém ia sair vivo daquele estádio, pode ter certeza disso”.

Jogo de ida em Montevidéu 

“Eu lembro que eu sofri uma falta. Driblei dois três jogadores, um me derrubou e outro pisou em cima da minha canela. Tenho uma cicatriz até hoje. Eu não usava a caneleira. E para você ver, naquela época eu fiquei três, quatro minutos no chão com dor e o juiz não deixava o Banha, nosso massagista, e o médico entrarem no campo."

Vigilância entre as decisões

“Eu fiquei preso alguns dias concentrado, mobilizado. Tinham sempre dois seguranças do clube cuidando de mim. Os jogadores também pediam para eu concentrar porque eu realmente era espoleta lá fora. Eu concentrava antes e guardava as minhas energias para o jogo”.


Renato e o lateral-direito Paulo Roberto com o técnico Valdir Espinosa na banheira do vestiário do Olímpico / CP Memória 

Mobilização em Porto Alegre

Entre uma partida e outra das finais contra o Peñarol, a busca por ingressos foi incessante. Porto Alegre viveu dias de ansiedade no lado azul. O Correio do Povo da época registrou um treino com aproximadamente 800 torcedores no Olímpico. 
“Nos treinos a gente via que o torcedor estava muito eufórico e a gente mais do que nunca colocou na cabeça que teríamos 90 minutos para entrar para a história do clube. Que não adianta você jogar dez anos no clube e não ganhar nada. Então nós tínhamos tudo para entrar para história com título inédito de uma Libertadores. E que poderia nos proporcionar a ida para a disputa do Mundial”.


O presidente Fábio Koff e Renato se abraçam após o título. Os dois tinham relação muito próxima / CP Memória

Trauma no Olímpico

O grande título no Olímpico havia sido no Gauchão de 1977. Na semifinal do Brasileiro contra a Ponte Preta em 1981, o maior público da história do estádio (85.721 pessoas) não impediu a derrota. Em 1982, o Flamengo deu a volta olímpica na casa gremista. Sim, havia um tabu a ser quebrado. 

Fama e promessa a jornalista

Em épocas de acesso quase irrestrito dos jornalistas aos jogadores, Renato concedeu uma entrevista ao repórter Clóvis Rezende, da TV2 Guaíba, e falou sobre comportamento, prometeu não levar nem cartão amarelo e pediu para que a fita da gravação fosse guardada. “Eu era abusado na época, mas faz parte da idade, né? O tempo vai passando, você vai ficando mais diferente, vai aprendendo. Mas eu tinha uma confiança muito grande em mim. Talvez eu exagerava em algumas reclamações até para comprar o barulho dos companheiros. E exagerava um pouquinho também fora da das quatro linhas”

O lance do gol do título

“Até hoje os caras falam: ‘Porra, Renato, como é que você faz aquela jogada?’ O jogador fora da casinha, o jogador acima da média, ele sempre vai inventar alguma coisa dentro do campo numa dificuldade. E apesar da minha pouca idade foi o que eu falo para os jogadores até hoje. Se estão em dificuldade, qualquer coisa joga a bola dentro da área. Tudo pode acontecer. Joguei a bola dentro da área. Ali eu lembro que estava apertado no canto, não tinha o que fazer. Hoje em dia qualquer jogador vai dar um chute em cima do adversário para ganhar um lateral, um escanteio, e eu sempre tive isso na minha cabeça: de jogar a bola para dentro da área, que lá é onde tudo acontece. Eu fiz a embaixadinha e dei um balão para a área e aconteceu o que aconteceu, o gol do título. Por mais simples que fosse, encontrou o César. E o César era um cara oportunista”. 

Briga a soco e expulsão

“Só Deus sabe o que o que os gringos faziam comigo. Cuspiam e passavam a mão, pisavam provocavamm faziam horrores. Ali foi assim: ‘Oh bom agora que nós fizemos 2 a 1 eu vou descarregar minha raiva’.” 


Renato encara os jogadores do Peñarol após a confusão criada por ele que terminou em briga a socos e expulsão do atacante / CP Memória

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895