A Seleção Brasileira no divã em três tempos

A Seleção Brasileira no divã em três tempos

Um ano após a Copa do Mundo do Catar, Brasil vive momento constrangedor dentro e fora de campo. A equipe tem no comando o interino Fernando Diniz e espera a chegada do sucessor Carlo Ancelotti para dar início a um novo ciclo

Por
João Paulo Fontoura

Ao pensar que em 24 de novembro de 2022 o Brasil estreava na Copa do Mundo do Catar como um dos favoritos ao título, fica ainda mais difícil imaginar no que se transformou a Seleção Brasileira exato um ano depois. A eliminação do time de Tite para a Croácia parece ter esfarelado o alicerce que durante muito tempo escondeu tudo o que se fazia nos gabinetes da CBF. Uma entidade chefiada por um presidente inexperiente, sem diretor de futebol, com técnico com prazo de validade, à espera de outro para começar um ciclo pela metade, a grosso modo, sintetiza o momento que atravessa o país pentacampeão do mundo. Os problemas fora de campo transbordaram para dentro. E os resultados, de certa forma, atestam o constrangimento cada vez em que a Amarelinha se apresenta, como foi no meio de semana em nova derrota para a Argentina no Maracanã.

O passado

Algumas definições no futebol brasileiro são quase cláusulas pétreas. Uma delas é a ditadura do resultado. Tite comandou o Brasil em duas Copas do Mundo. Não venceu nenhuma. Quando se mudou para o Rio de Janeiro e deu início a uma política de trabalho incrementando rotina como se fosse em clube, levantou o sarrafo no quesito comprometimento com a instituição e o propósito para qual foi chamado. Sem ter os jogadores para treinar no dia a dia, o gaúcho apostou no estudo, no cercamento de pessoas capacitadas e na organização. Mas perdeu. Fernando Diniz, desde a temporada passada no Fluminense, bem antes de conquistar a Libertadores, foi alçado ao cargo máximo entre os treinadores, após uma experiência sem êxito com Ramon Menezes, técnico do time Sub-20, no profissional. 

“Diniz quis imprimir um estilo autoral que é muito difícil de se aplicar em pouco tempo. Além disso, um sistema que não tem meio de campo e escolhas ruins, especialmente para as laterais, deixaram o time brasileiro abaixo da média. Existe um problema de geração em algumas posições. Por isso, deveria reforçar o meio, algo que ele não faz. É, portanto, um misto de vácuo geracional com equívocos na hora de armar o time. O ideal, com jogadores jovens e com falta de talento em algumas posições, seria simplificar e não instituir um sistema que se torna ainda mais vulnerável. E fazer isso com boas convocações, algo que não ocorre”, avalia Carlos Guimarães, comentarista da Rádio Guaíba

Desde a saída de Juninho Paulista como coordenador técnico depois da Copa, não houve reposição no cargo. Ou seja, não há chefia e tampouco cobrança na pasta mais importante da CBF. O presidente Ednaldo Rodrigues transita próximo à comissão técnica, mas “sem trocar figurinhas" com seus pares. No vestiário, há respaldo para suas escolhas. "O Diniz é um cara que faz um trabalho diferente de tudo o que eu já presenciei. Ele tem uma mentalidade muito diferente dos treinadores que eu já tive”, disse Neymar após as primeiras sessões de treinos antes da estreia do novo treinador. “Já temos uma base que veio da Copa do Mundo. Não vai ser problema essa adaptação. O mais importante é que essa adaptação seja rápida”, parecia prever na mesma época o capitão Casemiro. Parecia.

O presente


Neymar se machucou no jogo contra o Uruguai, a primeira das três derrotas do Brasil nas Eliminatórias da Copa até aqui | Foto: WESLEY SANTOS / ESTADÃO CONTEÚDO / CP

O que se vê atualmente nada lembra os tempos recentes. É preciso fôlego para absorver os recordes negativos acumulados em uma dúzia de meses. Ainda que não seja o culpado, em seis jogos com Diniz nas Eliminatórias, foram duas vitórias contra Bolívia e Peru, empate em casa contra a Venezuela e três derrotas seguidas: Uruguai, Colômbia e Argentina, perdendo um invencibilidade de 37 jogos na competição. A última para os atuais campeões do mundo foi também a primeira em solo brasileiro na história do torneio qualificatório. Nas seis partidas, a equipe sofreu mais gols do que em toda a última disputa sob comando de Tite. Com Ramón, o cenário foi ainda pior em três amistosos: derrotas de 2 a 1 para o Marrocos e Senegal por 4 a 2; vitória somente diante da inexpressiva Guiné por 4 a 1. 

“Eu vou falar a mesma coisa que falei quando o Fluminense ganhou a Libertadores: você não pode achar que a vida é só estatística, se ela for só estatística está tudo muito ruim. Mas se a gente analisar como um processo de mudança, de jogadores, teve muitas coisas”, explicou Diniz na coletiva da terça-feira passada.

Os modelos autorais de trabalho do treinador de 49 anos de idade, pouco mais de uma década de carreira, se pautaram pelo estilo autoral. Ideias e concepções de futebol moldadas diariamente nos vestiários por onde passou. Nem mesmo uma recente conquista do porte da Libertadores, no entanto, é suficiente para deixar de ser alvo das críticas. Neste caso, a forma de jogar põe em risco o resultado.  “Eu acho que se a gente conseguir aprofundar cada vez mais as nossas relações internas, crescer no trabalho, nos treinamentos, os resultados devem aparecer. Não temos garantia de que vão aparecer, a gente pode garantir é trabalho”, aposta o técnico, pressionado pelas cobranças.

O último revés no Maracanã colocou ainda mais luz nos pensamentos contestados de Diniz. Vestindo verde e amarelo tão cedo ele não terá como mudar a imagem até aqui construída. Contra ele pesam o tempo e os números, embora tenha apoio dos comandados. “Eu estou com o Diniz, é o meu treinador, gosto muito dele, uma pessoa que merece estar aqui, trabalhou demais. Se a gente tiver paciência com os resultados”, diz Marquinhos, capitão nos últimos jogos tentando relevar o desempenho de um ano melancólico. 
“Em números, só em 1963 a Seleção mais perdeu que ganhou. Pela primeira vez, termina uma temporada sem sequer um gol de centroavante. Todo o processo foi errado. Primeiro, o interino (Ramon), depois o efetivo do interino (Diniz), tudo para esperar o Ancelotti. Desperdiçamos um ano inteiro no ciclo para a Copa de 2026. Não lembro de ter visto um ano tão ruim da seleção”, concluiu Guimarães.

O futuro


Aos 17 anos de idade, Endrick recebeu a primeira chance na Seleção Brasileira sob comando de Fernando Diniz | Foto: DANIEL RAMALHO / AFP / CP

O Brasil só volta a jogar em março em dois amistosos europeus. Vai à Inglaterra encarar os britânicos em Wembley e na Espanha, os donos da casa como anfitriões de uma partida com a causa antirracismo de fundo. Em tese, seria a despedida de Fernando Diniz. 

No tempo em que segurou o apito, o treinador também não teve sorte. Sofreu com cortes de convocados, perdeu Neymar com grave lesão no joelho, Richarlison operado, Danilo e Vinícius Júnior também machucados. Fora os casos de Antony e Paquetá, nomes que gostaria de contar, mas que abriu mão por problemas extra campo dos dois. Com relação a jovens promessas não pode trabalhar com Vitor Roque, do Atlético Paranaense, lesionado. Lançou Endrick aos 17 anos, mas foi criticado por ter dado pouco tempo ao atacante. 

Uma coisa é certa, a promessa palmeirense vai ter mais oportunidades com Carlo Ancelotti. Vendido ao Real Madrid, Endrick representa o futuro da Seleção Brasileira e desperta frisson nos espanhóis curiosos para ver um ataque brasileiro nos Merengues junto com Vini Jr. e Rodrygo. Cabe ao técnico italiano decidir por quais outros jogadores irá colocar do lado do trio. E se vestirão verde e amarelo ou apenas o branco. 

Caso de fato aceite o convite da CBF, Ancelotti deve comandar o Brasil na Copa América de junho do ano que vem nos Estados Unidos. Depois, em setembro, retornam as Eliminatórias da Copa com rodada dupla diante de Equador e Paraguai. Resta saber se voltará também a Seleção Brasileira como ela sempre foi respeitada no mundo todo.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895