Aids preocupa na Região Metropolitana

Aids preocupa na Região Metropolitana

Foram coletados dados em 56 municípios, incluindo Porto Alegre

Por
Paula Maia e Agência AFP

Enquanto a Organização das Nações Unidas afirmou este ano que a Aids pode ser erradicada até 2030, o Rio Grande do Sul, e Porto Alegre em particular, apresentam números pouco animadores. 

A Região metropolitana de Porto Alegre vive epidemia de HIV, segundo divulgado pelo estudo Atitude, com aproximadamente 1,64% dos seus habitantes convivendo com o vírus. No interior do Estado, a taxa de infectados cai para 0,50%. O estudo foi conduzido pelo Hospital Moinhos de Vento em parceria com a Secretaria Estadual da Saúde (SES), por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS).

Foram coletados dados em 56 municípios, incluindo Porto Alegre, Região Metropolitana, Pelotas, Capão do Leão e Santa Cruz do Sul. Ao todo, 8.006 pessoas participaram do estudo entre 2020 e 2022, com coleta de sangue de cada participante. A epidemiologista Eliana Wendland, médica do Hospital Moinhos de Vento e coordenadora do estudo, afirmou que a Região Metropolitana apresenta uma prevalência acima de 1%, caracterizando uma epidemia generalizada de HIV, ou seja, há uma transmissão contínua desse agravo na população.

O estudo foi realizado para ter representatividade de todas as macrorregionais de saúde do Rio Grande do Sul. Todos os indivíduos abordados responderam a um questionário e foram convidados a fazer uma coleta de sangue para exames de rastreamento e diagnóstico de HIV, sífilis, hepatite B e C. 

Na avaliação de Eliana, a transmissão do HIV na Região Metropolitana de Porto Alegre é sustentável devido à falta de medidas preventivas. “Essa população sexualmente ativa mudou as suas práticas e nós não conseguimos acompanhar isso em termos de prevenção e diagnóstico do HIV/Aids.” Ela considera de extrema urgência a realização de um trabalho de prevenção, de educação para jovens e adultos, de uso de preservativos e informação sobre o uso de profilaxia para a prevenção. A médica também salienta que é necessário intensificar o diagnóstico dos agraves através do teste rápido.

A coordenadora de seção de Doenças de Condições Crônicas Transmissíveis da SES, Ana Lúcia Baggio, explicou que o estudo confirmou os dados com os quais já estavam trabalhando. A mortalidade causada pela doença ainda é uma das maiores preocupações e está concentrada principalmente na Região Metropolitana. Ela ressaltou a importância de considerar os determinantes sociais para obter resultados efetivos na prevenção do HIV.

André, um morador de 28 anos de Porto Alegre, compartilha sua experiência de conviver com o HIV há seis anos. Ele realiza o tratamento pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e mantém uma união estável. Ao refletir sobre sua infecção, expressa preocupação com a falta de políticas públicas de informação para a população em geral. Sem saber ao certo como foi infectado, André acredita que a conscientização sobre a prevenção é fundamental para evitar novas infecções. Ele destaca a necessidade de se ampliar o conhecimento sobre o HIV. “Mais divulgação sobre a importância de prevenir, pois muita gente acha que nunca vai pegar”, ressalta.

A respeito de sua condição, apenas as pessoas mais próximas estão cientes. André enfrentou o diagnóstico positivo de forma tranquila. “Para mim foi tranquilo, pois recém tinha sofrido acidente automobilístico bem mais grave”, explica o jovem.

Desde o diagnóstico inicial, André tem seguido uma vida normal, enfatizando a importância de ter descoberto o HIV em estágio inicial, o que lhe permitiu iniciar o tratamento rapidamente. Nas relações sexuais, ele sempre utiliza preservativos como forma de prevenir a transmissão do vírus.

Ações de prevenção para tentar barrar a transmissão

A Secretaria Estadual de Saúde tem realizado ações de prevenção intensivas entre os jovens por meio do programa Geração Consciente, em parceria com o RSSeguro e a Secretaria de Educação (Seduc), com o apoio da Unesco. A coordenadora de seção de Doenças de Condições Crônicas Transmissíveis da SES, Ana Lúcia Baggio, ainda afirma que a taxa de abandono nos tratamentos gira em torno de 10% dos pacientes.

Ana Lúcia ressalta que os esforços estão sendo concentrados para evitar a transmissão vertical do HIV, incentivando a busca por pacientes que abandonaram o tratamento e promovendo a adesão e o início do tratamento antirretroviral o mais rápido possível após o diagnóstico.

Uma das ações destacadas pela coordenadora foi o curso de extensão disponibilizado para 317 pessoas entre gestores e profissionais de saúde dos municípios. Durante seis meses, os participantes ampliaram o conhecimento e propuseram novas ações para as populações locais.

Em Porto Alegre, a coordenadora de Atenção à Tuberculose, ISTs, HIV/Aids e Hepatites Virais da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), Daila Raenck, explica que o tratamento da infecção pelo HIV é realizado após resultado reagente do teste rápido, disponível nas Unidades Básicas de Saúde (UBS). Os médicos dessas unidades prescrevem o tratamento e os usuários são encaminhados para uma das oito unidades dispensadoras de antirretrovirais na capital. A decisão de encaminhar o paciente para a Atenção Primária ou serviço especializado é baseada na análise da complexidade de cada caso.

A Profilaxia Pré-Exposição (PrEP) é oferecida em Porto Alegre desde 2018. Atualmente, 3.097 pessoas no Estado fazem uso da PrEP, sendo 2.442 na Capital. O tratamento consiste no uso oral e diário de dois medicamentos antiretrovirais em um único comprimido e inclui um acompanhamento próximo, visando à redução das práticas sexuais de maior risco. Além disso, há planos para incorporar o medicamento injetável de PrEP no Departamento de HIV/Aids, Tuberculose, Hepatites Virais e Infecções Sexualmente Transmissíveis do Ministério da Saúde. O foco, neste caso, será a população mais vulnerável.

Também há a Profilaxia Pós-Exposição (PEP), disponibilizada para pessoas que, por algum motivo, foram expostas ao risco de contrair o HIV nas últimas 72 horas, como, por exemplo, pessoas que tiverem alguma exposição profissional como perfuração de dedo com material contaminado, rompimento do preservativo ou violação sexual. O tratamento é de 28 dias e pode ser solicitado em qualquer unidade de pronto-atendimento.

Dalia lembra que Porto Alegre enfrenta desafios significativos no combate ao HIV/Aids, tendo a maior taxa de mortalidade por Aids, o maior número de gestantes com HIV e é a terceira capital com maior taxa de detecção. “O Ministério da Saúde tem intensificado seus esforços na Capital, com uma série de ações para fortalecer o enfrentamento da doença. A política municipal de Porto Alegre é engajada e alinhada com as diretrizes nacionais”, resume.

A coordenadora da SMS destaca que existe um sistema de procura ativa para pacientes que eventualmente abandonam o tratamento. No momento, a busca está sendo intensificada especialmente para pacientes com quadros mais graves, visando garantir que todos recebam o devido acompanhamento e suporte necessário para o tratamento adequado.

Nações Unidas afirmam ser possível erradicar Aids até 2030

De acordo com o relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas, a Aids pode ser erradicada até 2030. A afirmação foi exposta no boletim divulgado pelo Unadis, um programa conjunto das Nações Unidas que lidera e coordena a resposta global à epidemia de HIV/AIDS. Segundo o relatório intitulado “O Caminho que Põe Fim à Aids”, há um caminho claro para eliminar a Aids como uma ameaça à saúde pública.

A solução, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), está na vontade política estimulada por investimentos em uma resposta sustentável ao HIV. Esses recursos devem ser direcionados para a integração dos sistemas de saúde, leis não discriminatórias, igualdade de gênero e fortalecimento das redes comunitárias de assistência e apoio.

Essa abordagem não só ajudará a combater a Aids, mas também preparará o mundo para enfrentar futuras pandemias e avançar em direção aos objetivos de desenvolvimento sustentável das Nações Unidas.

O relatório destaca casos de sucesso em países como Botsuana, Essuatíni, Ruanda, a República Unida da Tanzânia e Zimbábue, que já estão obtendo resultados extraordinários no combate à Aids.

No entanto, o estudo observa que o Brasil ainda enfrenta obstáculos, especialmente devido às desigualdades, que impedem que pessoas e grupos vulneráveis tenham acesso adequado aos recursos de prevenção e tratamento do HIV. É necessário enfrentar essas desigualdades para garantir o acesso pleno e igualitário aos serviços de saúde.
A diretora executiva da Unaids, Winnie Byanyima, destaca o papel das lideranças nesse processo, afirmando que o fim da AIDS é uma oportunidade para deixarem um legado poderoso para o futuro. “Essas lideranças podem ser lembradas pelas gerações futuras como aquelas que puseram fim à pandemia mais mortal do mundo. Podem salvar milhões de vidas e proteger a saúde de todas as pessoas”, sinaliza.

Investimentos financeiros e avanços na descriminalização são pontos importantes para o progresso no combate à Aids. Países que investiram mais recursos financeiros têm apresentado maior progresso nessa área. Por exemplo, na África Oriental e Austral, as novas infecções por HIV foram reduzidas em 57% desde 2010, e o número de pessoas em tratamento antirretroviral triplicou.

É crucial fortalecer o progresso na resposta ao HIV garantindo que as leis e políticas não comprometam os direitos humanos, mas os protejam. Alguns países revogaram leis prejudiciais nos últimos anos, incluindo cinco países (Antígua e Barbuda, Ilhas Cook, Barbados, São Cristóvão e Nevis e Singapura) que descriminalizaram as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo.

Os dados globais mostram que, em 2022, uma pessoa morreu a cada minuto devido à AIDS, e cerca de 9,2 milhões de pessoas ainda não têm acesso ao tratamento, incluindo 660 mil crianças vivendo com HIV. Mulheres e meninas continuam sendo desproporcionalmente afetadas, especialmente na África subsaariana. A cada semana, 4 mil jovens mulheres e meninas foram infectadas pelo HIV em 2022. Apenas 42% das regiões com incidência de HIV acima de 0,3% na África subsaariana possuem programas de prevenção dedicados a adolescentes e jovens mulheres.

Além disso, houve aumentos alarmantes de novas infecções por HIV na Ásia e no Pacífico, no leste da Europa e na Ásia Central, no Oriente Médio e norte da África. Essas tendências são principalmente atribuídas à falta de serviços de prevenção para populações marginalizadas e às barreiras impostas por leis punitivas e discriminação social.

É importante ressaltar que o financiamento para o HIV diminuiu em 2022, tanto de fontes internacionais quanto domésticas, retornando ao mesmo nível de 2013. O financiamento totalizou 20,8 bilhões de dólares em 2022, ficando muito aquém dos 29,3 bilhões de dólares necessários até 2025. É fundamental garantir investimentos adequados para combater a Aids e alcançar os objetivos estabelecidos.

 

 

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DESDE 1º DE OUTUBRO 1895