Arroz na ração animal, uma discussão que renasce

Arroz na ração animal, uma discussão que renasce

Estudos indicam que grão tem potencial nutricional semelhante ao do milho, componente que anda escasso e caro, o que levou a cadeia agroindustrial e conversar sobre a possibilidade de ampliar sua utilização na alimentação de aves e suínos

Arroz é visto como alternativa, mas tem mercado ajustado para o consumo humano e pode não dispor de excedentes ao longo deste ano

Por
Camila Pessoa*

Com as perdas da estiagem, a produção estadual de milho ficará abaixo das expectativas, não devendo passar de 2,745 milhões de toneladas, equivalentes a 44,9% das 6,114 milhões de toneladas previstas inicialmente pela Emater-RS/Ascar. 

Com isso, há preocupações a respeito da capacidade de abastecimento das criações de animais, o que provoca discussões sobre alternativas de composição das rações.

Diante do problema, no início de fevereiro a Embrapa republicou estudos que demonstram a viabilidade do uso do arroz para a alimentação de aves e suínos, como suplemento ou substituição do milho. Além disso, houve novos investimentos em pesquisa. “Recentemente, em 2021, por iniciativa da Farsul e da Federarroz, várias amostras de arroz sem casca foram enviadas para a Embrapa Suínos e Aves para avaliação nutricional”, explica Jorge Vitor Ludke, pesquisador da empresa.

“Análises em diferentes laboratórios, públicos e privados, geraram resultados que foram interpretados e inseridos na matriz nutricional para formulação de rações”, diz. Os estudos confirmaram que o arroz é similar ao milho para a nutrição. 

A substituição direta, no entanto, depende também de outros fatores. “O que efetivamente determina o uso do arroz para a finalidade de alimentação animal é a disponibilidade e a sua relação de preço perante o grão de milho”, lembra Ludke. 

Avaliando a situação, representantes da Farsul têm conversado com as indústrias de rações para o uso do arroz como complemento ao milho desde o ano passado, o que resultou em negócios já encaminhados, segundo o economista-chefe da entidade, Antônio da Luz. De acordo com ele, o arroz é uma opção com maior disponibilidade que o milho e o trigo, o que torna a cultura viável para a alimentação animal. 

Segundo José Eduardo dos Santos, presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), essa viabilidade já era conhecida pelo setor, mas a utilização da composição alternativa “não evoluiu ao longo do tempo por questões também tradicionais, de o alimento ser direcionado para o consumo humano e não ter uma caracterização mais explorada para consumo na área de aves e suínos”. O arroz utilizado para essa finalidade é o quebrado e sem casca, diferente do arroz tipo 1 longo fino, usado na alimentação humana.

“Recentemente alguns produtores já nos acionaram, porque houve um excedente de arroz”, revela Santos. “Mas eu acho que o que falta é justamente criar uma cultura específica para (o uso do arroz na) produção animal, desmistificar que esse arroz é o mesmo que é utilizado para a alimentação humana, que não é, e aí sim evoluir, porque nós vamos precisar, já que o setor está com um déficit (de alimentos para os animais) altíssimo este ano”, ressalta. Além disso, Santos lembra que o setor tem sofrido com entraves aduaneiros para importar milho do Paraguai e com os reflexos do conflito entre Rússia e Ucrânia. 

Por outro lado, Alexandre Velho, presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), admite incertezas. Segundo o dirigente, com o reaquecimento do mercado, não se sabe ainda se os produtores de arroz vão estar interessados em vender para a produção de ração.

Assim, já que a colheita está começando, é preciso aguardar para definir se de fato essa troca do milho pelo arroz vai valer a pena para os produtores. “Passa por uma questão econômica”, observa Velho. 

Essa discussão não é nova. O presidente da Asgav afirma que ela é retomada sempre que há excedente na produção de arroz e déficit na produção de milho, mas sem grandes avanços. “Eu posso dizer que há interesse do setor, mas nós precisamos buscar o ponto de equilíbrio justamente para fechar negócios, e criar uma rotina, uma agenda positiva, que inclua essa possibilidade no nosso dia a dia”.

*Sob supervisão de Elder Ogliari

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895