Existe incerteza no campo sobre a nova safra de milho, cujas primeiras sementes já foram lançadas em algumas regiões do Rio Grande do Sul. Os agricultores tentam se equilibrar entre dívidas remanescentes das estiagens passadas e a necessidade de acessar crédito novo, a apertada margem de lucro, a forte pressão de pragas como a cigarrinha-do-milho, que encontrou ambiente propício para a proliferação neste inverno de temperaturas mais amenas, a aversão ao risco e a busca de segurança e maior rentabilidade em culturas como a soja. Mesmo assim, há perspectivas de estabilidade da área plantada, com semeadura de cerca de 800 mil hectares, embora a Associação dos Produtores de Milho do Rio Grande do Sul (Apromilho/RS) tema recuo. “O produtor tem tirado o pé, com receio, já que é uma cultura de alto risco e custo também”, afirma o presidente da associação, Ricardo Meneghetti.
A safra passada teve plantio em 823,3 mil hectares, conforme o IBGE, e colheita em 816 mil hectares, com produção total de 3,9 milhões de toneladas e produtividade média de 4.841 quilos por hectare. Segundo Meneghetti, um indicativo de que a área pode diminuir é a venda de sementes, estável quando a finalidade é silagem e em queda quando o propósito é grão. “Esperamos que isso não aconteça, mas temos que aguardar porque ainda temos tempo para implantar a cultura”, salienta. A Apromilho percebe que o agricultor está flertando com a soja. “Esse é o grande problema hoje no plantio do milho, o produtor endividado, reticente e indo para lado mais seguro”, resume.
Mesmo diante do levantamento da Emater/RS-Ascar de 11 safras de milho, que identificou tendência de diminuição da produtividade, o presidente da Apromilho espera que a colheita cubra parte da demanda Estado. “Se colhermos 5 milhões a 5,5 milhões de toneladas no Rio Grande do Sul, já vamos estar bem mais próximos do que vínhamos nos últimos três anos”, analisa. O consumo gaúcho é de cerca de 7 milhões de toneladas.
A previsão de El Niño pode favorecer a produção, mas o produtor reclama da burocracia para implantar sistemas de irrigação e quer mais agilidade para permitir a reservação de água em Área de Preservação Permanente (APP). Atualmente, as áreas irrigadas para milho no RS chegam a 115 mil hectares, respondendo por 14% da área plantada e 39% da produção estimada pela Federação das Cooperativas Agropecuárias do RS (Fecoagro/RS), de 4,8 milhões a 5 milhões de toneladas. Conforme o IBGE, os 10 municípios com as maiores áreas irrigadas respondem pela metade da produção do milho irrigado no Estado. Conforme a Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), o rendimento médio do milho irrigado na última safra foi de 9.914 quilos por hectare, contra 4.022 quilos por hectare no sequeiro.
“Até este momento, as condições de semeadura foram extremamente favoráveis, tendo avançado na última quinzena, dando conta inclusive de uma fase de antecipação se formos comparar ao ano passado”, disse o diretor-executivo da Fecoagro/RS, Sérgio Feltraco. Com o plantio precoce, estipula-se que a colheita também seja adiantada, para o começo de janeiro, espremendo as janelas com o fim do calendário de semeadura da soja, que foi antecipado para 8 de janeiro de 2024, conforme a portaria Nº 840 do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
O retorno do El Niño e um clima mais amigável para a produção é uma esperança compartilhada pelo diretor executivo do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos (Sips), Rogério Kerber. “O setor de proteína animal depende muito desse cenário de composição de clima e esperamos que os indicadores e os prognósticos mostrem que este ano voltaremos à normalidade”, analisa. Em 2019, a quebra da safra de milho obrigou a compra do grão de outros estados e a importação de 1,9 milhão de toneladas, conforme a Receita Estadual. Em 2020, foram 2,6 milhões de toneladas.
“Em 2021, compramos 2,4 milhões de toneladas, mas tem que ser considerado que naquele ano foi possível utilizar um quantitativo estimado de 400 mil toneladas de trigo na formulação de rações, por isso a importação de milho foi menor”, detalha. O auge do ciclo de perdas veio em 2022, quando os gaúchos precisaram adquirir 3,4 milhões de toneladas. Kerber projeta produção de 5,5 milhões de toneladas nesta safra, o que ainda deixa a necessidade de importação. “Espera-se que haja equilíbrio, uma volta da normalidade e que tenhamos deixado para trás esse período desastroso para a cultura do milho”, completa.
Para o gerente de relações institucionais e sindical da Organização das Cooperativas do RS (Ocergs), Tarcisio Minetto, a necessidade de comprar o grão de outros estados e do exterior fragiliza a competitividade dos setores de produção de proteína animal. “Temos um déficit muito grande na produção”, resume. Conforme Minetto, se o Estado conseguisse triplicar sua área irrigada, a produção poderia chegar próxima a 10 milhões de toneladas, alcançado a autossuficiência.
Na safra passada, o Banrisul financiou R$ 3,6 bilhões para a implantação de cerca de 540 mil hectares, com custo médio de R$ 6,7 mil. Para o ciclo 2023/2024, o custo médio de implantação deve girar em torno de R$ 5,5 mil, com oscilação de valores em diferentes regiões. Minetto estima que serão necessários R$ 5 bilhões do sistema financeiro para financiar a safra. A Federação da Agricultura (Farsul) estima que somente de 30% a 35% dos produtores recorrem ao financiamento para a safra de milho. “Grande parcela deles não pega recursos porque não pode”, diz o presidente da Câmara Setorial do Milho, Paulo Vargas, representante da Farsul no colegiado da Seapi.
Terras baixas: nova fronteira para o milho
Produtividades altas são obtidas na Zona Sul Estado graças à parceria do Instituto Rio Grandense do Arroz com a Embrapa , que juntos desenvolveram tecnologia aplicada à irrigação
O milho está inserido em uma nova realidade de diversificação de culturas em terras baixas, que inclui cultivos de sequeiro de primavera/verão (soja e milho) e de outono/inverno (trigo, pastagens e plantas de cobertura). Para este ciclo, estima-se a semeadura de milho em cerca de 12 mil hectares em terras baixas, em patamar semelhante ao da safra passada, de 12.802 hectares, com produtividade de 6,51 toneladas por hectare e produção de 72 mil toneladas. A maior produtividade na safra passada ocorreu na Zona Sul, com 8,44 toneladas por hectare. Na região, foram cultivados 3.538 hectares, com produção total de 20.576 toneladas. A média no RS na safra foi de 4,43 t/ha, irrigado e não irrigado. A expectativa de plantio para a safra 2023/24 será divulgada na Expointer.
O Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) e a Embrapa têm trabalhado para desenvolver a cultura do milho na Metade Sul, com aplicação da tecnologia de sulco-camalhão da Embrapa, que permitem irrigação e drenagem em solo mais profundo e descompactado, propício para o desenvolvimento radicular das plantas. Conforme a diretora técnica do Irga, Flávia Miyuki Tomita, o cultivo em terras baixas tem como vantagens melhor gestão de riscos climáticos e de preços, manejo conservacionista do solo, maior estabilidade da produtividade em função da disponibilidade de infraestrutura de armazenamento e distribuição da água e controle de plantas daninhas, pragas e doenças. “Damos ênfase à irrigação. Não dá pra arriscar semear o milho sem irrigação. O custo de produção é alto, e a cultura é mais sensível que a soja em relação ao déficit hídrico”, lembra.
Propriedade da família Vizzotto, em Itaqui, prepara cerca de 300 hectares de suas áreas para receber o sistema de sulco-camalhão, tecnologia de irrigação que irá lhe proporcionar até 150 sacos de milho colhidos por hectare na safra de verão 2023/2024 | Foto: William Vizzoto/arquivo pessoal / CP.
O projeto Milho Irrigado em Terras Baixas teve o primeiro ano na safra 2022/23, com experimentos na Estação Experimental do Arroz, em Cachoeirinha, e em estações regionais, com híbridos, época de semeadura, sistemas de irrigação, adubação e densidade para alta produtividade (10 toneladas por hectare) e muito alta (15 toneladas por hectare). A produtividade máxima nos experimentos foi de 18,40 toneladas por hectares.
A tecnologia de sulco-camalhão foi desenvolvida pela Embrapa Clima Temperado no Projeto Sulco, que difunde a tecnologia de irrigação. No Rio Grande do Sul, são cerca de 4,5 milhões de hectares em terras baixas, sendo cerca de 1 milhão de hectares cultivados anualmente com arroz. Como nova opção para o produtor, a soja já ocupa em torno de 500 mil hectares em terras baixas.
A família Vizzotto planta em torno de 1,5 mil hectares de arroz em Itaqui e Uruguaiana, na Fronteira Oeste. A rotação de culturas começou há seis anos, com soja, e recebe milho há três anos. “Obtivemos vários benefícios com a rotação com soja, que nos permitiu melhorar as produtividades do arroz”, conta William Vizzotto, 30 anos, formado engenheiro eletricista e agora acadêmico de Agronomia. O negócio rural é tocado pelo pai, Vilimar, e o tio, Valdocir, há mais de 30 anos. O plantio de milho se iniciou há três anos, em 90 hectares, e vai ocupar 300 hectares nesta safra. Eles vão insistir na cultura apesar das estiagens que derrubaram a produtividade das culturas de sequeiro, mesmo com a utilização do sistema de sulco-camalhão para irrigação. “O custo será de cerca de 135 sacos por hectare, e a expectativa é tirar ao menos 150 sacos”, conta. Preocupados com a queda no preço do milho, os Vizzotto só plantarão milho este ano porque tinham sementes armazenadas e querem seguir no caminho de aprendizado da cultura, em um ano com perspectiva de clima mais favorável. “Com o milho, tivemos benefícios ainda maiores nas áreas do arroz, apesar de nossas áreas não terem grande aptidão para culturas de sequeiro”, finalizou.
Incidência da cigarrinha coloca agricultores em alerta contra a praga
Uma das pragas mais temidas, a cigarrinha-do-milho (Dalbulus maidis) encontrou no clima mais ameno do inverno condições ideais para reprodução e está fazendo pressão maior sobre plantas recém-emergidas nas regiões Noroeste e Missões. A Rede Técnica Cooperativa (RTC) mantém 77 pontos de monitoramento e este ano há o indicativo de populações consideravelmente maiores. “Por exemplo, um ponto de monitoramento em Santa Rosa indicou que a população, comparada à de 2021, é de quatro a cinco vezes maior”, disse o pesquisador em entomologia da CCGL, Glauber Renato Stürmer, que há poucas semanas revelou a identificação de uma nova espécie do inseto, a cigarrinha-africana (Leptodelphax maculigera).
Stürmer explica que a condição de inverno com poucas geadas e frio permitiu a manutenção do ciclo da praga. “Em temperaturas elevadas como tivemos, a cigarrinha continua se reproduzindo. Por exemplo, em temperaturas abaixo de 15° C não há eclosão de ovos, mas com temperaturas na média 25 a 27° C, o ciclo de ovo adulto pode ocorrer em apenas 25 dias”, explica. “Isso traz crescimento da população, além do milho safrinha, no sentido de que o milho voluntário ou milho tiguera em algumas regiões acabou mantendo a população de cigarrinhas viável no período de entressafra”, destacou. O assunto já reverberou entre as cooperativas associadas da CCGL. O coordenador da área técnica da Cotribá, Fernando Müller, admite a preocupação. “Os coletores de cigarrinha estão enchendo de tanta praga”, disse.
O engenheiro agrônomo Roberto Adriano Racho percorre 66 municípios da região Noroeste do Estado em um trabalho que faz há 11 anos de representação comercial da Sementes LG. “Este ano temos pressão altíssima, totalmente fora da curva”, avaliou. Racho encontrou plantações que germinaram há 10 dias e já tinham de sete a oito insetos em cada planta. Aos clientes, Racho tem recomendado a escolha de híbridos com grande tolerância e a aplicação de um pacote de manejo, com vistorias e associação de produtos químicos e biológicos. “É fundamental orientar o produtor, senão a praga vai inviabilizar a cultura do milho na nossa região. Vamos ter de fazer seis a sete aplicações ou vamos perder a lavoura de milho.”
O secretário da Agricultura de São Paulo das Missões, Ismael Steffens, já recebeu vários relatos no município, que terá 4,2 mil hectares de lavouras, para grãos e silagem. “A pressão está muito grande, fora de série”, disse Steffens. Para a Emater/RS, a presença da cigarrinha requer atenção especial desde o início da implantação da cultura e durante seu desenvolvimento, conforme o diretor técnico, Claudinei Baldissera.
Estiagens frustraram busca do estado pela autossuficiência na produção
Oficializado por decreto estadual de 2020, o programa Pró-Milho/RS foi instituído com o objetivo de aumentar a produção e a produtividade no Estado. O programa não incluiu recursos para fomentar a cultura, mas permitiu a inclusão de ações e metas no plano de trabalho anual de assistência técnica e extensão rural da Emater. “Quando o programa foi lançado, tínhamos a ambição de pelo menos ter uma meta acima de 6 milhões de toneladas na produção, mas pegamos três estiagens seguidas e, mesmo fazendo assistência técnica direcionada para 20 mil produtores por ano, unidades de referência tecnológica e manejo, além de não poder avançar na produção, ela acabou sendo menor”, lamenta o coordenador do programa, Valdomiro Haas, analista agropecuário e florestal da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi).
O objetivo do programa é a produção de 6,5 milhões de toneladas, próximo ao consumo anual do Estado. Se teve resultados frustrados pelo clima, o programa conseguiu se manter ativo e ter continuidade. A cada novo ciclo, a Emater tem dado prioriedade à cultura, direcionado cerca de 15 mil horas técnicas para realizar dias de campo e seminários regionais a cada mês, elaborar projetos de secagem e armazenagem de grãos e dar assistência aos agricultores. Na safra 2021/ 2022, foram instaladas e acompanhadas 24 unidades de referência tecnológica, duas por regional da Emater. “Também inovamos na avaliação de perdas, com técnicos acompanhando a colheita em 50 produtores e fazendo relatórios em que se mostra que como, com maior ou menor orientação técnica, o produtor pode perder menos grãos na colheita do milho”, disse.
Haas entende que aumentar a produção é fundamental para sustentar os setores de proteína animal de aves e suínos e mantê-los investindo no Estado. Para esse fim, o coordenador do Pró-Milho reconhece o trabalho do Irga na pesquisa para a cultura em terras baixas. O setor aposta na estratégia de diversificação e, em fevereiro passado, realizou a abertura da colheita em Jaguarão, no Extremo Sul do Estado.
Subsídio do Troca-Troca
O produtor de leite Élcio Mohr, à esquerda, com propriedade no município gaúcho de Horizontina, utiliza seis sacas de sementes na safra e mais seis para a safrinha de milho destinada à produção de silagem, por isso, considerada o Troca-Troca muito importante no gerenciamento nos negócios, já que pode pagar a compra de um ano para o outro | Foto: Elcio Mohr / arquivo pessoal / CP.
Aliado histórico na produção de milho para as propriedades familiares, o Programa Troca-Troca de Sementes do governo do Estado deve contemplar 111 mil hectares de semeadura nesta safra, com expectativa de produção de 810 mil toneladas. Conforme a Secretaria do Desenvolvimento Rural (SDR), serão beneficiados 31 mil agricultores com subsídio de 28% para a compra de 49 cultivares – oito delas de sorgo – fornecidas por sete empresas. Conforme a SDR, o Estado vai desembolsar R$ 8,3 milhões. A produção será destinada, principalmente, para consumo próprio nas pequenas propriedades.
“É significativa a importância do programa para os nossos produtores. Além de promover o fomento ao cultivo de milho, com híbridos convencionais e transgênicos, e sorgo, destinados à produção de grãos ou silagem para agricultores familiares, são beneficiados com subsídio de 28%, sendo o milho híbrido será pago somente em 30 de abril de 2024, espaço de tempo que permite o agricultor plantar, colher e destinar a produção a sua finalidade”, analisou a diretora de Agricultura e Pecuária Familiar da SDR, Bruna Pelegrin.
Na safra passada, os produtores que adquiriram sementes por meio do Troca-Troca e sofreram prejuízos em decorrência da estiagem tiveram as dívidas perdoadas pelo governo do Estado. Uma resolução do governo anistiou em 100% as dívidas de agricultores com o programa. Ao todo, o valor chegou a R$ 22,5 milhões e beneficiou cerca de 41 mil famílias.
O produtor de leite Élcio Mohr, de Horizontina, utiliza seis sacas de sementes na safra e mais seis para a safrinha para produção de silagem para sustentar seus animais. “É muito importante porque tenho prazo para fazer pagamento de um ano para o outro”, diz. Mohr pretende fazer o plantio na última semana de agosto.