Autoestima e bem estar na terceira idade

Autoestima e bem estar na terceira idade

Dona do melhor tempo da Maratona Internacional da Porto Alegre, Geny Mascarello segue traçando novas metas e reafirma as vantagens do esporte para auxiliar com as mudanças que o tempo traz para o corpo e a mente

Geny Mascarello pretende disputar os 21 km da Maratona Internacional de Porto Alegre

Por
Victória Rodrigues

Se você perguntar ao Google quem foi a primeira mulher a ganhar a Maratona de Boston, o mecanismo de pesquisa prontamente irá responder o nome de Kathrine Switzer. Além disso, mostrará uma foto de um grupo de homens perseguindo e empurrando uma mulher com o número 261 colado no peito. A imagem é chocante, mas mostra a misoginia da época em que apenas homens podiam disputar a prova. A justificativa para a proibição era de que o corpo da mulher não havia sido preparado para este tipo de esforço.

Heptacampeã da Maratona Internacional de Porto Alegre (1984, 1985, 1986, 1988, 1989, 1992 e 1993), Geny Mascarello desmente todas essas afirmações. Aos 70 anos, a atleta olha para trás e se orgulha da trajetória que construiu. A corredora, que iniciou no esporte de maneira despretensiosa aos 26 anos, jamais imaginou tudo que a prática traria para sua vida. “Para mim o esporte é liberdade”, afirma ela, que treina na Sogipa desde o início da carreira e considera o lugar uma segunda casa. Apesar de colecionar títulos ao longo da trajetória e ter encarado diversas maratonas, Geny talvez enfrente agora uma das provas mais difíceis de sua vida: lidar com o corpo e a mente. Com o tempo, a atleta foi se dando conta das mudanças físicas desenvolvidas por conta da idade, mas mesmo assim nunca pensou em deixar o esporte. “É complicado porque a minha cabeça quer e o corpo não vai”, explica Geny. “Então, logo no início tive várias lesões por não aceitar essas limitações, porque na época eu corria muito, mas eu tinha 40 anos, hoje eu quero correr a mesma coisa e não dá, não tem como. Eu tenho que limitar”, afirma.

Atleta se orgulha da trajetória que construiu ao longo da carreira. Foto: Ricardo Giusti

A relação de Geny com a Maratona de Porto Alegre é de longa data. A atleta traz consigo o recorde gaúcho da disputa de 2h44min01, conquistado em 1993, quando foi campeã pela sétima vez. Neste ano, Geny irá participar novamente da prova depois de completar 70 anos. No entanto, afirma que desta vez não está preocupada com o tempo que levará para completar a prova e sim em completar o trajeto de 21 km. “Eu vou fazer a maratona porque é muito para mim, vai ser muito importante deixar um legado do quanto o esporte foi importante na minha vida, para a minha saúde principalmente. Eu espero que algumas pessoas possam se beneficiar deste meu exemplo”, orgulha-se a atleta.

Além de manter a rotina de treinos e alimentação saudáveis, Geny continua trabalhando na área da saúde comunitária, no tratamento e bem-estar de pessoas idosas. Vivenciar situações diárias reafirmou ainda mais para a maratonista o quanto as atividades são essenciais para prevenir problemas físicos que vêm com a idade, além de injetar disposição e energia na melhor idade. “Eu me comparo com algumas pessoas de 70 anos e digo: “Meu Deus, como eu estou bem”.’ E tudo isso foi o esporte que me trouxe desde que comecei a praticar diariamente, há mais de 40 anos”, assegura a atleta.

Recomeçar depois dos 60
Só quem corre sabe o quanto a prática transforma a rotina. É o caso de Nora Teixeira, ex-secretária que começou no esporte influenciada pelo filho em 2018, aos 64 anos. Desde então, não parou mais. Hoje, aos 70, Nora coleciona troféus e medalhas das disputas que participou. “Desde que eu comecei a me inscrever nas corridas, eu não ganho só medalha, eu sempre venho com um trofeuzinho para casa”, se orgulha.

O empurrãozinho do filho foi essencial para virar a vida de Nora do avesso. “A primeira vez que corri com ele no Gasômetro, nós fomos correndo por 2 km. Quando parei, não senti falta de ar, cansaço. Parecia que eu estava sempre na corrida”, relembra. De lá para cá, a corredora marcou presença no POA Day Run, POA Night Run, Corrida do Grêmio e, o maior até agora: a São Silvestre.

Nora Teixeira sempre correu por conta própria, sem instrutores ou grupos de corrida. Foto: Ricardo Giusti

Nora conta que sempre teve o sonho de correr na disputa, mas não imaginava realizar o feito apenas um ano depois de iniciar no esporte. “Eram 35 mil pessoas”, conta. “Meu filho também participou e eu fiz todo o trajeto e cheguei bem, mesmo fazendo mais esforço na chegada porque era uma subida, tem que dar mais de ti. Então eu completei, ganhei minha medalha e ainda cheguei 20 minutos antes do meu filho”, diverte-se Nora.

Até uma São Silvestre no currículo
Além da corrida, ela também inclui na rotina musculação, aulas de ginástica e de dança. Nora sempre correu por conta própria, sem frequentar clubes, grupos de corrida ou instrutores. “Eu vou ali no Parque Mascarenha de Morais e faço corrida. ‘Hoje eu vou fazer 5 km’ vou lá e faço, ‘Vou fazer 10 km’, faço também”, diz. Ela observa que a musculação é essencial para o reforço muscular das pernas e para aumentar o impulso na hora de correr. Ela afirma ainda que, depois de criar um hábito, quando não prática por um dia, vem a culpa.

Tanto para Nora quanto para Geny, a regra é a mesma: combinar os exercícios com uma alimentação equilibrada. Durante a velhice, é comum o corpo perder massa óssea e muscular e para retardar esse acontecimento a melhor aliada é o bom uso de proteínas ao longo do dia. O hábito também evita casos de osteopenia, diminuição da massa óssea que precede a osteoporose, além de ajudar a curar mais rápido lesões causadas por quedas, por exemplo.

As duas corredoras já caíram, enquanto Geny fraturou o braço em uma trilha, Nora quebrou a patela do joelho em uma de suas corridas diárias no Parque. “Eu tropecei e caí de bruços na calçada. Fiquei quase três meses parada, fazendo fisioterapia e reforço muscular para recuperar totalmente”, relembra Nora. “Hoje, se eu parar uma semana, quando eu levanto é uma dorzinha fraca no joelho ou na lombar, porque o corpo já acostumou a se movimentar”, conta.

Com a população da Capital envelhecendo cada vez mais, as duas atletas reforçam a importância da atividade física na terceira idade, mas, principalmente, para a autonomia e autoestima. Além disso, o bem-estar físico e mental é outro aliado para manter o hábito na rotina. “Eu nunca estive tão bem. Me olho no espelho e me amo”, diz Nora. “A gente tem a impressão de que não envelhece, porque a alma não envelhece”, completa Geny.

Evoluir junto com o tempo talvez seja um dos maiores desafios para pessoas mais velhas. Porém, mulheres que praticam atividades na terceira idade são uma lembrança de que nunca é tarde para começar, na corrida ou em outra atividade. “Eu sempre busco incentivar as pessoas da minha idade. Começa de alguma forma, dando uma caminhada, uma volta no parque, porque é qualidade de vida e é muito importante para o corpo, para a mente, para tudo”, diz.

*Sob supervisão de Carlos Correa

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895