Batalha contra os fósseis

Batalha contra os fósseis

A COP26 chega ao fim, após duas semanas de evento, mas as negociações prosseguem neste fim de semana em razão de divergências sobre a redação final do acordo da conferência

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Correio do Povo

A conferência do clima das Nações Unidas (COP26), realizada em Glasgow, na Escócia, terminou nesta sexta-feira, após duas semanas de evento, mas as negociações sobre o acordo final prosseguem neste fim de semana por causa das divergências registradas. Durante esses dias, foram construídos dois rascunhos de acordo. De forma geral, o primeiro trazia avanços pontuais, mas não apresentava detalhes sobre como atingir as metas necessárias para que o aumento da temperatura do planeta seja menor do que 2 graus até 2100, e de preferência menor que 1,5 grau, como foi definido no Acordo de Paris. Acontece que, da era pré-industrial até o momento, a temperatura da Terra já subiu 1,1 grau.

A versão inicial pedia aos países que apresentassem promessas melhoradas em 2022 para combater as mudanças climáticas, mas não confirmava se isso se tornará um requisito anual. É possível que essa decisão fique para a COP27, que será realizada daqui a um ano, no Egito. Um segundo rascunho do acordo final da COP26 foi divulgado na sexta-feira, último dia do evento. A nova versão do texto traz menções mais amenas, em comparação com o primeiro rascunho, sobre o fim do uso do carvão e de outros combustíveis fósseis.

“Ainda não conseguimos, mas vamos conseguir”, afirmou o enviado especial dos Estados Unidos, John Kerry. O país retornou este ano às negociações climáticas, no governo do presidente Joe Biden, que mudou a política ambiental adotada pelo antecessor Donald Trump. Sobre os subsídios à indústria dos combustíveis fósseis, Kerry declarou que gastar bilhões de dólares com isso é "loucura". Bilhões de dólares foram gastos para subsidiar combustíveis fósseis nos Estados Unidos "nos últimos cinco ou seis anos, Isso é a definição da loucura", disse Kerry na assembleia plenária da conferência.

Para buscar um terreno comum, o segundo rascunho de resolução, ainda provisório, pede aos países “a supressão progressiva da energia produzida com carvão sem mitigação e dos subsídios ineficazes aos combustíveis fósseis”. As centrais de energia elétrica à base de carvão “sem mitigação” são aquelas que não utilizam tecnologia de captura de carbono para compensar parte dos gases que emitem à atmosfera.

Esta é uma menção sem precedentes em mais de duas décadas de negociações sobre tais combustíveis, incluindo gás e petróleo, amplamente responsáveis pelas emissões de gases do efeito estufa que provocam o aquecimento do planeta. Porém, esta frase é mais suave que a do primeiro rascunho, que pedia simplesmente aos países para “acelerar o abandono do carvão e o financiamento dos combustíveis fósseis”. As menções ao carvão e aos combustíveis fósseis foram suavizadas após uma campanha dos principais produtores de carvão, petróleo e gás do mundo – como Arábia Saudita, China, Rússia e Austrália, que queriam que os trechos totalmente removidos. Uma análise divulgada na quinta-feira, constatou que a Austrália tem as maiores emissões de gases de efeito estufa per capita geradas por carvão do mundo.

Vanessa Pérez-Cirera, diretora da ONG ambientalista WWF, lamentou que “o rascunho revisado tenha recuado em áreas cruciais”. “Diante da emergência climática, havíamos considerado o texto anterior como o limite absoluto e esperávamos que este fosse mais forte e concreto”, destacou. Ela celebrou, no entanto, o fato de que "o aumento a curto prazo dos compromissos climáticos para 2022 permaneça no texto, embora ainda seja insuficiente para a meta de 1,5 grau". De acordo com um mecanismo estabelecido em 2015, os países devem revisar seus objetivos a cada cinco anos, com a próxima vez programada para 2025. Desde o início da reunião em Glasgow, no entanto, as nações mais vulneráveis insistem em revisões anuais.

O primeiro rascunho de resolução, publicado na quarta-feira, pediu aos países para "revisar e fortalecer" os planos de descarbonização no próximo ano. Pérez-Cirera, porém, considera que isto deve ser acompanhado por uma ação a curto prazo e sugeriu, como exemplo, a eliminação dos bilhões gastos anualmente nos subsídios dos combustíveis fósseis, o que poderia ajudar a alcançar os 100 bilhões de dólares anuais prometidos desde 2009 em ajudas aos países pobres, um valor que até hoje não foi alcançado.

É necessário fazer mais

Os primeiros dez dias da COP26 foram marcados por anúncios pomposos: novos objetivos da Índia, quarto maior poluente mundial, promessas de acabar com o desmatamento até 2030 e a emissão de 30% a menos de metano, gás que tem efeito estufa 80 vezes maior que o CO2.

Até China e Estados Unidos, os dois maiores emissores do planeta, anunciaram de maneira inesperada acordo para reforçar em conjunto a luta contra a mudança climática, apesar das profundas divergências em outros campos. A principal promessa é o lançamento de um grupo de trabalho bilateral dedicado à luta contra as mudanças climáticas. A reunião deve ser realizada no primeiro trimestre de 2022. Mas o pacto ainda não tem muitos objetivos específicos e seu valor principal é, sem dúvida, político. Para Li Shuo, diretor do Greenpeace China, o acordo mostra a "vontade política de separar um pouco a questão climática" das questões que geram tensões entre chineses e americanos.
A ONU advertiu, porém, que, apesar das promessas, o planeta segue rumo a um "catastrófico" aquecimento de 2,7 graus e que os países devem fazer mais.

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DESDE 1º DE OUTUBRO 1895