Bonito, colorido e de importância nacional

Bonito, colorido e de importância nacional

Trabalho feito por pesquisadores da Esalq/USP, consolidado em tese de doutorado, mapeou a diversidade do milho crioulo nos cinco biomas brasileiros e constatou a existência de 32 “raças” do grão, 14 delas no Rio Grande do Sul

Por
Nereida Vergara

Entre os alimentos consumidos desde os primórdios da humanidade, o milho crioulo (aquele que não foi apropriado pela indústria e cuja preservação de sementes tem um caráter de herança de uma geração para outra) é bastante conhecido nos países andinos. A disseminação da cultura no continente sul-americano tem mais de seis mil anos, inclusive em terras brasileiras. Para mapear a diversidade deste cultivo no território nacional, a pesquisadora Flaviane Malaquias Costa, do Programa de Pós-graduação em Genética e Melhoramento de Plantas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) percorreu os cinco biomas do Brasil − Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Pampa − entre 2016 e 2020. 

Foram catalogados no trabalho “Raças de Milho das Terras Baixas da América do Sul: ampliando o conhecimento sobre a diversidade de variedades crioulas do Brasil e do Uruguai”, 29 raças e três complexos raciais, 16 coletadas pela primeira vez. Dentro dos 32 achados, o estudo encontrou 386 variedades do grão, com aptidões variadas, da culinária ao artesanato, passando também pela subsistência de animais em pequenas comunidades agrícolas e de povos tradicionais. A pesquisadora explica que a abordagem de sua tese de doutorado foi em busca da diversidade do milho crioulo em terras situadas abaixo de 1,5 mil metros de altitude. 

Foram envolvidos no levantamento 261 agricultores familiares e de povos tradicionais, 129 deles entrevistados por equipe que, além de Flaviane, contou com os também pesquisadores Natalia de Almeida Silva, Rafael Vidal, Elizabeth Veasey e Charles Clement.

Um dos locais visitados pelo grupo foi a comunidade de Ibarama, na região Central do Rio Grande Sul, conhecida pelos seus projetos Guardiões de Sementes e Guardiões de Sementes Mirim. “No Rio Grande do Sul, no bioma Pampa, identificamos 14 raças de milho, num total de 75 variedades. Encontramos como micro centro de diversidade o município de Ibarama, onde entrevistamos 28 agricultores, de 40 envolvidos no levantamento”, relembrou Flaviane Costa. 

Segundo ela, entre as 75 variedades encontradas no Pampa, 39 têm nomes locais, que são muito importantes para a identidade genética e definem os propósitos de cada tipo. “Só no Rio Grande do Sul encontramos 14 usos”, ressalta. Os usos e as preferências atribuídas às variedades locais de milho estão associadas às características que os agricultores consideram importantes, especialmente para a alimentação.

De acordo com a estudiosa, a preservação do milho crioulo é muito relevante para a autonomia das pequenas agriculturas e desempenha um papel fundamental na segurança alimentar dessas comunidades. Ela destaca que as contribuições trazidas pelo levantamento abrangem temáticas propostas pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Também como produto do projeto, que classificou as raças com suas características morfológicas, distribuição geográfica e usos principais, foram publicados um livro e um catálogo, que representam na terceira referência sobre o assunto no Brasil, carente de atualização desde 1977. 

“Um dos objetivos da nossa pesquisa foi chamar atenção para a história antiga que o Brasil tem com o milho, ligada às migrações dos povos indígenas aruaque, tupi e macro-jê. Assim como acontece nos países andinos, queremos ver o nosso milho crioulo incluído em políticas públicas da agricultura e fazendo parte da alimentação da população”, completa. Flaviane esclarece ainda que não há como comparar a diversidade de milho crioulo entre uma região e outra, pela diferenciação de solo e condições climáticas de cada bioma.

Os guardiões de Ibarama

O trabalho com sementes crioulas em Ibarama começou em 1998 com um grupo informal, composto por dez agricultores. Devido ao sucesso da iniciativa, em 2008 foi fundada a Associação dos Guardiões de Sementes Crioulas de Ibarama, que hoje tem 40 agricultores familiares. Além do milho, são preservadas variedades crioulas de feijão, arroz sequeiro, hortaliças, mandioca, batatas, cana-de-açúcar e amendoim, entre outras.
Fonte: Governo do Estado do Rio Grande do Sul

O que é uma raça de milho?

Uma raça de milho é um conjunto de variedades crioulas com características comuns que permitem reconhecê-las e separá-las em grupos. São adaptadas às condições ambientais e associadas a contextos sociais e culturais. As raças de milho são fruto da abordagem “simultânea” de seleção dos agricultores, ao mesmo tempo gera diversidade e permite a conservação da sua identidade genética. Fonte: Catálogo Raças de Milho do Brasil e Uruguai: diversidade e distribuição nas Terras Baixas da América do Sul

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895