"Cão-agente" atua em delegacia de Canoas

"Cão-agente" atua em delegacia de Canoas

Trajado de colete preto da polícia, o pet virou sensação

Por
Felipe Faleiro

A Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam) de Canoas, na Região Metropolitana de Porto Alegre, tem um agente muito especial. O golden retriever MacGyver é inspirado no personagem da ficção, um espião altamente inteligente que prefere resolver os conflitos sem violência, derrotando o inimigo com seu vasto conhecimento científico e os recursos à disposição. O cão MacGyver tem inteligência e capacidade de resolução destas situações muito similares, mas sua função é ligeiramente diferente.

O animal, que completa sete anos em agosto, pertence à delegada Priscila Salgado, titular da Deam desde fevereiro deste ano. O local fica no Centro Integrado de Segurança Pública, complexo onde também estão órgãos como a Secretaria Municipal de Segurança Pública (SMSP), a Defesa Civil do município, o Centro Integrado de Comando e Controle (CICC) e a Guarda Municipal. Tal qual um vigilante atento, MacGyver circula pelo local demonstrando docilidade, porém, impondo respeito, e não se espanta com o fluxo de pessoas.

A Deam é a delegacia responsável por acolher mulheres vítimas de violência doméstica, bem como suas famílias em estado de vulnerabilidade. Portanto, um trabalho bastante delicado. “Precisamos trabalhar esta confiança e proximidade. Quando uma criança me vê toda vestida de preto, com o uniforme da Polícia Civil, talvez não vai me dar bom dia, mas se eu estiver com um cachorro, ela tem curiosidade, abraça, tem vontade de interagir”, comenta a delegada. Dentro de seu gabinete, está estrategicamente posicionada junto ao chão uma tigela com água, reposta periodicamente para conter a sede do cão, que tem mais de 38 quilos.

As histórias de MacGyver e Priscila se cruzaram por volta de seis anos atrás, quando ele foi adquirido de um canil pela delegada. “Acho que para suprir uma carência familiar”, conta ela. Na época, Priscila era delegada plantonista em Canoas, trabalhando em regime de escala, o que a fazia ter mais tempo livre. Ela reconhece que a aquisição foi algo arriscado, em razão de o animal requerer, no mínimo, muito espaço e, de preferência, companhia constante. A solução encontrada por ela, então, foi levá-lo, ainda filhote, algumas vezes ao trabalho.

Em 2017, Priscila foi lotada na Deam de Gravataí e MacGyver foi junto. O delegado Volnei Fagundes Marcelo, titular regional na ocasião, e também apreciador de cães, aprovou a ideia. A partir daí, o cão passou a frequentar a delegacia diariamente. “Foi o ápice da ‘carreira’ dele. Por coincidência, minha sala ficava em frente ao local de espera das vítimas. Além da violência doméstica, também atendíamos crimes sexuais contra vulneráveis. Havia um fluxo grande de crianças na delegacia, tanto que tínhamos uma sala com brinquedos. Como ele ficava sempre junto a mim, acabava distraindo elas. Foi algo natural, a gente não ensinou. As crianças ficavam mais tranquilas”, comenta a delegada.

Papel lúdico

Afeito a carícias e passeios, MacGyver logo tornou-se instrumento de ampliação do caráter lúdico desta atividade da Polícia Civil. Assim, passou a frequentar palestras em escolas da Região Metropolitana, acompanhando Priscila onde ela era convidada a falar sobre temas como bullying e crimes sexuais em geral. Trajado de colete preto da polícia, o cão virou sensação e, por onde passava, sempre foi muito tietado. “Ele fazia um ou outro truquezinho, brincava com bola, permanecia no recreio com as crianças. Isto faz com que as pessoas confiem mais na Polícia”, diz a delegada.

Em 2019, uma mudança no comando da Polícia Civil fez com que MacGyver e sua dona fossem deslocados ao serviço administrativo, junto à Divisão de Armas, Munições e Explosivos (Dame), voltada ao público interno. Lá, ela permaneceu até o início de 2023, quando foi novamente realocada, desta vez para a Deam canoense, local que, de acordo com ela, costuma receber mais mães do que crianças. 

A sala dela também passou a ficar mais longe do plantão. Não significa, contudo, que o cão deixou de atrair a atenção. Quando cruza a porta da delegacia, MacGyver até pode assustar no início, mas a sensação rapidamente desaparece.

Presença ajuda a "quebrar o gelo"

“Por alguns segundos, você até esquece o que veio fazer na delegacia”, afirma Priscila Salgado. O golden retriever já participou de uma ou duas operações policiais junto com a delegada. No ambiente em questão, atenção e astúcia são itens fundamentais, assim como o grau de estresse é extremo. Só que as experiências em campo não foram das melhores. “Como ele anda sem coleira, caminha para lá e para cá, ofegante. É algo que não é agradável para ele. Você tem de trabalhar de forma rápida, e, na verdade, vimos que ele não contribuía e inclusive atrapalhava. Na realidade, o MacGyver não teve função”, diz ela.

De qualquer forma, este gigante gentil, já não tão jovem, no dia a dia é mais afeito ao sossego do escritório do que ao barulho e à correria das ruas. O lazer, no entanto, ainda faz parte de sua vida. Entre as aventuras pelas quais a dupla passou, MacGyver já correu na neve na Argentina e até já circulou de stand up paddle pelo Guaíba. “Por ser muito grande, ele começa a sentir dores nas costas, perdendo um pouco a curiosidade, mas continua sendo meu parceiro para tudo, até onde é possível”, afirma Priscila.

A delegada diz não se recordar de um depoimento específico de vítima à polícia no qual a presença de MacGyver tenha feito a diferença. Porém, ele ajuda a quebrar o gelo de um local que, dependendo das circunstâncias, pode trazer ainda mais angústias. “Quando a criança sente que este ambiente é lúdico e acolhedor, sem dúvida ajuda”, comenta. Mas qual foi o motivo do nome? “Acho que ele veio primeiro, depois o cachorro. Na série, o personagem era um investigador que não portava arma de fogo, resolvia tudo no diálogo. Portamos porque precisamos, só que preferimos não usar, se possível, especialmente em uma delegacia social, onde buscamos resolver conflitos”, explica.

O titular da SMSP em Canoas, delegado Guilherme Pacífico, afirma que a presença de MacGyver representa integração e união. “Ele é um facilitador deste processo no Centro Integrado de Segurança Pública, onde estão localizados diversos órgãos. É um símbolo deste local, transitando por todos os ambientes. E as pessoas que aqui vêm, conseguem perceber a pureza e a tranquilidade do animal. Ficamos muito felizes de tê-lo e, para nós, é motivo de muito orgulho. Mostra também que somos uma instituição amiga dos animais. Ele não atrapalha em absolutamente nada nossos serviços, pelo contrário, potencializa as ações de segurança”, relata ele.

Em breve, Priscila conta que será novamente deslocada, desta vez à Delegacia de Polícia para o Turista (Dptur), localizada nas dependências do Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre. Até haver a nomeação, ela sente que precisa cumprir seu trabalho na Deam e ainda acompanhar de perto a implantação do sistema de tornozeleiras eletrônicas em agressores, já que Canoas é um dos dois municípios gaúchos onde o projeto está sendo implantado em um primeiro momento – o outro é Porto Alegre. “Já demos início à atividade”, diz ela.

No último dia 6, após decisão da Justiça de Canoas, Polícia Civil e Brigada Militar implantaram o primeiro equipamento. MacGyver está próximo da aposentadoria. Até lá, ele recebe todos os mimos de um bom companheiro, além do carinho dos policiais e demais pessoas que circulam pela área e se impressionam com seu tamanho. O que o cão tem de imponente, tem de carinhoso. Mesmo próximo de pendurar o uniforme que possui, ele segue firme na delegacia. “Ele vai comigo para onde quer que eu vá”, ressalta a delegada. 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895