Chance de alívio para bovinos

Chance de alívio para bovinos

Descoberta de como saliva do carrapato reduz imunidade animal pode abrir caminho para combate eficiente

Na foto, carrapato deposita ovos em vegetação

Por
Carolina Pastl*

Todo ano, quase todos os 215 milhões de bovinos brasileiros, incluindo os 12,5 milhões do Rio Grande do Sul, sofrem em decorrência do parasitismo do carrapato-de-boi (Rhipicephalus microplus). Lesões na pele, redução de peso e da produção de leite e transmissão de doenças, como a tristeza parasitária bovina, que é responsável pela morte de 100 mil animais por ano no Estado, estão entre os principais problemas da infestação. Considerando-se o custo do tratamento, o prejuízo chega a 2 bilhões de dólares por ano no país. Fora o valor de carne e leite desperdiçados.

Somado a isso, está o fato de não existir tratamento eficaz contra o aracnídeo. Os acaricidas, além de caros, acabam selecionando os carrapatos mais resistentes; a única vacina existente até o momento, de Cuba, não funciona no Brasil por ter sido produzida contra uma cepa diferente das existentes aqui; e não há um predador efetivo para ele em território nacional. Mas, com a finalidade de romper este paradigma, uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Hokkaido University (Japão) trouxe esperança aos produtores rurais ao descobrir como a saliva do carrapato reduz a imunidade bovina. Esta informação pode impulsionar o desenvolvimento de novos métodos de controle do aracnídeo a partir de agora.

Para a descoberta, feita no final do ano passado, os pesquisadores tiveram de coletar saliva do carrapato e sangue do bovino. Depois, por meio da tecnologia citometria de fluxo (incidência de uma fonte de luz laser que identifica o tipo de célula), detectaram a ação. O que se percebeu, então, foi que um composto lipídico, chamado prostaglandina, presente na saliva do carrapato, quando em contato com as células bovinas, atuou sobre as proteínas que controlam a resposta imunológica do animal, reduzindo sua resistência à presença do aracnídeo.

A partir da saliva (gota na parte superior do animal esquerdo da foto), carrapato reduz a resposta imunológica bovina e pode ser capaz, inclusive, de matar os animais. | Foto: Lucas Tirloni / Divulgação

A partir de agora, o primeiro passo da pesquisa é confirmar se a prostaglandina desempenha um papel direto na supressão da resposta imune do animal. O segundo é fazer o procedimento com bovino vivo. E o terceiro é saber como bloquear a produção dessa prostaglandina no carrapato. “Se conseguirmos fazer tudo isso, será possível fabricar um medicamento ou vacina em 5 a 10 anos”, projeta o professor da Faculdade de Veterinária da Ufrgs, Itabajara Vaz, um dos coordenadores do estudo. “Só que a vacina terá de ser barata para compensar o uso em um sistema produtivo. A da Covid-19, por exemplo, que custa até 30 dólares, seria inviável na pecuária”, compara.

Pesquisadores das universidades Hokkaido (Japão) e Federais do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro trouxeram nova esperança aos criadores de gado. | Foto: Arquivo Pessoal de Itabajara Vaz / Divulgação

O estudo está sendo financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e agências japonesas. A descoberta foi publicada na revista Scientific Reports. Atualmente, as Américas do Sul e Central, a África, o Sul da Ásia e a Oceania são os principais locais com sérios problemas relacionados a esse carrapato.

Métodos alternativos

Há ainda métodos alternativos para controle do parasita, mas que não possuem tanta eficácia. De acordo com o veterinário responsável pela atividade de Defesa Sanitária Animal na Emater/RS-Ascar, Carlos Roberto Vieira da Cunha, a rotação de potreiros, a seleção de animais mais resistentes ao parasita e o uso de fitoterapia (receitas com alho, por exemplo), homeopatia e fungo como controle biológico são algumas opções usadas para tentar reduzir o problema.


*Sob supervisão de Elder Ogliari

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895