Todo ano, quase todos os 215 milhões de bovinos brasileiros, incluindo os 12,5 milhões do Rio Grande do Sul, sofrem em decorrência do parasitismo do carrapato-de-boi (Rhipicephalus microplus). Lesões na pele, redução de peso e da produção de leite e transmissão de doenças, como a tristeza parasitária bovina, que é responsável pela morte de 100 mil animais por ano no Estado, estão entre os principais problemas da infestação. Considerando-se o custo do tratamento, o prejuízo chega a 2 bilhões de dólares por ano no país. Fora o valor de carne e leite desperdiçados.
Somado a isso, está o fato de não existir tratamento eficaz contra o aracnídeo. Os acaricidas, além de caros, acabam selecionando os carrapatos mais resistentes; a única vacina existente até o momento, de Cuba, não funciona no Brasil por ter sido produzida contra uma cepa diferente das existentes aqui; e não há um predador efetivo para ele em território nacional. Mas, com a finalidade de romper este paradigma, uma pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Hokkaido University (Japão) trouxe esperança aos produtores rurais ao descobrir como a saliva do carrapato reduz a imunidade bovina. Esta informação pode impulsionar o desenvolvimento de novos métodos de controle do aracnídeo a partir de agora.
Para a descoberta, feita no final do ano passado, os pesquisadores tiveram de coletar saliva do carrapato e sangue do bovino. Depois, por meio da tecnologia citometria de fluxo (incidência de uma fonte de luz laser que identifica o tipo de célula), detectaram a ação. O que se percebeu, então, foi que um composto lipídico, chamado prostaglandina, presente na saliva do carrapato, quando em contato com as células bovinas, atuou sobre as proteínas que controlam a resposta imunológica do animal, reduzindo sua resistência à presença do aracnídeo.
A partir da saliva (gota na parte superior do animal esquerdo da foto), carrapato reduz a resposta imunológica bovina e pode ser capaz, inclusive, de matar os animais. | Foto: Lucas Tirloni / Divulgação
A partir de agora, o primeiro passo da pesquisa é confirmar se a prostaglandina desempenha um papel direto na supressão da resposta imune do animal. O segundo é fazer o procedimento com bovino vivo. E o terceiro é saber como bloquear a produção dessa prostaglandina no carrapato. “Se conseguirmos fazer tudo isso, será possível fabricar um medicamento ou vacina em 5 a 10 anos”, projeta o professor da Faculdade de Veterinária da Ufrgs, Itabajara Vaz, um dos coordenadores do estudo. “Só que a vacina terá de ser barata para compensar o uso em um sistema produtivo. A da Covid-19, por exemplo, que custa até 30 dólares, seria inviável na pecuária”, compara.
Pesquisadores das universidades Hokkaido (Japão) e Federais do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro trouxeram nova esperança aos criadores de gado. | Foto: Arquivo Pessoal de Itabajara Vaz / Divulgação
O estudo está sendo financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e agências japonesas. A descoberta foi publicada na revista Scientific Reports. Atualmente, as Américas do Sul e Central, a África, o Sul da Ásia e a Oceania são os principais locais com sérios problemas relacionados a esse carrapato.
Métodos alternativos
Há ainda métodos alternativos para controle do parasita, mas que não possuem tanta eficácia. De acordo com o veterinário responsável pela atividade de Defesa Sanitária Animal na Emater/RS-Ascar, Carlos Roberto Vieira da Cunha, a rotação de potreiros, a seleção de animais mais resistentes ao parasita e o uso de fitoterapia (receitas com alho, por exemplo), homeopatia e fungo como controle biológico são algumas opções usadas para tentar reduzir o problema.
*Sob supervisão de Elder Ogliari