Cigarro eletrônico: proibido, mas acessível

Cigarro eletrônico: proibido, mas acessível

Venda do produto continua em alta no país, ainda que sua comercialização seja vetada desde 2009

Por
Felipe Samuel

Apesar de proibida no Brasil desde 2009, a venda de cigarros eletrônicos segue em alta no país. Se a comercialização em lojas físicas, muitas vezes, ocorre de maneira discreta e sem alarde, na Internet a venda dos chamados dispositivos eletrônicos para fumar (DEF) acontece sem sobressaltos ou impedimento. Na maioria das vezes, o cliente precisa se cadastrar para efetuar a compra dos produtos, que geralmente levam nomes em inglês, como “e-cigarette”, “e-ciggy”, “e-pipe”, “e-cigar” ou “heat not burn” (tabaco aquecido). De janeiro a agosto, a Receita Federal confiscou 593.683 cigarros eletrônicos no país, em um total avaliado de R$ 24,1 milhões.

O Rio Grande do Sul é o terceiro estado com maior número de apreensões, totalizando 31.535 unidades. De acordo com a Receita Federal, o valor total estimado dos produtos é de R$ 2.731.289,65. Em número de apreensões, o RS fica atrás apenas do Paraná (421.888) e do Mato Grosso do Sul (87.054). Os produtos são constituídos, em sua maioria, por um equipamento com bateria recarregável e refis para utilização. Quem procura pelo sistema “pod”, que contém sais de nicotina e outras substâncias diluídas em líquido, consegue encomendar o produto com facilidade em sites na Internet.

Mesmo com a proibição da comercialização, importação e propaganda de todos os tipos de dispositivos eletrônicos para fumar, conforme resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), um site oferece entregas de segunda a sexta-feira, a partir das 13h30min, em Porto Alegre e Região Metropolitana. Aos sábados, o serviço de entrega é realizado das 16h às 21h. Aos clientes que vão fazer a primeira compra, o site oferece 10% de desconto. E, para compras acima de R$ 400,00, o frete é gratuito. O pagamento pode ser realizado com cartão de crédito e boleto bancário.

A empresa se apresenta como uma loja voltada para atender as demandas do mundo vaper, onde é possível encontrar “mod”, “pod”, peças de reposições e “juices”. Para fazer a compra, o cliente precisa criar conta no site. São dezenas de produtos à disposição, que variam desde aparelhos recarregáveis até os descartáveis. Os equipamentos mais baratos, os “pods” descartáveis, podem ser adquiridos por 49,90, mas outros modelos chegam a R$ 110,00.

Entre os itens mais caros estão os kits de cigarros eletrônicos chamados de Vape Starter Kit, indicados pelo site para iniciantes, uma vez que “proporcionam praticidade e facilidade de uso”. O site também oferece Pod System, um minicigarro eletrônico. O mais caro sai por R$ 350,91. O site diz que esses modelos são para fumantes que desejam parar de fumar, ao contrário do que alerta a Anvisa e médicos especialistas.

Outro site, que tem matriz em Porto Alegre, oferece diversos dispositivos eletrônicos e as mesmas facilidades para compra dos produtos: cartão de crédito, cartão de débito, boleto e transferência bancária. Os produtos variam de R$ 34,99 a R$ 619,99. A página na Internet ainda exibe uma lista com os municípios da Região Metropolitana, como Novo Hamburgo, Gravataí, Campo Bom, entre outros, que contam com serviço de tele-entrega.

Apreensão em Porto Alegre

Em Porto Alegre, uma Equipe de Vigilância em Saúde Ambiental e Águas (EVSAA) apreendeu em junho 443 unidades de cigarros eletrônicos e essências para uso nos dispositivos em uma tabacaria localizada na Cidade Baixa, em Porto Alegre. Agente de fiscalização e chefe da EVSAA, Marcelo Coelho afirma que o município segue recebendo denúncias de comercialização de dispositivos eletrônicos. Coelho explica que a apreensão dessas mercadorias muitas vezes representa um duro golpe aos comerciantes, uma vez que os produtos têm valor elevado. “Algumas denúncias são de venda de cigarros eletrônicos em bares”, afirma.

Coelho ressalta que as ações de fiscalização da Receita Federal têm resultados mais efetivos no combate a contrabando, ao contrário das ações no comércio. E destaca os mais de 593 mil cigarros eletrônicos apreendidos pela Receita Federal até agosto, que dá a dimensão do trabalho de fiscalização nas capitais. “Esses dados são importantes, porque são da fiscalização de fronteira. São produtos de crimes de contrabando”, avalia.

A comercialização desses produtos por meio de sites é outro desafio para os fiscais, uma vez que na maioria das vezes o portal não está localizado no mesmo município. “Em alguns casos, a matrícula e o endereço são falsos”, explica.

Aumento na incidência de diversas doenças

O aumento do consumo de cigarros e dispositivos vape vem levando a intensos debates entre a comunidade médica e científica quanto aos riscos de aumentar os índices de incidência de diversas doenças relacionadas ao hábito de fumar, incluindo vários tipos de câncer, como é o caso do de pulmão, fígado, estômago, pâncreas, rins, ureter, cólon e reto, bexiga, ovários, colo do útero, cavidade nasal e seios paranasais, cavidade oral, faringe, laringe, esôfago e leucemia mieloide aguda, segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca). Entre os mais jovens, o cigarro eletrônico tem sido sensação. Justamente por vir “disfarçado”, jovens têm preferido os dispositivos e acreditam que são menos danosos à saúde. Diferente da versão convencional, os sabores e aromas agradáveis acabam mascarando e tornando os riscos invisíveis para o grupo.

De acordo com uma pesquisa desenvolvida pelo Inca, o cigarro eletrônico aumenta mais de três vezes o risco de experimentação do cigarro convencional e mais de quatro vezes o risco de uso do cigarro. Além disso, o levantamento reforça ainda que o cigarro eletrônico eleva as chances de iniciar o uso do cigarro tradicional para aqueles que nunca fumaram. “Há cerca de 30 anos, o cigarro convencional era visto como sinônimo de status e isso não tem sido diferente para o cigarro eletrônico, principalmente entre os mais jovens. Apesar de, na última década, o Brasil ter diminuído 40% o número de fumantes, não devemos fechar os olhos para um problema que, mesmo tendo um outro formato, faz parte da narrativa atual”, comenta a Mariana Laloni, oncologista do Grupo Oncoclínicas.

Cresce número de fumantes

O tabagismo continua sendo o maior responsável pelo câncer de pulmão no Brasil e no mundo. Aliás, não apenas deste tipo de tumor. Segundo o Inca, 161.853 mil mortes poderiam ser evitadas anualmente se o tabaco fosse deixado de lado. Apenas tratando-se de casos de câncer, no Brasil, é estimado que, durante o triênio 2020-2022, cerca de 30,2 mil casos da doença sejam descobertos a cada ano. A maioria dos pacientes com câncer de pulmão apresenta sintomas relacionados ao próprio aparelho respiratório. “Os sinais de alerta são tosse, falta de ar e dor no peito. Outros sintomas inespecíficos também podem surgir, entre eles, perda de peso e fraqueza. Em poucos casos, cerca de 15%, o tumor é diagnosticado por acaso, quando o paciente realiza exames por outros motivos. Por isso, a atenção aos primeiros sintomas é essencial, para que seja realizado o diagnóstico precoce da doença, o que contribui amplamente para o sucesso do tratamento”, diz a oncologista Mariana Lanoli.

Aproximadamente, 10% da população brasileira acima de 18 anos é tabagista. E, apesar dos avanços, o vício afeta mais de 20 milhões de pessoas no país. “Quando falamos do cigarro eletrônico, o Ibope Inteligência aponta que o problema dobrou em apenas um ano, passando de 0,3% para 0,6% da população no Brasil”, explica a médica. Dentro desse cenário, especialistas estimam que cerca de 600 mil pessoas fazem uso do dispositivo. Apesar de proibidos desde 2009 pela Resolução 46 da de Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os cigarros eletrônicos atraem cada vez mais usuários. 

Dados do INCA mostram que o Brasil gasta anualmente R$ 125 bilhões para tratar as doenças e incapacitações provocadas pelo tabagismo. Já o quarto relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2021, sobre tendências globais do tabaco, revela que há mais de 1,3 bilhão de usuários de tabaco no mundo. Estima-se que 80% deles vivem em países de baixa e média rendas, nos quais a carga das doenças e mortes em decorrência de tabaco é mais presente. Análises da OMS em 2010 apontavam que os fumantes, na época, consumiam cerca de 6 trilhões de cigarros todos os anos.

Melhoras imediatas ao parar de fumar

O aditivo de aromatizantes, como mentol, chocolate, chiclete, entre outros, é usado para atrair um maior público. Quanto à fumaça liberada pelos vapes, é possível encontrar elementos que vão além da nicotina, como chumbo, propileno glicol, glicerol, acetona, sódio, alumínio, ferro, entre outros. Além das substâncias presentes no dispositivo serem mais viciantes, algumas pesquisas sobre o tema apontam que o cigarro eletrônico, assim como o convencional, pode afetar não só o sistema respiratório, como também desregular alguns genes do organismo. “Os vapes ou e-cigarretes passaram a ser mais socialmente aceitos em diversos ambientes, além de serem mais atrativos devido a sua tecnologia. Mas podem fazer tão mal quanto o cigarro tradicional, há uma imagem distorcida. Eles possuem várias substâncias tóxicas que, quando combinadas, acabam mascarando os efeitos prejudiciais à saúde. Contudo, é importante lembrar que elas existem e podem causar enfisema pulmonar, doenças respiratórias e até mesmo câncer”, reforça Mariana Laloni.

Um estudo realizado por um professor Ahmad Besaratinia, da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, mostrou desregulação de genes mitocondriais e chegou a interromper vias moleculares que fazem parte da imunidade e resposta inflamatória. Ou seja, os elementos que compõem os dispositivos podem futuramente desencadear doenças autoimunes e atrapalhar na recuperação de outros distúrbios do corpo.

“Na tentativa de deixar o tabagismo, é preocupante que muitos usuários ainda usem os cigarros eletrônicos. Essa apelação pode torná-los usuários duplos e fazer com que o vício ocorra em ambas as frentes”, explica Mariana. A iniciação do uso do cigarro convencional, a partir do uso do cigarro eletrônico, pode ser explicada pelo fato de que cigarros eletrônicos contendo nicotina podem levar à dependência dessa substância e à procura por outros produtos de tabaco, aponta Liz Almeida, coordenadora de Prevenção e Vigilância do Inca.

Por isso, é preciso ter muita força de vontade e saber pedir e aceitar ajuda. O fumante precisa transformar seus hábitos e estilo de vida. As melhorias ao parar de fumar são rápidas e vão em um crescente conforme o tempo passa. Um exemplo disso é que após 20 minutos sem consumir cigarros, a pressão sanguínea e as batidas cardíacas voltam ao normal. Depois de 8 horas, a quantidade de monóxido de carbono no sangue diminui quase pela metade, normalizando a oxigenação das células. Um dia depois, o monóxido de carbono é eliminado do corpo e os pulmões também começam a eliminar o muco e os resíduos da fumaça. Em dois dias, não há mais nicotina no organismo. Com isso, o gosto e o olfato começam a melhorar. 

De duas a 12 semanas depois, a circulação venosa (responsável pelo retorno do sangue dos tecidos para o coração) melhora e de três a nove meses depois, os problemas respiratórios e as tosse acalmam, a voz se torna mais clara e a capacidade respiratória aumenta em 10%. De duas a 12 semanas sem cigarro, há a melhora da função pulmonar e da circulação, entre 1 e 9 meses a tosse e falta de ar diminuem e em 10 anos a mortalidade por câncer de pulmão chega a ser a metade da de um fumante. Para a oncologista Mariana Lanoni, parar de fumar é a forma mais eficaz de prevenir o câncer de pulmão e diversos outros tumores, além de doenças cardíacas, doença pulmonar obstrutiva crônica, pneumonia, AVC (acidente vascular cerebral) e complicações severas decorrentes da contaminação pela Covid-19. “Deixar o hábito de lado é dar uma segunda chance aos pulmões. Lá na frente, as pessoas que abandonaram esse vício irão se deparar com diversos benefícios ao organismo, como um menor risco de desenvolver vários tipos de cânceres e ainda a recuperação de sequelas adquiridas pelo tabagismo”, finaliza Mariana Laloni.

21 dicas para tentar vencer o hábito

Algumas atividades diminuem a sensação de ansiedade e a própria fissura física que vem com o consumo de cigarro e dispositivos eletrônicos.

  • Ao acordar se comprometa a não fumar.
  • Anote os três maiores motivos para deixar de fumar.
  • Anote os cigarros mais difíceis de cessar e elabore uma mudança comportamental para superá-los.
  • Anote três hábitos ou gatilhos que aumentam o seu risco de fumar.
  • Faça uma pequena caminhada.
  • Beba água nos momentos de fissura.
  • Inicie ou aumente as atividades físicas.
  • Converse com um amigo.
  • Leia um texto curto.
  • Acesse um vídeo relaxante.
  • Masque uma goma ou chupe uma bala com pouco açúcar.
  • Inspire lenta e profundamente pelo nariz e expire lentamente pela boca.
  • Repita mentalmente por várias vezes – eu não me permito fumar!
  • Modifique ou evite uma rotina que aumentava o risco de fumar.
  • Evite uma situação (gatilho) que aumenta o risco de fumar.
  • Evite um hábito que aumenta o risco de fumar.
  • Anote os benefícios alcançados após alguns dias sem fumar.
  • Limpe seu carro para retirar o odor do tabaco.
  • Evite locais com fumantes.
  • Comprometa-se a abrir mão de algo que gosta muito caso volte a fumar.
  • Procure auxílio médico para apoio no processo de cessar o tabagismo.
Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895