Clubes sociais passam por dificuldades, agravadas pela pandemia

Clubes sociais passam por dificuldades, agravadas pela pandemia

A Covid-19 trouxe enormes adversidades a esses espaços nos quais uma das principais atividades é o convívio social. Ainda assim, ela não foi a responsável pelo fechamento de nenhuma estrutura em Porto Alegre

Por
André Malinoski

A era dourada dos clubes sociais de Porto Alegre pertence ao passado. Houve um tempo em que bailes com decoração exuberante, banquetes com todos tipos de quitutes e bebidas importadas, concorridas festas de debutantes, escolha de rainhas, princesas e demais integrantes da corte real, além de muita folia no Carnaval, varavam madrugadas adentro em salões apinhados de gente em busca de diversão. Alguns ainda resistem com dificuldades. Outros tantos, muitos deles tradicionais, se mantêm fortes, sem passar por grandes percalços.

Em vários, o perfil mudou. E o pior, alguns locais fecharam as portas e ficaram apenas nas lembranças de outros tempos. A pandemia da Covid-19 oficialmente não fechou nenhum clube na Capital, mas funcionou como o empurrãozinho que faltava para o apagar das luzes de ao menos um deles, o Teresópolis Tênis Clube. Outras estruturas também passam por dificuldades e tentam se reinventar.

Tradicional espaço da Capital, TTC encerra suas atividades

Verdadeira lenda entre os clubes da cidade, o Teresópolis Tênis Clube (TTC) fechou. As festas de Carnaval, além de serem bastante conhecidas, faziam os corações dos jovens tamborilarem após o primeiro beijo. Muitos constituíram famílias com parceiros conhecidos justamente em seus badalados salões. E a escolha da rainha das piscinas levava garotas em um piscar de olhos do anonimato para as páginas dos jornais e os programas de televisão.

Atualmente, o clube das cores verde e branca parece um cenário pós-catástrofe. Na entrada, situada na avenida Engenheiro Ludolfo Boehl, número 388, a vegetação cresceu, há muita sujeira e vestígios da passagem recente de alguém que dormiu e consumiu alimentos por ali. A porta da frente do lado esquerdo está sem tranca e algumas janelas possuem os vidros quebrados.

Pior cenário pode ser visto na parte interna. Quatro sócios jogavam tênis em uma das quadras do TTC na última semana de 2021. “A pandemia contribuiu muito para o fechamento, mas o clube já vinha definhando”, reflete o aposentado Antonio Carlos, 60 anos, um dos jogadores. Os quatro pagam a mensalidade para poderem praticar o esporte e ajudarem na manutenção dos três seguranças que se revezam 24 horas por dia para vigiar o clube, que tem 17 mil metros quadrados e uma dívida na casa dos R$ 5 milhões. Se antes dos dias incertos era preciso mostrar a carteira de sócio para ingressar e curtir as opções de lazer, agora é difícil controlar a entrada. “Os usuários de crack entravam aqui e furtavam o que conseguiam. Agora há seguranças”, relata.

Caminhando pelo clube, percebe-se que os efeitos dos meses sem atividades foram avassaladores. Na parte onde ficam as piscinas adulta e infantil, ambas com água de cor verde e lixo no fundo, os brinquedos de concreto que ornamentam o entorno estão abandonados. Um relógio digital não funciona e as tantas palmeiras que antes proporcionavam sombra para os banhistas, agora cresceram além da conta. Os vestiários têm fios soltos, enquanto os armários, muitos ainda com chaves penduradas e portas entreabertas, abrigam restos de pacotes de café e latas de cervejas vazias. Algumas rolaram para o chão e lá ficaram. Por uma porta de vidro, também com partes quebradas, vê-se um troféu empoeirado.

A vegetação cresceu em muitas áreas. Também há partes de concreto danificadas, especialmente perto de uma quadra de parquê coberta, onde certamente muitos gols foram marcados em outros tempos. Mesas, cadeiras, bancos e diversos utensílios atravancam o caminho. Onde ficava a secretaria, há dois telefones fixos empoeirados, cartazes velhos e outros troféus antes brilhantes e vistosos. “Nenhum sócio vem para cá fora os tenistas”, relata o segurança Bruno Luís do Canto, sentado em um banco enquanto lamenta a situação de abandono de um clube outrora tão imponente. Responsável pela segurança no turno da manhã, Bruno conta que, no início, logo que o clube fechou, “entrava todo tipo de gente aqui para pegar coisas.” Os invasores levavam o que podiam.

Na sala verde, era possível ver vários pneus usados para a prática esportiva espalhados e amontoados. A descrição poderia seguir nessa linha. Sem luz, água ou limpeza, o clube é um retrato da degradação. “Roubaram aqui três vezes. Nessas, chamaram a polícia. Fora as outras”, diz o funcionário público Edemar Fish, 58 anos, um dos que joga tênis com os colegas. O som retumbante dos antigos bailes foi substituído pelo quicar da bolinha no piso. Nos demais dias, o resto é silêncio.

Mudanças geracionais

O presidente do Sindicato dos Clubes Sociais e Recreativos do Rio Grande do Sul (Sindiclubes), Francisco Vogth, analisa a situação enfrentada por vários clubes de Porto Alegre. Muitos precisaram fazer malabarismos para não irem precipício abaixo. “Definitivamente, a pandemia não fechou nenhum clube. Ficaram fechados naquele período obrigatório, mantendo serviços de portaria e zeladoria, mas sem atividades. Muitos ofereceram facilidades para os associados e reduziram o valor das mensalidades, e mantiveram suas responsabilidades. Os clubes sobreviveram e, desde outubro de 2021, a coisa começou a normalizar.”

Conforme o dirigente, o novo coronavírus acelerou o processo dos que já estavam prestes a fechar. As questões geracionais também contribuíram. “Mudou toda uma geração. Os valores, ao longo dos anos, foram sendo modificados. Tínhamos até boates nos clubes, porém, essas coisas foram morrendo. Outros grandes eventos eram os bailes de debutantes. Foi algo que também enfraqueceu muito”, acrescenta. Criatividade e determinação foram importantes para a travessia durante os dias de reclusão. “O Lindóia Tênis Clube conseguiu superar o período da pandemia, saiu quase ileso graças ao apoio dos associados e à redução dos gastos promovida pela administração e está em pleno funcionamento”, cita Francisco Vogth, que é atualmente conselheiro do clube.

Aproximação com os sócios

No auge das transmissões do vírus, o Lindóia Tênis Clube, que conta com 1,6 mil associados pagantes, fechou. Porém, depois atuou de forma escalonada com os funcionários e com agendamento dos associados para a prática das diversas atividades, respeitando os decretos vigentes.

As piscinas estão liberadas e dezenas de sócios aproveitam os banhos diariamente. As ações positivas para superar o período maior da pandemia passaram pelo tratamento dispensado ao associado. “O segredo foi a percepção do sócio de que ele é peça fundamental para manter o nosso clube saudável. Houve uma comunicação estreita e transparente sobre a situação do clube com todos, alertando sobre a necessidade de se manter as mensalidades em dia para manutenção da equipe de funcionários e despesas básicas. Propomos antecipação de parcelas para aqueles que tinham condições de contribuir e desconto de acordo com a perda de ganhos de alguns”, enumera o presidente do LTC, João Alberto Monteiro da Silva. O clube mostrou ainda comprometimento com seu público. “Para os sócios que solicitaram cancelamento por perda de emprego ou queda drástica em seu faturamento, nós não aceitamos o cancelamento da matrícula. Aguardamos a retomada do emprego e renda, para, conforme seus recursos atuais, propormos a forma de pagamento das mensalidades que ficaram para trás”, completa o dirigente. Em relação aos fornecedores do clube, foram renegociados prazos e valores. Dessa maneira, o pior cenário foi ficando para trás.

Bailes garantem o funcionamento da Sociedade Gondoleiros

Localizada no Quarto Distrito, a Sociedade Gondoleiros é um exemplo de resiliência. A escultura no topo do prédio da antiga sede do clube de cores azul e branca, aquela curiosa gôndola com três gondoleiros, situada na rua Moura Azevedo esquina com a avenida Presidente Franklin Roosevelt, chegou a aparecer em cena do filme “O Homem que Copiava”, de 2003. Fundado em 5 de março de 1915, o clube, localizado na rua Santos Dumont, 1147, era uma das maiores referências nos bailes carnavalescos da cidade. “Sou gondoleiro da gema e amo o clube”, abre o coração o presidente Antônio Almeida, o Toninho. Atualmente, o Gondoleiros possui entre 2,5 mil a 3 mil sócios, mas ninguém paga mensalidade. O motivo é que todos são remidos com direitos adquiridos. Para sobreviver em meio à pandemia, foi preciso muito jogo de cintura. “Fui negociando com os funcionários e paguei luz, telefone, água e outros impostos de forma parcelada. Até o seguro do clube, que é algo importante, necessitei negociar”, relembra o mandatário, que frequenta o local e mora a poucos metros da sede. O dinheiro para manter o clube ativo vem dos bailes e de uma quadra de futebol terceirizada, localizada na entrada da avenida São Paulo.

Porém, as piscinas, que eram marca registrada, permanecem inativas. Nos anos 80, ficavam lotadas de banhistas. “Temos piscinas muito boas, mas há dez anos estão fechadas. O custo é muito alto e para este verão não tem como. Temos dificuldades para manter a luz e o telefone”, lamenta Toninho.

Após praticamente dois anos parado, o clube reiniciou, no dia 16 de outubro, os bailes aos sábados, sempre das 22h às 4h. Os protocolos de medidas para evitar a transmissão da Covid em suas dependências são mantidos. “As danças acontecem de máscara e as pessoas só tiram nas mesas, para comerem e beberem. Cabem 1,5 mil convidados no salão, mas colocamos apenas 400, contando funcionários, músicos e seguranças”, explica, salientando que teve um bonito baile no sábado anterior ao Natal. O Réveillon não ocorreu pelo segundo ano consecutivo, mas houve um baile normal no dia 1º de janeiro, das 22h às 4h. “Tenho raça e sei que as coisas vão melhorar”, diz, efusivo, o mandatário. Seria o resgate de algo representativo na memória coletiva da cidade.

Na secretaria, há expediente das segundas às sextas-feiras, das 14h às 19h. Aos sábados, a secretaria abre às 17h, para atender aos convidados que fizeram reservas para os bailes. Há alguns anos, a sede campestre do Gondoleiros em Gravataí foi vendida. Com a revitalização do Quarto Distrito, o interesse pelo clube volta a surgir. Em uma festa recente, o cantor Rodriguinho (ex-vocalista do grupo de pagode Os Travessos) foi uma das atrações. O gênero musical, conforme descreve Toninho, atrai muitos jovens ao clube.

Mas quem vivenciou a antiga realidade, não esquece. “O Gondoleiros era um dos melhores clubes há uns 40 anos. O Carnaval, os bailes e as festas infantis eram excelentes. A piscina grande era muito funda. Era o único defeito. Tenho apenas recordações boas. Hoje não sei mais como é que está, pois nunca mais fui”, relata o profissional de uma empresa instaladora de aparelhos de ar-condicionado João Paulo dos Santos, 65 anos, que frequentava o local com sua esposa Nara, 61. Enquanto não volta o período de bonança, restam as memórias e as músicas das marchinhas carnavalescas que retumbavam de seus salões.

Superação foi a marca para clubes tradicionais em tempo de Covid-19

Se por um lado muitos clubes sociais enfrentam dificuldades para manterem as portas abertas nesse período, outros possuem uma situação mais confortável.

GRÊMIO NÁUTICO UNIÃO (GNU)

O Grêmio Náutico União (GNU) é um exemplo que se enquadra neste perfil. A abertura da temporada das piscinas do clube aconteceu em 30 de outubro de 2021 e basta caminhar por alguma das sedes do clube para testemunhar a quantidade de público, especialmente nas tardes mais quentes. Também há gente caminhando, correndo ou jogando tênis em dias de semana e aos sábados e domingos. A carta de associados, formada por cerca de 21 mil pessoas, entre titulares e pagantes, é um dos fatores de sucesso para que as portas possam seguir abertas depois de o GNU ficar fechado três vezes desde 18 de março de 2020 em função da pandemia de Covid-19.

SOCIEDADE DE GINÁSTICA PORTO ALEGRE (SOGIPA)

Situação semelhante vive a Sociedade de Ginástica Porto Alegre (Sogipa), que também aparece entre os destaques quando o assunto é crescer nas dificuldades. Ao contrário de outros clubes, a Sogipa não fecha a área das piscinas. Até no inverno, os associados podem aproveitar o espaço. A temporada foi aberta em 15 de novembro de 2021, quando um grupo maior de colaboradores foi deslocado para manter a área das piscinas limpa e organizada. Acerca das estratégias de enfrentamento em tempos de coronavírus, o clube informou que, quando houve as restrições à presença dos associados na própria sede, foram desenvolvidas estratégias de comunicação para manter o vínculo com as pessoas (vídeos, textos, redes sociais, entre outras). Além disso, o clube inaugurou uma série de serviços on-line, como aulas pelo YouTube, eventos a distância e programas especiais, como o Sogipa Solidária, que incentivou os sócios a consumirem produtos e serviços de outros associados, em uma espécie de cadeia solidária. Quando as restrições diminuíram, o clube priorizou a segurança e a comunicação para orientar os associados quanto ao uso correto das instalações. Por três vezes desde o início da pandemia, a Sogipa precisou ficar fechada para o público. Ao total, foram 123 dias dessa forma.

CLUBE CAIXEIROS VIAJANTES

O Clube Caixeiros Viajantes, no bairro Rio Branco, inaugurou a temporada de verão no dia 30 de outubro. Os associados podem desde então aproveitar as piscinas externas adulta e infantil.

CLUBE INDEPENDENTE

Localizado na avenida Protásio Alves, 809, o Clube Independente, está com as piscinas abertas desde 20 de novembro.

GRÊMIO NÁUTICO GAÚCHO

No bairro Menino Deus, o Grêmio Náutico Gaúcho, que conta com 3.369 mil associados, suspendeu suas atividades pela primeira vez no dia 18 de março de 2020, em razão da pandemia. As piscinas foram liberadas em setembro de 2021 para o público.

O GNG informou que, durante os meses que permaneceu fechado, o diferencial foi estar presente na rotina dos associados por meio do esporte, de aulas on-line e de eventos sociais remotos. Além disso, o clube procurou minimizar os impactos financeiros por meio de descontos oferecidos ao corpo associativo. “Através do inevitável avanço da pandemia da Covid-19, foram necessárias algumas atitudes imediatas que impossibilitaram temporariamente o funcionamento das nossas atividades, mas que visaram, acima de tudo, a preservação da vida. Gradualmente, os serviços foram sendo restabelecidos, respeitando os decretos municipais vigentes”, ressalta o vice-presidente administrativo e de marketing do GNG, José Erni Severgnini de Souza. Segundo ele, os associados conseguiram retomar as suas atividades esportivas e de lazer, importantes para a preservação da saúde. “Foram meses desafiadores, mas trabalhamos arduamente para proporcionar o melhor possível aos nossos associados que são a nossa maior razão”, conclui.

ASSOCIAÇÃO LEOPOLDINA JUVENIL

A Associação Leopoldina Juvenil, que também está com suas piscinas sendo frequentadas rotineiramente, é outra representante dos clubes que passaram pelo funil das incertezas, mas saíram do outro lado para contar a história de superação.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895