Cobertor do seguro ainda é curto

Cobertor do seguro ainda é curto

Verba para subvenção ao seguro rural no Plano Safra 2021/2022 não acompanhou a alta dos custos de produção, o que gera uma necessidade de suplementação reconhecida pelo próprio Ministério da Agricultura

Soja sob estiagem

Por
Nereida Vergara

A propriedade rural produtiva é uma empresa a céu aberto, sujeita principalmente aos caprichos do clima, capazes de alternar anos de plenitude com outros de frustração. Um dos exemplos mais recentes dessas variáveis ocorreu com as safras da soja no Rio Grande do Sul. A do ciclo 2020/2021 foi ótima – chegando a 20,7 milhões de toneladas, segundo a Conab –, enquanto a anterior foi uma decepção. No ciclo 2019/2020, 40% da colheita esperada foi subtraída pela estiagem. O volume final ficou em 11,4 milhões de toneladas diante de uma expectativa de 18,5 milhões de toneladas.

Para enfrentar a imprevisibilidade da atividade, a alternativa do agricultor está na contratação do seguro rural, área para a qual o governo federal tem dado bastante atenção nos últimos anos, mas que ainda acumula controvérsias em torno de temas como volume de recursos, regras de adesão e coberturas. Entre janeiro e junho de 2021, o valor de sinistros cobertos pelo seguro rural totalizou R$ 1,7 bilhão, de acordo com os dados da Superintendência de Seguros Privados (Susep). No acumulado dos últimos 10 anos, em valores atualizados, o total indenizado pelas seguradoras foi de R$ 15,2 bilhões.

O Plano Safra 2021/2022, lançado no dia 22 de junho, destina R$ 1 bilhão para a subvenção do seguro rural em todo o país, quantia que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) estima como suficiente para a contratação de 158,5 mil apólices, que cobrirão 10,7 milhões de hectares e representarão um montante segurado de R$ 55,4 bilhões. O valor se assemelha ao disponibilizado nos últimos dois Planos Safras e é considerado pela própria ministra da Agricultura, Tereza Cristina, como insuficiente. De acordo com fontes do Mapa, nos próximos meses deve ser encaminhado ao Congresso Nacional um pedido de suplementação de R$ 320 milhões para o Programa de Seguro Rural (PSR), o que tornaria o valor equivalente ao oferecido na safra 2020/2021.

O economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, faz um cálculo simples para demonstrar o quanto o valor destinado ao seguro no Plano Safra 2021/2022 se parece com um cobertor curto. Ele afirma que basta considerar os custos de produção da safra passada com aqueles que o produtor terá de enfrentar no plantio da próxima safra de verão – 40% mais caros – para chegar à conclusão de que a conta não está fechando.

“O produtor faz seguro de seu custo e, se gasta mais, obviamente precisa proteger uma quantia maior, o que torna os recursos disponíveis para a subvenção neste Plano Safra escassos, já que não acompanham a alta dos custos”, raciocina. Da Luz diz que o setor agropecuário brasileiro considerava ideal para o ciclo atual o valor de R$ 1,6 bilhão para o PSR, mas que R$ 1,3 bilhão pode ser satisfatório se foram obtidos os R$ 320 milhões a mais que estão sendo pleiteados pela ministra.

Em 2020, quando o total disponibilizado para o PSR no Plano Safra foi de R$ 1,3 bilhão, a área de lavouras brasileiras cobertas pelo seguro oficial chegou a 13,7 milhões de hectares, representando cerca de 20% de toda a área plantada no país, de cerca de 68 milhões de hectares. Se comparado aos Estados Unidos, onde pelo menos 85% dos plantios são cobertos por seguro agrícola, o Brasil ainda tem muito que caminhar.

Uma das principais cooperativas agrícolas do Rio Grande do Sul, a Cotrijal, tem um departamento específico para assessorar seus associados que tenham interesse em saber da adequação e melhor escolha para a contratação do seguro. Segundo o analista de seguros da cooperativa, Tiago Mendes, a orientação tem apresentado resultados altamente positivos. “Na safra 2020/2021, quando a área financiada pela Cotrijal atingiu 181 mil hectares, chegamos a uma cobertura com seguro de 151 mil hectares, cerca de 83% do total”, informa Mendes.

Felipe do Carmo Bonilha, proprietário da Fortalece Corretora de Seguros, de Rio Grande, observa uma alta na procura pelo seguro agrícola nos últimos dois anos no Estado. O comportamento se justifica em razão de que o Rio Grande do Sul sofreu sua primeira estiagem, depois de quase sete anos sem evento semelhante, na safra 2019/2020, com perdas de vulto nas produções de soja e milho. Bonilha ressalta que o produtor está mais atento à necessidade de se precaver e tem optado por colocar sua lavoura no seguro, para conseguir pagar as operações de custeio em caso de intempérie, e evitado cair na armadilha do endividamento.

Incentivo à prevenção

Cooperativa oferece assessoria e financia pagamento do prêmio para motivar seus associados a se protegerem de eventuais prejuízos causados por intempéries

Na Zona Sul, produtor que migrou para o soja é o que mais procura o seguro porque a região é mais sujeita a períodos sem chuva e há limitações para a irrigação / Luis Magnante / Divulgação / CP

Na safra 2020/2021, a Cotrijal, cooperativa de Não-Me-Toque com associados em mais de 30 municípios da Região do Planalto do Rio Grande do Sul, viu crescer o interesse dos produtores associados pelo seguro rural. Com um departamento específico para tratar do assunto, a cooperativa facilita o acesso do produtor ao benefício e atua como agente financiador do pagamento do prêmio.

Tiago Mendes, analista da Cotrijal Seguros, conta que no ato de contratação dos financiamentos de custeio o produtor já é orientado a fazer sua apólice. “Temos um sistema que simula o seguro de acordo com aquilo que o produtor deseja, conforme as propostas de três corretoras parceiras”, explica. A cooperativa faz a quitação antecipada da apólice para o produtor que quiser pagar os valores no encerramento da colheita.

“Somente na safra passada fechamos 2,2 mil apólices referentes ao plantio da soja” enumera Mendes, confirmando que a cultura, pela área cada vez mais extensa que ocupa, tem sido a que mais procura o seguro rural. O analista calcula que a média de custo das apólices por hectare fica em 3,3 sacos do grão. E constata, entretanto, que não são poucos os produtores que se equivocam, não contratam o seguro e acabam tendo de lidar com as perdas. “No ano passado, quando se confirmou o fenômeno La Niña, um número significativo de produtores nos procurou em meados de novembro para fazer o seguro e não conseguiu porque não havia mais recursos do Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro e as corretoras já tinham encerrado as operações para o segmento”, recorda.

A Cotrijal tem orientado o agricultor a segurar sua lavoura no tempo adequado. “É fato que (os cultivos cobertos por seguro) tem aumentado, até porque um produtor comenta com o outro sobre as vantagens e desperta a curiosidade de quem ainda não fez”, afirma Mendes.

O proprietário da Fortalece Corretora de Seguros, de Rio Grande, Felipe do Carmo Bonilha, garante que as empresas do setor vêm se atualizando constantemente para atender as necessidades dos produtores. Instalado no Sul do Estado, onde predomina o cultivo do arroz, Bonilha observa que o produtor que migrou para a soja é o que mais procura se prevenir, em razão das condições climáticas da área, sujeita a períodos sem chuva e com dificuldades para promover a irrigação, pois a lei não permite a reserva de água. “Nós damos aqui a assistência que o produtor precisa para fazer sua escolha, inclusive com a introdução do seguro paramétrico, que permite a cobertura por período curto, por exemplo, quando um cultivo fica sujeito a um evento climático específico, como as geadas”, ressalta.

Matheus Fara, produtor de soja em Bagé, está na atividade há 12 anos. Para ele, o produtor deve se conscientizar de que, sem seguro, o risco de endividamento é muito grande, principalmente na Metade Sul, onde tem sido difícil obter licença para irrigar. Na safra 2019/2020, Fara perdeu a metade da produção de uma lavoura com 1 mil hectares de soja. “Não fosse o seguro, seria impossível honrar os compromissos”, reconhece.

O agricultor, que planta com recursos próprios, reclama da cobertura de apenas 22 sacos de soja por hectare na região, considerada de elevado risco, e entende que ela deveria ser elevada para pelo menos 30 sacos por hectare. No momento, o produtor faz o cálculo do custeio para o plantio da safra 2021/2022, que deverá ficar nos mesmos 1 mil hectares da safra de 2019/2020, frustrada, e de 2020/2021, considera por ele como “excelente”, com o rendimento de 60 sacos por hectare.

O que é preciso saber sobre o seguro rural

- O seguro rural foi instituído em 1988, no artigo 187, inciso V, da Constituição Federal, como instrumento para planejamento e execução da Política Agrícola. O Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) foi criado em 2007.

- Oito modalidades estão contempladas neste tipo de seguro: agrícola, pecuário, aquícola, benfeitorias e produtos agropecuários, penhor rural, florestas, seguro de vida do produtor devedor de crédito rural e seguro da Cédula de Produtor Rural (CPR).

- Proagro e seguro rural são instrumentos diferentes. O primeiro é uma política de natureza pública, que se refere à exoneração de obrigações financeiras do produtor. O segundo, um seguro de natureza privada que tem por objetivo indenizar prejuízos previstos na apólice.

- O cálculo para o seguro rural, com coberturas de 20% a 40%, varia de acordo com o ramo e a ocorrência de eventos meteorológicos. São critérios: localização da plantação; tipo de cultura; Zoneamento Agrícola de Risco Climático; produtividade estimada; condições de manejo da lavoura e limites de importâncias seguradas agregadas (região, cultura e estado).

- A vigência do seguro é de um ano a partir da data de contratação.

Fonte: Guia dos Seguros Rurais, publicação do Governo Federal

Ministério testa alternativa ao Proagro

Projeto de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural para a agricultura familiar cobre lavouras de milho primeira safra que forem destruídas por granizo / Foto: Noli da Costa / Especial / CP Memória

Em sua segunda edição, ainda pode ser contratado pelo agricultor familiar o seguro pelo Projeto-Piloto de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) destinado às operações de crédito de custeio enquadradas no Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O projeto garante subsídios para o seguro das culturas do milho primeira safra, soja, banana, maçã e uva. Os recursos disponíveis para o ano-safra 2021/2022 somam R$ 50 milhões, sendo R$ 25 milhões para a soja, R$ 20 milhões para o milho primeira safra e R$ 5 milhões para as frutas. Na primeira edição, na safra 2020/2021, a modalidade contou com R$ 45 milhões e somou 10 mil apólices contratadas, o equivalente a uma área segurada de 282 mil hectares e um valor total de R$ 937 milhões. No primeiro ciclo, a subvenção ao prêmio do seguro era de 50% do valor contratado. No ciclo atual é de 60%.

O assistente de Política Agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag), Kaliton Prestes, afirma que o agricultor familiar tem testado o seguro como alternativa ao Proagro, obrigatório na contratação dos financiamentos de custeio. Esclarece, ainda, que Proagro e seguro são duas coisas diferentes, sendo o primeiro uma política pública, que pode cobrir o financiamento do agricultor, ou o financiamento e a expectativa de renda, se a opção for pelo Proagro Mais. No caso do PSR, a adesão é espontânea até o momento.

“O produtor tem se interessado pelo seguro, que é mais vantajoso do que o Proagro em determinadas culturas, como a de grãos”, observa Prestes. Ele também explica que, no Proagro Mais, o máximo de cobertura que o agricultor pode ter para rentabilidade perdida é de até R$ 22 mil. No seguro, essa quantia pode ser maior. O percentual de custo do Proagro e do PSR voltado ao agricultor familiar varia de acordo com a cultura e a região, estando atrelado aos riscos climáticos.

Para contratar o PSR pelo projeto-piloto, o agricultor deve fazer a solicitação à Fetag, correspondente bancário do Banco do Brasil. “O agricultor pode até procurar uma outra seguradora para fazer a contratação, mas aí não vai ter direito à subvenção de 60%”, explica o vice-presidente da federação, Eugênio Zanetti. Segundo o dirigente, embora haja no governo simpatia pela ideia de substituição do Proagro pelo PSR a longo prazo, a entidade defende que os dois modelos sigam existindo e que o produtor possa escolher o que considerar mais vantajoso.

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) prevê divulgar o levantamento do número de contrações pelo projeto-piloto em 2021 em setembro. Na edição deste ano foram disponibilizados R$ 5 milhões a mais que no ano passado, quando as contratações se concentraram no Paraná (46%), Rio Grande do Sul (34%) e Santa Catarina (13%).

Satisfeitos com a experiência

Em Horizontina, a lavoura de Rogério Eduardo Jurack está coberta por seguro pelo segundo ano consecutivo / Foto: Divulgação / CP

Os agricultores do município de Horizontina, Rogério Eduardo Jurack e Fábio Goehl, testaram no ano passado e repetiram neste ano a contratação do seguro pelo Projeto-Piloto de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR). Jurack, cuja propriedade está localizada no distrito de Secção 19, plantou no ano passado 38 hectares de milho, com a expectativa de colher de 140 a 150 sacos por hectare, mas o resultado foi de apenas 39 sacos por hectare. “Bem na época do pendoamento do milho a seca apertou e ele não formou grão”, recorda. O agricultor conta que o seguro demorou para sair e que houve problemas de vistoria, mas foi pago de forma justa.

“Foi uma experiência positiva, permitiu cobrir todos os custos de financiamento e assegurou parte da rentabilidade”, reconhece, ressaltando que o que prefere mesmo é não ter de acionar a seguradora. “Eu prefiro colher, porque aquilo que o seguro cobre fica sempre abaixo da expectativa da gente”, complementa. Jurack voltou a contratar o PSR para a safra 2021/2022, agora para uma lavoura de 28 hectares. Ele também planta soja safrinha, numa área menor, mas neste caso ainda prefere o Proagro.

Em Lajeado Maria, também em Horizontina, o produtor Fábio Goehl decidiu repetir mais uma vez a contratação do PSR. No ano passado, em uma lavoura de 21 hectares de milho, onde pretendia colher 180 sacos por hectare, colheu 18.

Goehl acionou a seguradora duas vezes. A primeira foi quando precisou arrancar o milho plantado que não germinou. Neste caso não foi atendido porque limpou o terreno antes da vistoria “para não perder mais a cada dia”. A segunda ocorreu quando a lavoura estava muito danificada pela estiagem. “Nesta vez eu recebi o seguro”, diz Goehl.

Na propriedade em que divide o trabalho com a mãe e o irmão, o agricultor faz do milho a cultura principal há 15 anos. Ele diz que contratou novamente o PSR para a safra 2021/2022 porque o cenário de risco à cultura, com a possibilidade de novo fenômeno La Niña, já é motivo de preocupação. “Tem de ter seguro, pois a lavoura do milho é muito cara e o risco é sempre alto”, comenta, estimando o custo de semeadura deste ano entre R$ 4,5 mil a R$ 5 mil por hectare.

Atenção na hora de contratar

Consciência sobre direitos e deveres é o que permite ao produtor tranquilidade no momento de comunicar um sinistro

Ocorrências como granizo no pomar devem ser notificadas à seguradora para vistoria antes da colheita ou descarte dos frutos / Foto: Luiz Chaves / Divulgação / CP Memória

Mesmo sendo uma opção valiosa na prevenção de prejuízos, o seguro rural não é de contratação obrigatória pelos agricultores na tomada de crédito com recursos controlados pelo Governo Federal. Nas operações privadas ou com recursos livres, as instituições financeiras podem exigir o seguro como garantia da operação. O advogado especialista em crédito Frederico Buss adverte que, nas duas situações, é muito importante que o produtor fique atento aos seus direitos. “Um deles é que o contratante pode escolher o seguro que quer entre pelo menos duas propostas, não sendo obrigado a aderir à apólice que o banco lhe apresenta”, destaca.

Segundo Buss, somente estão sob a obrigação de contratar seguro agrícola – do Programa de Garantia de Atividade Agropecuária (Proagro) ou substituto a este, da escolha do produtor – os custeios até R$ 300 mil, financiados com recursos controlados e cujas lavouras atendam as recomendações do Zoneamento Agrícola e Agroclimático (Zarc). É o caso da maioria dos agricultores familiares.

Buss destaca que, para contratar uma apólice de seguro agrícola, com direito à subvenção prevista pelo Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR) no Plano Safra, de 20% e 40% do valor segurado, o produtor não pode estar inscrito no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin). “Ele deve procurar uma seguradora habilitada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e observar, no ato da contratação, as condições gerais da apólice”, aconselha. As informações que merecem mais atenção, diz o advogado, são os riscos cobertos e não cobertos, vigência e carência do seguro, pagamento do prêmio, franquia, obrigações do segurado e comunicação do sinistro.

Na ocorrência do sinistro (qualquer evento em que o bem segurado sofra prejuízo material, decorrente de estiagem, geada, enchente e granizo, entre outros), cabe ao produtor, o mais breve possível, e antes de iniciar a colheita, notificar a seguradora. Também é indispensável que ele leia com atenção o termo de vistoria da seguradora, tendo, de preferência, um laudo agronômico prévio, para o caso de necessitar contestar inconformidades. Se houver divergências, o agricultor não deve assinar a vistoria e é recomendável que exija nova avaliação, de outro profissional.

Frederico Buss alerta ainda que, em caso de inércia da seguradora, se for obrigado a iniciar a colheita antes da vistoria para evitar prejuízos maiores, o produtor pode recorrer à Justiça e apresentar seu laudo agronômico particular como comprovação. O advogado lembra que há casos em que a cobertura deixa de ser paga injustamente. “É bom que agricultor saiba que tem um ano para exigir judicialmente a cobertura do seguro rural”, completa.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895