Colheitas mobilizam até 30 mil trabalhadores temporários no RS

Colheitas mobilizam até 30 mil trabalhadores temporários no RS

O assunto veio à tona após o resgate de mais de 200 pessoas em condições de trabalho análogas à escravidão

Por
Patrícia Feiten

Todo ano, de 25 mil a 30 mil trabalhadores temporários atuam no Rio Grande do Sul em épocas de colheita de diversos cultivos agrícolas, estima a Federação dos Trabalhadores Assalariados e Assalariadas Rurais no Rio Grande do Sul (Fetar-RS). Os chamados safristas são recrutados para trabalho em lavouras de fumo e milho, por exemplo, e principalmente em parreirais e pomares de maçã. Feitas diretamente pelo empregador ou por meio de agentes intermediários, as contratações devem ser formalizadas em todos os casos, alerta a entidade.

O tema dos temporários veio à tona após o resgate de mais de 200 trabalhadores de um alojamento em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Encontrados em condições de trabalho análogas à escravidão na colheita da uva, eles haviam sido contratados por uma empresa que fornecia mão de obra para as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton e afirmaram ter sido extorquidos, ameaçados e agredidos. O presidente da Fetar-RS, Nelson Wild, diz que, embora a maior parte do setor agrícola opere dentro das normas, os relatos de trabalho em condições degradantes se tornaram mais frequentes com o aumento da informalidade na relação com os safristas. “A legislação não é cumprida, e falta fiscalização (em quantidade suficiente) do Ministério do Trabalho”, afirma.

Para Wild, o aumento de casos é decorrente da reforma trabalhista aprovada em 2017, que permitiu às empresas utilizarem trabalhadores terceirizados inclusive para sua atividade-fim – antes, as contratações só podiam ser realizadas diretamente pelo produtor ou empreendimento rural. “Não somos contra a intermediação, mas (defendemos) uma intermediação legal. (Nos casos denunciados pela Fetar-RS), há contratos sem carteira assinada, problemas com transporte, locais de acomodação e jornada excessiva”, diz o presidente da Fetar-RS. 

O coordenador da Comissão de Assuntos Jurídicos da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Nestor Fernando Hein, explica que, mesmo quando terceiriza a contratação de temporários, o empregador rural pode ser responsabilizado em caso de irregularidades, como o não pagamento de salários. Segundo Hein, a entidade orienta os associados para que chequem as cadeias complementares ao seu negócio. “Quem vai empregar trabalho terceirizado tem de saber sobre a reputação da empresa, fiscalizar aquele que tem o vínculo direto, saber se ele cumpre as normas regulamentadoras em relação a tudo o que acontece com esse empregado”, alerta. O assessor jurídico lembra que os conceitos de ESG (sigla em inglês que significa boas práticas ambientais, inclusão social e governança) vêm se impondo cada vez mais ao agronegócio. “Se tu queres estar no jogo, cada vez mais a sustentabilidade estará em foco. E na sustentabilidade está o bem-estar das pessoas”, destaca.

Em nota, a União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra) afirma que trabalha a favor da regulamentação e de fiscalizações que promovam a adoção de melhores práticas no ambiente de trabalho no segmento. “Embora não tenham sido os contratantes dos serviços que criaram o contexto degradante vivido por esses trabalhadores, mas sim a empregadora, existe amplo consentimento de que a cadeia vitivinícola deve ser mais vigilante e austera com relação à contratação de serviços terceirizados”, disse a entidade, referindo-se ao caso ocorrido em Bento Gonçalves. “A Uvibra se coloca também à disposição para participar de um colegiado em conjunto com Ministério do Trabalho, Sindicatos e demais entidades representativas para resolver a escassez de demanda de mão de obra temporária durante a safra de uvas e para garantir que empresas que oferecem este tipo de serviço terceirizado estejam atendendo à legislação em sua plenitude”, destaca o comunicado.

A cada safra, de 7,5 mil a 12 mil safristas são contratados para a colheita da maçã

Uma das culturas que mais contratam mão de obra temporária no Rio Grande do Sul, a maçã mobiliza a cada safra de 7,5 mil a 12 mil trabalhadores, de acordo com estimativas da Associação Gaúcha dos Produtores de Maçã (Agapomi). A grande maioria vem dos estados de São Paulo e do Nordeste, mas a colheita das variedades Gala e Fuji, que ocorre nos primeiros meses do ano, atrai também indígenas do Mato Grosso do Sul e cidadãos do Uruguai e da Argentina, diz o presidente da entidade, José Sozo. A produção é concentrada na região dos Campos de Cima da Serra – o principal produtor é o município de Vacaria, que colheu cerca de 258 mil toneladas da fruta no ano passado.

Segundo Sozo, o recrutamento dos trabalhadores pelas empresas proprietárias dos pomares geralmente é feito in loco, de forma direta, para um período máximo de 60 dias, e o setor segue todas as normas para garantir a segurança jurídica dos contratados. “Não temos contratos terceirizados. Vamos lá na (cidade de) origem para conhecê-lo, ver como ele trabalha, como ele gosta (de trabalhar), a família. É assinada a carteira (de trabalho), é explicado para ele todo o processo que ele vai seguir e quanto tempo vai trabalhar”, afirma. 

Ao chegar ao Rio Grande do Sul, explica Sozo, os safristas ficam hospedados em alojamentos nos próprios pomares, onde recebem alimentação, e passam por treinamento na atividade. A remuneração é estabelecida de acordo com o salário-base negociado com o sindicato de trabalhadores da categoria, de R$ 1.610,40 para uma jornada diária de oito horas. Mas esse valor pode ser acrescido de uma gratificação por desempenho, a critério de cada empregador. Muitos dos safristas retornam para a colheita todos os anos. Em busca de oportunidades no Rio Grande do Sul, afirma Pozo, alguns acabam formando famílias e fixando moradia no Estado. 

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vacaria e Muitos Capões, Sérgio Poletto, explica que a infraestrutura dos alojamentos nos pomares deve obedecer à Norma Regulamentadora (NR) 31 do Ministério do Trabalho e Emprego, que estabelece as regras de saúde e segurança a serem observadas em ambientes de trabalho rurais. Segundo o sindicalista, as empresas donas dos pomares na região são fiscalizadas todo ano pela força-tarefa liderada pelo Ministério Público do Trabalho e não são comuns relatos de irregularidades. “Nesta safra, até agora tivemos (apenas) um problema de trabalhadores que vieram reclamar que não teriam recebido o salário correto no final do mês. Mas foram tomadas providências, e a empresa já acertou (o pagamento)”, diz.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895