Com medo de fracasso

Com medo de fracasso

A 26ª Conferência das Partes (COP-26) começa neste domingo, em Glasgow, na Escócia

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Correio do Povo

Cerca de 25 mil pessoas são esperadas em Glasgow, na Escócia, para a reunião anual da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (CQNUMC), que começa neste domingo. Essa é a 26ª Conferência das Partes (COP) e estão presentes quase 200 países que fazem parte da CQNUMC. No papel de país hóspede, o Reino Unido solicitou aos participantes que proponham objetivos de redução de gases de efeito estufa mais ambiciosos para 2030 para conseguir alcançar a meta de emissão zero até a metade do século. Na segunda-feira, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson disse estar “muito preocupado” e prudente em relação ao sucesso da COP26, mas acrescentou que “é possível chegar” a acordos. Segundo Johnson, esta COP representa “talvez a cúpula mais importante de toda a nossa vida neste país.”

Outros temas importantes nas duas semanas de discussões serão o abandono das energias fósseis, começando pelo carvão, a necessária aceleração da adaptação aos impactos do aquecimento (e o recolhimento de fundos para isso) e as negociações para finalmente concretizar a aplicação do Acordo de Paris, assinado na COP21, em 2015.

Essa rodada de conversas deveria ter ocorrido em 2020, mas foi adiada por causa da pandemia. Ao lado das reuniões principais, que ocorrem até 12 de novembro, haverá uma série de encontros e eventos envolvendo organizações privadas, da sociedade civil e cientistas do mundo inteiro.

O presidente da COP26, o britânico Alok Sharma, afirmou que seria “mais difícil” alcançar um acordo em Glasgow como ocorreu em Paris. Acontece que os compromissos assumidos pelos países na COP21 já não eram suficientes para cumprir a meta de manter a temperatura abaixo de 2 graus e, se as Partes não conseguirem promover um acordo robusto de diminuição de emissões, será impossível evitar a elevação da temperatura e as graves consequências para a humanidade.

Sharma diz que há caminho a percorrer em quatro pontos-chave: a redução das emissões, a adaptação aos efeitos da mudança climática, o financiamento aos países mais pobres e a cooperação internacional. “É de importância crucial que os líderes o façam”, pontua Sharma.

O primeiro-ministro britânico afirma que um acordo precisará que os líderes “façam sacrifícios”. “Todos terão que aceitar fazer algumas coisas difíceis, seja deixar de usar usinas elétricas alimentadas a carvão ou doar dinheiro para ajudar os países em desenvolvimento, ou começar a usar veículos elétricos.” A COP26, porém, começa esvaziada, já que os presidentes chinês, Xi Jinping, e russo, Vladimir Putin, anunciaram que não vão participar.

Mercados de carbono

Muitas questões que estarão na mesa de negociação das Partes, ou seja, dos países que integram a CQNUMC, são pontos que permaneceram em aberto no Acordo de Paris, no qual a maior parte dos países do mundo se comprometeu a tentar limitar o aquecimento global a menos de 2 graus e, de preferência, a menos de 1,5 grau acima dos níveis pré-industriais. O principal ponto sem resolução trata do funcionamento dos mercados de carbono, que são objeto do artigo 6º do Acordo de Paris. Nesses mercados, países que conseguem reduzir as emissões mais do que o esperado poderiam receber créditos e revendê-los aos países que não conseguem cumprir seus compromissos. No entanto, há contestações a esse mecanismo.

Os países em desenvolvimento temem que, com essas trocas, os países ricos acabem evitando reduções substanciais nas suas emissões, já que poderiam comprar créditos daquele que superaram as metas e, assim, continuariam emitindo gases de efeito estufa. Já os países ricos argumentam que os países em desenvolvimento poderiam incorporar as reduções de emissões vendidas como créditos adicionando-as às suas metas internas de redução de emissões, efetivamente contando-as duas vezes.

Além disso, mantendo os antigos créditos acumulados no sistema anterior, o estabelecido pelo Protocolo de Kyoto de 1997, economias emergentes como Brasil e Índia e economias com intensa produção de dióxido de carbono como Austrália e Rússia poderiam alcançar novas metas de redução de emissões sem esforços adicionais. No entanto, isso vai contra o espírito do Acordo de Paris, que visa metas cada vez mais ambiciosas ao longo do tempo.

Esperam-se também dificuldades nas negociações sobre o apoio a ser oferecido aos países mais pobres em seu caminho para um desenvolvimento mais sustentável. O Acordo de Paris reconhece as ameaças representadas pelo aumento de inundações e secas nos países mais vulneráveis e promete assistência técnica e financeira aos países mais pobres, mas ainda não está claro como tudo isso pode ser colocado em prática.

Além disso, um sinal verde aguarda o desembolso de 100 bilhões de dólares por ano em empréstimos para combater o aquecimento global. O valor iria para os países em desenvolvimento darem início a transição ecológica, mas até o momento, os países ricos não cumpriram sua promessa.

Ambições modestas

A estrutura do Acordo de Paris permite que os governos assumam compromissos climáticos diferentes de país para país, de forma que a ação de todos se torne cada vez mais ambiciosa. Mas um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas de 2020 observa que, considerando os compromissos assumidos até agora pelos governos, o clima global ainda registrará um aquecimento catastrófico de 3 graus.
Os cientistas alertam que cada fração de grau adicional provocará uma nova série de desastres. Diante do futuro apocalíptico, a solução é clara: reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 45% até 2030 com o objetivo de limitar o aquecimento a +1,5 °C, a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, e prosseguir neste caminho até alcançar a neutralidade de carbono até 2050.

Justiça climática

Para pressionar os líderes, o Extinction Rebellion e outras organizações devem executar ações durante a COP, na Escócia e em outros países. A jovem militante sueca Greta Thunberg convocou uma manifestação em Glasgow para 5 de novembro, uma marcha pela “justiça climática”.

A questão da justiça é central na conferência mundial sobre o clima. Entre os temas explosivos vinculados à noção de justiça está a solidariedade entre os países do hemisfério Norte, que são majoritariamente os responsáveis históricos pelo aquecimento global, e os países do Sul que são os que mais sofrem os impactos da mudança climática. Há ainda a promessa não cumprida pelos países desenvolvidos de elevar em 2020 a 100 bilhões de dólares anuais a ajuda às nações pobres para que se adaptem às consequências e reduzam as emissões de gases do efeito estufa.

O relatório apresentado pela presidência da COP26 afirma que a meta de 100 bilhões de dólares pode ser alcançada em 2023 e depois superada a cada ano, não acalmou os países mais vulneráveis. “É um golpe terrível para o mundo em desenvolvimento”, denunciou Walton Webson, que preside a Aliança de Pequenos Estados Insulares (Aosis). Para estas ilhas, ameaçadas pelo aumento do nível dos oceanos, ajuda financeira é uma “questão de sobrevivência”, insiste Webson.

Mais ação e menos retórica

“Quero ver planos!”, exclamou o diretor da Agência Internacional de Energia, Fatih Birol, sobre a COP26. O economista está preocupado com a persistência do carvão como fonte energética e com a falta de recursos dos países emergentes. Ele destaca que as usinas de carvão nos Estados Unidos ou Europa já se aproximam do fim de seu ciclo de vida, mas as de países como China e Índia não. “Como fechá-las antes que o investimento seja amortizado? É uma questão chave”.

Birol acredita que é urgente tratar do financiamento das energias limpas aos países emergentes. Aponta que, nos próximos 20 anos, mais de 80% das emissões virão de países emergentes, que recebem menos de 20% dos investimentos em energias limpas. “É urgente que as economias avançadas, particularmente o G20, garantam esse financiamento.”

O diretor da Agência Internacional também enfatiza que os dirigentes devem enviar sinal claro aos investidores: “se investirem nas velhas fontes de energia, perderão dinheiro”.

Compromissos

Em 2015, em Paris, quase 200 países se comprometeram a reduzir emissões de gases de efeito estufa. Seis anos depois, a ONU denuncia que as promessas não atendem à urgência climática, especialmente entre os principais emissores. A primeira série de Contribuições Determinadas Nacionalmente (NDC), ou seja os compromissos que cada signatários assumiu, levava o planeta a um aumento de 3 a 4 graus. Desde então, houve alguns avanços, mas a última avaliação da ONU aponta para um aquecimento “catastrófico” de 2,7 graus. A situação entre os três principais emissores:

China

Gera um quarto das emissões mundiais de gases de efeito estufa. Em 2016, comprometeu-se a reduzir sua intensidade de carbono (emissões de CO2 em relação ao PIB) em 60-65% até 2030 e atingir seu pico de emissões “por volta de 2030”. Com o país a caminho de atingir esse pico antes de 2030, o presidente Xi Jinping surpreendeu a todos em 2020 ao anunciar uma meta de neutralidade de carbono para 2060. Mas a China não apresentou seu NDC revisado e os observadores estão esperando detalhes para avaliar seus compromissos.

Estados Unidos

Segundo maior emissor do mundo, os EUA comprometeram-se, sob a presidência de Barack Obama, a reduzir suas emissões em 2025 entre 26-28% em relação aos níveis de 2005. O presidente Donald Trump retirou os EUA do acordo. Joe Biden voltou em 2021 e reforçou suas metas de queda de 50-52% até 2030. Este objetivo não ultrapassa os 2 graus, mas é insuficiente para o 1,5, segundo o grupo Climate Action Tracker (CAT).

União europeia

Comprometeu-se em 2015 a reduzir emissões em pelo menos 40% até 2030 em relação a 1990 e, em dezembro passado, aumentou para “pelo menos 55%”. Este objetivo está alinhado com os 2 graus, de acordo com o CAT. O Reino Unido, já fora da UE, aumentou sua ambição com um patamar de redução das emissões em “pelo menos 68%” em 2030 face a 1990. Segundo o CAT, objetivo compatível com um mundo a 1,5 grau.

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DESDE 1º DE OUTUBRO 1895