Conexões Brasil-Paraguai no litoral gaúcho

Conexões Brasil-Paraguai no litoral gaúcho

Há décadas, o Balneário Jardim Olívia, se transforma no verão em um pedaço do solo paraguaio junto ao Oceano Atlântico; deste contato, surgem histórias e amizades duradouras

Vizinha dos paraguaios, Paula Thiesen mostra com orgulho os presentes e relata as boas lembranças da convivência de verão em Arroio do Sal

Por
Cristiano Abreu

Os sinais estão em diferentes lugares. Na beira da praia de Arroio do Sal, no litoral Norte do Rio Grande do Sul, o idioma espanhol predomina, mas uma ida simples ao mercado também evidencia, pelas comidas típicas, a presença e a influência da cultura paraguaia em solo gaúcho. Nas prateleiras, em lugar de destaque, pacotes de erva-mate produzidas no país vizinho dividem espaço com as fabricadas no Brasil. O mesmo acontece com farinhas, temperos e outros alimentos que não podem faltar à mesa dos visitantes.

Há décadas o pequeno e belo Balneário Jardim Olívia, durante o verão, é transformado em um pedaço do Paraguai na beira do Oceano Atlântico. E a cada ano surgem boas e novas histórias a partir desta tradição de percorrer a longa distância entre o país de origem e o mar gaúcho.

“É uma tradição de família que começou com meu pai (Adolfo Chirife). Ele tinha negócios em Porto Alegre e passou a vir com a minha mãe (Norma Ayala) para Arroio do Sal nas férias, paixão que passou para mim”, revela o especialista em marketing, Diego Chirife, 34 anos.

A família de Diego percorre aproximadamente 1,3 mil quilômetros entre Assunção, capital do Paraguai, e a praia gaúcha. São pelo menos 13 horas de carro, quando a viagem é realizada sem paradas; do contrário, são 18 horas na estrada. O clima pacato e a brisa litorânea compensam cada segundo do extenso percurso, garante Diego.

Após tantos anos visitando Arroio do Sal, natural o nascimento de amizades além-fronteira. Adolfo e Norma conheceram, no fim da década de 1980, o casal de gaúchos Bruno Antônio e Paula Thiesen. Ainda crianças, o filho dos paraguaios, Diego, e dos brasileiros, Luiz Bruno, ficaram muito próximos.

“Estavam sempre juntos, brincando. Até hoje são inseparáveis, meu filho vai para lá, eles vêm pra cá, ficam aqui em casa, é muito bonito”, celebra Paula.

Luiz Bruno, hoje com 34 anos, reforça a importância da amizade com o amigo. “O Dieguito, como nós o chamamos, é uma pessoa especial, fazemos questão de estarmos junto o quanto podemos”, diz.

O encontro mais recente foi em 20 de março, quando Dieguito casou com a também paraguaia Francesca Domaniczky Lic. E a cerimônia ocorreu em solo brasileiro. “Na Praia do Rosa, em Santa Catarina. Queríamos que fosse no Brasil, na beira do mar, e para que nossos amigos gaúchos pudessem estar presentes, escolhemos o Rosa”, justifica o noivo.

Diego Chirife, paraguaio, mantém contato com brasileiros sempre que possível | Foto: Reprodução

Luiz Bruno também compartilha passagens com outras famílias vizinhas, como a do empresário Antônio Machuca. “Foi um dos primeiros paraguaios que conhecemos na praia. Eu tinha o Pizza, um pônei tubiano que a gente levava para a praia. E eu, criança, tinha uns 6 anos, cobrava para tirar fotos e deixar darem uma voltinha com ele. Eu também colecionava latinhas de cerveja, e eles davam a mim as que traziam do Paraguai, produzidas em diferentes partes do mundo, eram verdadeiras relíquias”, recorda.

E as temporadas em terras brasileiras geraram, além de boas recordações, uma mistura de culturas que vão do idioma à mesa. A família Thiesen é de Nova Santa Rita e ligada à pecuária, o que rendeu bons assados aos amigos estrangeiros em Arroio do Sal.

Diego, que não abre mão de um “tapa de cuadril” paraguaio, como é chamada a picanha no país vizinho, lembra com alegria os churrascos feitos à moda gaúcha durante as estadas no RS. “A carne do Rio Grande do Sul é boa, tem sabor diferente. Eu deixo para trazer outras coisas do nosso país que não encontramos em Arroio”, afirma. E Diego também não abre mão de trazer a erva para o seu tereré, bebida típica guarani, similar ao o chimarrão, só que servida fria.

Paula Thiesen, mãe de Luiz Bruno, revela que gosta da cozinha paraguaia. Além de assados, cita a chipa guazú, uma espécie de torta de milho verde salgada, com origem entre os índios guaranis, e que pode ser servida como acompanhamento, inclusive, do churrasco, ou até como prato principal.

Outro hábito adquirido pelos brasileiros é beber o tereré. E não tem muito que Luiz Bruno, ganhou uma mateira completa, com a guampa, como é chamada a cuia utilizada para a bebida, a bomba e a térmica – tudo nas cores e com o escudo do Grêmio, time do gaúcho. O kit, novinho em folha, é utilizado quase que diariamente pelos Thiesen. “É um presente muito especial, vindo de uma família muito boa, com a qual trocamos muita experiência”, exalta a veranista, celebrando esta amizade que prospera há 30 anos.

A praia dos famosos e das autoridades

O Jardim Olívia é conhecido por ser refúgio de figuras de expressão no Paraguai. Representantes das artes, da política e do esporte frequentavam o pacato balneário gaúcho, sobretudo na década de 1990.

Há pouco mais de 30 anos, o falecido ator, cineasta e professor Lúcio Sandoval fugiu da fama na sua terra natal para pisar as areias gaúchas durante o verão no hemisfério Sul, trazendo familiares e amigos. Se Sandoval não foi um dos pioneiros, certamente contribuiu para popularizar o destino de férias entre os conterrâneos paraguaios, fato é que ainda hoje a prainha é muito procurada pelos estrangeiros.

Arroio do Sal já recebeu outros artistas e colegas das universidades onde Sandoval lecionou teatro. Jogadores de renome que passaram por Grêmio e Internacional também levavam suas famílias para o Jardim Olívia. Os campeões da América pelo Tricolor em 1995, Arce e Rivarola, e o Colorado Gamarra, os três da seleção paraguaia, eram figuras frequentes por lá.

Já tem 25 anos que o jornalista Hermes Leonardo Rubín Godoy leva a família para o Jardim Olívia. Além de comunicador, ele foi candidato a vice-presidente nas eleições do Paraguai em 2018. “Eu vou quase todos os anos a Arroio do Sal. Meu pai, nos anos 1980, comprou uma propriedade. Lembro que íamos com minha mãe e meus irmãos, eu tinha uns 13 anos, não existia a Estrada do Mar (ERS 389), tínhamos que ir por um caminho de terra, não havia eletricidade. Depois a praia cresceu, meu pai comprou outros lotes e uma cabana, onde agora fico com minha esposa, Mariana Franco, e meus quatro filhos”, detalha.

Hermes Leonardo é filho de Humberto León Rubín Schwartzman, jornalista que marcou época no Paraguai. Dono de emissoras de rádio e televisão na década de 1960, Humberto virou um dos ícones da luta pela democracia e liberdade de expressão ao se declarar contrário ao governo do militar Alfredo Stroessner, que comandou o país vizinho entre 1954 e 1989.

Meu pai ainda hoje é referência para todos os jornalistas. Foi uma época muito difícil, na última parte da ditadura de Stroessner, fecharam a rádio, incendiaram o prédio, e meu pai foi preso”, relata.

Além de Humberto, que faleceu em julho de 2022, a mãe de Hermes Leonardo, Gloria Rubín, também atuou no jornalismo. Atualmente é psicóloga e tem destaque no país natal por manter uma fundação que ajuda mulheres vítimas de violência doméstica.

A ligação de Hermes Leonardo com o Brasil é afetiva pelo refúgio paterno no litoral gaúcho, mas também é comercial. Dono de uma produtora audiovisual, ele afirma ser responsável por levar nada menos que o cantor Roberto Carlos ao Paraguai, em 2019.

“Gostamos muito, pois é um lugar tranquilo, nossa casa está quase em frente às dunas. Para nós, que não temos mar no Paraguai, poder ver ou olhar o mar é muito especial”, compartilha.

A família vive em San Bernardino, cidade que fica distante 45 quilômetros da capital Assunção. Para chegar em Arroio do Sal, percorrem 1.350 quilômetros. “Para nós é algo emotivo, inclusive tenho outros amigos paraguaios que se encontram no Jardim Olívia no verão”, completa.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895