Cultivo ainda incipiente, lúpulo tem futuro

Cultivo ainda incipiente, lúpulo tem futuro

Um dos principais ingredientes para fabricação de cerveja, a flor é quase que totalmente importada pelo Brasil, em especial de países como os Estados Unidos e a Alemanha, chegando a atingir o preço de R$300,00 o quilo

Por
Lucas Keske

O lúpulo é um importante ingrediente da cerveja, pois define o aroma e o amargor da bebida que, em algumas situações, leva, além dele, apenas água e cevada. A planta de lúpulo é uma trepadeira que costuma atingir entre quatro e seis metros de comprimento e dela são retiradas as flores que são usadas na cerveja. Por ser originária de partes dos Estados Unidos, Europa e Ásia, imaginava-se que só se poderia atingir uma cultura consistente da flor nessas regiões, mas a produção no Brasil está mostrando que também pode se desenvolver no país. 

Segundo a engenheira de alimentos da Emater/RS-Ascar, Bruna Roldan, o frio e as várias horas de exposição à luz são algumas das principais métricas para o sucesso de produção da flor. Bruna destaca que a exposição à luz é um fator que pode ser complementado e que em plantios que suplementam este aspecto, a planta pode render até duas safras por ano. Sua plantação é parte de uma indústria consolidada em países como Estados Unidos e Alemanha que exportam o recurso para a maioria dos países do mundo, inclusive para o Brasil. Desta forma, a quase totalidade das cervejas produzidas no país usa lúpulo importado em sua composição.

É impossível dissociar o crescimento do plantio de lúpulo no Brasil com o grande crescimento da procura por cervejas artesanais. Segundo o pesquisador da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (SEAPDR), Alexander Censi, os consumidores buscam um produto “com identidade e com características específicas". Censi cita o estudo do Departamento de Diagnóstico e Pesquisa Agropecuária da secretaria, publicado em abril deste ano, em parceria com a Emater, a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e a Universidade de Caxias do Sul (UCS), que aponta que quase 30% dos produtores trabalham com o lúpulo há menos de um ano, 70% planta em áreas de até 1 mil metros quadrados e aliado à outras atividades agrícolas (57,5%).

A pesquisa ainda aponta que 75% dos produtores contam com menos de 500 árvores, quantidade considerada pequena, mas destes mesmos produtores, 82,5% afirma que pretende aumentar a área de produção da planta. Quase 80% da produção visa o uso do proprietário, ou seja, diversas cervejarias, microcervejarias e produtores caseiros estão investindo na plantação de lúpulo em áreas particulares, visando uma redução nos custos, sabor único de suas cervejas ou marketing relacionado à plantação de sua própria matéria-prima.

Planta originária de regiões dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia pode atingir até seis metros de altura, com capacidade para ter produção de flores durante todo o ano, em climas temperados e onde a exposição à luz seja suplementada. Foto: Andrea Zysko / Salva Craft Beer

Mas nem tudo na produção é fácil, um dos principais pontos citados pelos produtores são dificuldades pós safra: as cervejarias brasileiras estão preparadas para o uso de lúpulo peletizado, processo que demanda maquinário especial e que, atualmente, está disponível apenas para 10% dos produtores do gaúchos. Os demais, trabalham com a flor desidratada ou in natura, em alguns casos, secando-as ao sol.

Bruna Roldan, da Emater, afirma que já existem algumas empresas no Estado que produzem o maquinário necessário para a colheita e o processamento do lúpulo, mas tais equipamentos seguem a um alto custo. Ainda assim, pontua a engenheira, trata-se de um mercado que tende a crescer, com as dificuldades operacionais diminuindo ao longo do processo. “O lúpulo brasileiro ocupa no seu mercado interno menos que 1%. É ainda uma produção incipiente no Brasil”, comenta. 

Projeto acadêmico

O curso de Agronomia da Faculdade de Santo Ângelo (FASA), na região das Missões, apresentou no final de julho o projeto “Lúpulo para todos”, desenvolvido pelo estudante Raul Molmann e que tem como objetivo estimular a cultura do lúpulo na pequena propriedade rural. Conforme Mollmann, a cultura tem excelente produção, mercado em expansão e é altamente rentável para as pequenas áreas rurais. Segundo sua estimativa, um hectare de terra suporta em torno de 2,6 mil plantas e alcança o ápice da sua produção do terceiro ao décimo quinto ano. Cada planta produz anualmente em torno de dois quilos de lúpulo. “Com uma produção anual de uma tonelada e meia e um preço médio de R$ 150 o quilo, o agricultor teria uma renda média anual de R$ 225 mil, em um hectare cultivado”, estima.

No projeto, Molmann destaca alguns números para incentivar o produtor a aderir ao cultivo do lúpulo. “O Brasil tem mais de 1,3 mil cervejarias registradas; é o terceiro maior consumidor de cerveja do mundo; o lúpulo é principal ingrediente para fabricação de cervejas especiais e 99% do lúpulo utilizado na produção brasileira é importado. O mercado farmacêutico também utiliza a planta como calmante”, argumenta o estudante e pesquisador do assunto.

O secretário municipal de Desenvolvimento Rural de Santo Ângelo, Álvaro Uggeri Rodrigues, avalia o projeto como uma perspectiva de negócio produtivo para a região. “Estão sendo implantadas lavouras experimentais para que possamos avaliar a adaptação da cultura na região, como as variedades disponíveis e as características do produto”, declarou.

* Sob supervisão de
Nereida Vergara

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895