Desigualdades entre os 8 bilhões de pessoas no mundo

Desigualdades entre os 8 bilhões de pessoas no mundo

A Organização das Nações Unidas anunciou que, em 15 de novembro, chegamos a este total de pessoas no planeta. Porém, o número sozinho não revela as diferenças e particularidades das várias regiões do globo

Por
Christian Bueller e Agência AFP

Passava da meia-noite na República Dominicana, já adentrando a terça-feira do dia 15 de novembro de 2022, quando Damaris Ferrera, 35 anos, trouxe ao mundo o pequeno Damian, em um hospital da capital Santo Domingo. Uma hora e 29 minutos depois, nascia, em Manila, nas Filipinas, a pequena Vinice Mabansag. 

O que há em comum entre os casos é que tanto o país caribenho quanto o arquipélago asiático pleiteiam ser a nação do oitavo bilionésimo habitante da Terra. A Organização das Nações Unidas (ONU) tratou a data como o “Dia dos Oito Bilhões”, sem determinar qual nascimento, de fato, representa a marca alcançada. A comemoração foi simbólica, mas a preocupação é real: o organismo internacional aproveitou o momento para reiterar a necessidade de cuidado com o planeta antes que novos bilhões de pessoas possam chegar a tempo de compor a população global. 

Segundo a projeção da ONU, ainda que a humanidade continue a crescer para cerca de 10,4 bilhões na década de 2080, a taxa geral de crescimento está diminuindo. Atualmente, dois terços da população do mundo vivem em um contexto de baixa fecundidade, em que a fecundidade ao longo da vida é inferior a 2,1 partos por mulher. Ao mesmo tempo, o crescimento populacional tem se concentrado cada vez mais nos países mais pobres do mundo, a maioria na África Subsaariana (antes chamada de África Negra, é a região do continente composta por 47 países e que se localiza geograficamente abaixo do Deserto do Saara). “Um mundo de 8 bilhões é um marco para a humanidade – o resultado de uma expectativa de vida mais longa, redução da pobreza e declínio da mortalidade materna e infantil. No entanto, focar apenas nos números nos distrai do verdadeiro desafio que enfrentamos: garantir um mundo em que o progresso possa ser desfrutado de forma igual e sustentável”, disse a diretora-executiva do Fundo de População das Nações Unidas (Unfpa), Natalia Kanem. “Não podemos confiar em soluções de tamanho único em um mundo em que a idade média é de 41 anos na Europa em comparação com 17 na África Subsaariana. Para ter sucesso, todas as políticas populacionais devem ter os direitos reprodutivos em sua essência, investir nas pessoas e no planeta e se basear em dados sólidos”, ressaltou. 

Demorou cerca de 12 anos para a população mundial crescer de 7 para 8 bilhões, mas a expectativa é de que o próximo bilhão leve aproximadamente 14,5 anos para chegar (2037), refletindo a desaceleração do crescimento global. Assim que atingir o pico de cerca de 10,4 bilhões de pessoas na década de 2080, a projeção é a de permanecer nesse nível até 2100. Para o aumento de 7 para 8 bilhões, cerca de 70% da população adicionada estava em países de renda baixa e média-baixa. Para o aumento de 8 para 9 bilhões, é esperado que esses dois grupos de nações respondam por mais de 90% do crescimento global. Entre 2022 e 2050, o aumento global da população com menos de 65 anos ocorrerá inteiramente em países de renda baixa e média-baixa, uma vez que o crescimento populacional em países de renda alta e média-alta ocorrerá apenas entre aqueles com 65 anos ou mais.

"Um mundo de 8 bilhões é um marco para a humanidade – o resultado de uma expectativa de vida mais longa, redução da pobreza e declínio da mortalidade materna e infantil. No entanto, focar apenas nos números nos distrai do verdadeiro desafio que enfrentamos: garantir um mundo em que o progresso possa ser desfrutado de forma igual e sustentável." Natalia Kanem, diretora-executiva do Unfp

Diminuição em 1% ou mais

Outra projeção da ONU diz respeito à diminuição em 1% ou mais nas populações de 61 países entre 2022 e 2050, devido aos baixos níveis de fecundidade e, em alguns casos, às elevadas taxas de emigração. A parcela da população global com 65 anos ou mais deverá aumentar de 10% em 2022 para 16% em 2050. A organização internacional acredita que o número de pessoas com 65 anos ou mais em todo o mundo seja mais do que o dobro do número de crianças com menos de 5 anos, e aproximadamente o mesmo que o número de crianças com menos de 12 anos. A expectativa de vida global ao nascer atingiu 72,8 anos em 2019, uma melhoria de quase 9 anos desde 1990.

Estima-se que novas reduções na mortalidade resultem em uma longevidade global média de cerca de 77,2 anos em 2050. Ainda em 2021, a expectativa de vida para os países menos desenvolvidos ficou 7 anos atrás da média global. 

A pandemia da Covid-19 afetou a expectativa de vida global ao nascer, que caiu para 71 anos em 2021. Em alguns países, ondas sucessivas da pandemia podem ter produzido reduções de curto prazo no número de gestações e nascimentos, enquanto para muitos países há poucas evidências do impacto nos níveis ou tendências de fecundidade. A crise sanitária restringiu severamente todas as formas de mobilidade humana, incluindo a migração internacional. “Mais ações dos governos destinadas a reduzir a fecundidade teriam pouco impacto no ritmo de crescimento populacional entre agora e meados do século devido à estrutura etária jovem da população global de hoje. No entanto, o efeito cumulativo da menor fecundidade, se mantido por várias décadas, pode ser uma desaceleração mais substancial do crescimento da população global na segunda metade do século”, explicou o diretor da Divisão de População do Departamento de Economia e Assuntos Sociais da ONU, John Wilmoth, à época da divulgação da projeção do “Dia dos Oito Bilhões”, em julho deste ano. 

Por outro lado, mais da metade do aumento projetado da população global até 2050 estará concentrado em oito países: República Democrática do Congo, Egito, Etiópia, Índia, Nigéria, Paquistão, Filipinas e República Unida da Tanzânia. A estimativa é de que os países da África Subsaariana contribuam com mais da metade do aumento previsto até 2050. 

Hora de pensar no amanhã e nas consequências do aumento populacional

A marca atingida no último dia 15 serviu para a ONU insistir no apelo que a humanidade “olhe além dos números e cumpra sua responsabilidade compartilhada de proteger as pessoas e o planeta, começando pelos mais vulneráveis”. “A menos que superemos o abismo entre os que têm e os que não têm, estamos nos preparando para um mundo de 8 bilhões de pessoas cheio de tensões e desconfiança, crise e conflito”, disse o secretário-geral da Organização, António Guterres. 

O “Dia dos Oito Bilhões” levanta preocupações sobre as ligações entre o crescimento populacional, a pobreza, as mudanças climáticas e a realização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A relação entre crescimento populacional e desenvolvimento sustentável é complexa. “O rápido crescimento populacional torna mais difícil erradicar a pobreza, combater a fome e a desnutrição e aumentar a cobertura dos sistemas de saúde e educação. Por outro lado, alcançar os ODS, especialmente aqueles relacionados à saúde, educação e igualdade de gênero, contribuirá para desacelerar o crescimento da população global”, completa o secretário-geral. 

Guterres advertiu que o mundo se aproxima cada vez mais de uma “catástrofe climática” devido a um “sistema energético mundial” que está quebrado. Ele pediu a adoção de medidas urgentes para uma transição para energias renováveis, que é “fácil de alcançar” e permite o afastamento do “beco sem saída” que os combustíveis fósseis representam. Ele lembrou que eventos como a Conferência sobre as Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP27), no Egito, e na Cúpula do G20, em Bali foram boas oportunidades para que líderes mundiais começassem a reduzir as divisões para restaurar a confiança, com base na igualdade de direitos e de liberdades. 

António Guterres propôs cinco ações para estimular a transição para energias renováveis, incluindo incentivar um maior acesso a tecnologias e materiais de energia renovável, triplicar os investimentos privados e públicos em energias renováveis e acabar com os subsídios aos combustíveis fósseis. “Se agirmos em união, a transformação das energias renováveis poderá ser o projeto de paz do século 21”, concluiu. 

Os países com as maiores taxas de consumo e emissões são aqueles onde o crescimento populacional já é lento ou mesmo negativo. Enquanto isso, a maior parte do aumento da população mundial está concentrada nos países mais pobres, que têm taxas de emissões significativamente mais baixas, mas provavelmente sofrerão desproporcionalmente os efeitos das mudanças climáticas. “Devemos acelerar nossos esforços para cumprir os objetivos do Acordo de Paris, bem como alcançar os ODS”, disse Li Junhua, subsecretário-geral da ONU para Assuntos Econômicos e Sociais. “Precisamos de uma rápida dissociação da atividade econômica da atual dependência excessiva da energia de combustível fóssil, bem como de maior eficiência no uso desses recursos, e precisamos fazer disso uma transição justa e inclusiva que apoie os que ficaram mais para trás”, completa. 

O mais recente relatório de segurança alimentar e nutrição da ONU estima que 828 milhões de pessoas passarão fome em algum grau no mundo nos próximos anos. Segundo a doutora Rachel Carey, especialista em sistemas alimentares sustentáveis da Universidade de Melbourne, cultivar alimentos em quantidade suficiente não é o maior problema. “Até hoje, o mundo produziu alimentos suficientes”, afirma. “O que vemos é escassez local de alimentos em diferentes momentos. Isso se deve a questões relacionadas às mudanças climáticas, à pandemia, também a conflitos e guerras, mas houve produção suficiente de alimentos em todo o mundo”, frisa. A questão-chave, segundo ela, está na distribuição dos insumos e na desigualdade na maneira como isso é feito atualmente. 

Alguns pesquisadores afirmam que a Terra não terá força suficientes para abastecer tamanha demanda de população. No entanto, o sociólogo Paulo Ramirez lembrou que os otimistas argumentam por outra ótica. “Eles dizem que as tecnologias não param de avançar, buscando fontes de energias mais renováveis, sustentáveis e outras tantas que possam surgir para garantir esse abastecimento”, afirma. 

Para Rachel Snow, chefe da Divisão de População de Desenvolvimento do Unfpa, chegar a 8 bilhões de pessoas não é uma catástrofe para o planeta. “Pelo contrário: mais pessoas estão sobrevivendo. A expectativa de vida aumentou no mundo todo, os cuidados de saúde melhoraram e mais pessoas estão prosperando”, pontua. Segundo ela, catástrofe seria se os governos não tivessem como se preparar para o que virá nas próximas décadas. “A mortalidade infantil e a materna caíram. Oito bilhões de pessoas são oito bilhões de ideias únicas, originais e criativas para fazer um mundo melhor”, opina.

Aumento até o platô

A quantidade de pessoas sobre o globo terrestre sempre foi tema para pesquisadores. No ano 1 da era cristã, a população mundial era de 170 milhões. Havia talvez 230 milhões de pessoas na Terra quando a antiga civilização egípcia era predominante. No ano 1000, a população mundial alcançou a cifra de 330 milhões. Por volta de 1350, a população chegou a 370 milhões e pela primeira vez teve uma queda devido à peste bubônica. 

A marca de 1 bilhão seria alcançada apenas no início do século 19, alguns anos antes de toda a corte portuguesa migrar para o Brasil em 1808, diante do iminente avanço das hordas napoleônicas pela Península Ibérica. Os 2 bilhões foram registradas em 1925, pouco antes do período conhecido como a Grande Depressão e, em apenas 35 anos, foi registrado o terceiro bilhão. 

O período pós-Segunda Guerra Mundial marcou um salto no crescimento da população mundial, principalmente a partir da década de 1950. A década de 1960 representou uma verdadeira explosão demográfica e foi a primeira vez em que a taxa de crescimento populacional atingiu e ultrapassou a marca de 2% anuais. Desde então, a taxa de crescimento entrou em declínio, movimento que se acentuou a partir de 1990. 

Atualmente, a taxa de crescimento da população mundial é de 1,1%, segundo a ONU, que prevê um mundo com cerca de 9,7 bilhões de pessoas em 2050. “As projeções demográficas são altamente precisas e têm a ver com o fato de que a maioria das pessoas que estarão vivas em 30 anos já nasceu”, diz o diretor da divisão de população da ONU, John Willmoth. “Mas quando você começa a projetar a população daqui a 70 ou 80 anos, a incerteza aumenta.” 

Ainda que a baixa taxa de fecundidade possa amenizar o crescimento da população até o platô de 2100, a ONU alerta para que o aquecimento global e a subida do nível dos oceanos ameaça diretamente 2 bilhões de pessoas que vivem a menos de 2 m do nível do mar.

América do Norte

Ao contrário da Europa e até mesmo da América Latina e Caribe, a população da América do Norte seguirá aumentando até 2050. Puxada pelos Estados Unidos, terceira nação mais populosa e que deverá se manter nesta posição por muitos anos, a região pulou de 162 milhões de pessoas para 377 milhões, desde 1950. Até a metade deste século, os países acima do México – que consta como América Latina para a base de dados da ONU – chegarão a uma população de 448 milhões. 

O crescimento populacional no continente está atrelado diretamente à potencialização da imigração, principalmente, de pessoas saídas da África, Ásia e da América Latina. Apenas a Europa já recebeu mais estrangeiros (82 milhões de pessoas contra os 59 milhões recebidos pela América do Norte). Os Estados Unidos recebem a maior quantidade de pessoas (51 milhões), o equivalente a 19% do total mundial. 

A América do Norte registrou uma das mais rápidas quedas na taxa de fecundidade entre as décadas de 1960 e 1970, de 3,64 filhos por mulher para 1,7. A região apresentou uma leve subida na entrada do século 21, mas, atualmente, caiu novamente, 1,6, número que deverá se manter pelas próximas três décadas.

Europa

Em um contexto em que a pandemia diminuiu a expectativa de vida mundial de 72,8 anos em 2019 para 71 anos em 2021, a Europa seguirá com a maior média de idade no planeta, 41,7 anos. A ONU acredita que haja 1,6 bilhão de idosos em 2050, 16% da população da Terra. 

A organização internacional credita a projeção à preocupação com a previdência, que gera mais gastos com a aposentadoria, maior cobertura das redes hospitalares e investimentos na qualidade de ensino, impactando os moradores do chamado “Velho Continente”, transformando-o, também, no continente mais envelhecido. 

Aliado a isso, há um número considerável de mulheres europeias com acesso à educação, que regula a natalidade com mais controle e faz uso de mais métodos contraceptivos na comparação com outros continentes – equiparado apenas aos Estados Unidos. Ou seja, as mães geram menos filhos e diminuem casos de gestações indesejadas. 
Sendo assim, o incremento populacional é menor na Europa, onde se situam muitos dos 61 países que deverão encolher 1% ou mais até 2050, segundo a ONU. As maiores reduções, de 20% ou mais, ocorrerão no continente em países como a Bulgária, Lituânia, Letônia, Ucrânia e Sérvia.

Oceania

Em 1950, o continente de 8,5 milhões de quilômetros quadrados abrigava 13 milhões de pessoas, número mais que triplicado em 2022 (atuais 45 milhões). A previsão para o ano de 2100 é de crescimento íngreme, 69 milhões de população. Apesar da população aumentar, menos filhos nascerão por mulher, segundo informações da Organização das Nações Unidas (ONU). 

A taxa de fertilidade na Oceania, que já chegou a 4,18 filhos por mulher em 1961, caiu para 3,59 na década seguinte e seguiu baixando nos períodos posteriores. Depois de circundar em torno de 2,5 filhos por mulheres entre 1990 e 2010, o continente chega a 2022 com a média de 2,14. O número baixará ainda mais, para 2 filhos até 2050. 
No maior país da Oceania, a Austrália, a taxa de fertilidade já é menor que de 2 filhos por mulher desde 2009. A mudança nas últimas três décadas é associada, no país, a um controle mais efetivo de natalidade, acesso das mulheres à educação, além de aspectos econômicos. 

Outra detecção das informações divulgadas pela organização internacional é o fato de que as mulheres australianas estão sendo mães mais tarde, com uma média de 31,7 anos. Chama atenção que o número de mães com idades entre 35 e 39 duplicou, enquanto as mulheres que geram filhos com idades entre 40 e 44 anos triplicaram no país.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895