EPTC encaminha cavalos para adoção

EPTC encaminha cavalos para adoção

A empresa pública recolhe animais por motivos que vão de maus-tratos a fugas dos locais de abrigo. Por conta deste cenário, a EPTC dispõe de um local de acolhimento, no bairro Lami, na zona Sul da Capital

Por
Felipe Samuel

A circulação de veículos de tração animal é proibida na área urbana de Porto Alegre desde 2008, quando foi promulgada a Lei Municipal 10.531/2008. Apesar da medida, a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), por meio da Equipe de Fiscalização de Veículos de Tração Animal (EFVTA), recolhe em média um cavalo por dia nas vias da cidade. As razões para o recolhimento vão desde maus-tratos a fugas dos locais de abrigo. Por conta deste cenário, a EPTC dispõe de um local de acolhimento, localizado na Estrada da Taquara, no bairro Lami, na zona Sul da Capital.

É em uma área de 25 hectares que os animais vítimas de maus-tratos ou de abandono recebem os primeiros cuidados da equipe, como alimentação adequada e medicação. No ano passado, a EPTC recolheu 378 animais. Chefe substituto da EFVTA, Luis Fernando Azambuja explica que os cavalos passam por uma avaliação de um veterinário logo que chegam ao sítio. Conforme Azambuja, o proprietário tem 15 dias para reivindicar a guarda do animal. Após esse prazo, o cavalo entra para um plano de adoção. “Os pré-requisitos para adoção envolvem não colocar o cavalo de volta na lida diária e ter um espaço territorial de 2 hectares por cavalo”, destaca.

De acordo com Azambuja, a Lei Municipal 10.531/2008 determinava a retirada das carroças da vias em um prazo de oito anos, meta que está longe de ser atingida. “A lei visa reduzir e coibir de forma gradativa a mobilidade de carroças em Porto Alegre. Teve um prazo de oito anos para poder erradicar totalmente, mas ainda não se conseguiu fazer isso, tanto que há recolhimento até hoje”, observa. 

Atualmente, o abrigo da EPTC acolhe 31 cavalos, dos quais 16 estão aptos para adoção. Até 16 de fevereiro, a EPTC recolheu 48 cavalos, dos quais 29 foram devolvidos aos proprietários, 17 foram adotados e sete eram vítimas de maus-tratos. As blitze realizadas para recolhimento dos animais são divididas em quatro regiões. “A maior parte de ocorrências é registrada na Zona Sul, porque abarca uma área rural, no extremo-sul, que ainda tem permissão para transitar carroça. Na parte central da região do extremo-sul é proibido também, mas o maior índice é de carroças transitando e de cavalos abandonados”, completa. Na região Norte, os flagrantes são de carroças transitando. Temos algumas ações sistemáticas com a Patrulha Ambiental da Brigada Militar, em que saímos em blitze itinerante para poder muitas vezes fazer o flagrante e fazer o recolhimento”, afirma.

Conforme Azambuja, quem deseja adotar um animal deve preencher um formulário no site da prefeitura, além de possuir local adequado para manter o cavalo em boas condições. O animal não poderá ser submetido a qualquer tipo de trabalho, especialmente os de tração, como guia de carroças, charrete e arado. Também não poderá ser usado em práticas esportivas como saltos e corridas. “Fazemos o primeiro contato com o adotante, que muitas vezes envolve vistoria presencial no local, no limite de Porto Alegre”, salienta. Passamos orientações relativas ao transporte adequado para poder fazer o ato de adoção, que é ele sair daqui como fiel depositário”, completa.

O objetivo é zelar pelo bem-estar dos equinos resgatados de situação de maus-tratos ou abandono nas ruas e avenidas da cidade. “Todos os animais são entregues tratados e com chip de identificação”, afirma. Segundo Azambuja, após a adoção, equipes da EPTC fazem vistorias surpresas para verificar as condições de criação do animal. “Elaboramos um relatório e encaminhamos ao Ministério Público as informações sobre os cuidados relacionados aos cavalos”, explica. Em alguns casos, o adotante utiliza o animal para a equoterapia, método terapêutico que utiliza o cavalo por meio de uma abordagem interdisciplinar, buscando o desenvolvimento de pessoas com deficiência ou com necessidades especiais. 

Quem quiser denunciar casos de cavalos abandonados ou maltratados pode entrar em contato pelos telefones 118 e 156 para orientar as ações da equipe de fiscalização, que conta com sete integrantes e plantão 24 horas. “A gente recebe a denúncia, que pode ser de carroça transitando, maus-tratos ou de cavalo abandonado em via pública. A gente despacha uma viatura até o local em parceria, junto com o responsável e administrador do abrigo, para averiguar a demanda e dar um retorno plausível para aquela necessidade, que é o recolhimento do cavalo e identificação do proprietário quando possível”, explica.

Apesar de algumas denúncias de maus-tratos, boa parte das ocorrências envolve cavalos que fugiram do local onde vivem. “Em diversas vezes o cavalo se solta. Os motivos mais comuns são o cavalo romper uma cerca. Em outros casos, a gurizada pode romper uma cerca e cortar por sacanagem e tocar os cavalos para o campo ou deixar o cerceamento vulnerável para deixar que o cavalo escape”, frisa. Há situações ainda que os donos não têm mais recursos para manter o animal. E acabam abandonando o cavalo à própria sorte. 

Conforme a EPTC, o abrigo localizado na Estrada da Taquara, 1115, bairro Lami, é aberto à visitação mediante agendamento. Os interessados devem entrar em contato através da Carta de Serviços da prefeitura, pelo endereço https://prefeitura.poa.br/carta-de-servicos/adocao-de-equinos, ou pelo e-mail para adote@eptc.prefpoa.com.br.

Dentro do Abrigo


O cavalo "Ceguinho" foi resgatado há 10 anos e virou mascote da equipe. Foto: Alina Souza

Administrador do abrigo da EPTC, Thiago Borges Ferrão trabalha há um ano e meio no local e tem a missão de cuidar e tratar dos animais após a vistoria do veterinário. “Alguns chegam aqui por maus tratos, outros chegam por ter escapado do campo e ficarem soltos na via. Varia muito. Mas desde quando chegam aqui tentamos recuperá-los, principalmente os que chegam mais debilitados, que a gente recupera para ficar apto a adoção”, reforça. A presença de um animal magro recolhido esta semana por conta de maus tratos contrasta com a companhia de outros dois que já estão recuperados e aptos para adoção após dois meses no local.

“O último que chegou está bem debilitado, está bem diferente dos outros. A gente faz tudo para ele reagir o quanto mais rápido, que engorde, para ficar pronto para doação”, explica, acrescentando que o proprietário tem até 15 dias para retirar cavalo, exceto em casos de maus tratos. De acordo com Ferrão, cada animal consome em média 5 quilos de ração por dia, além de feno à vontade. “Os que estão mais magros podem comer feno à vontade”, alerta. Conforme Ferrão, vários cavalos chegam em estado deplorável. “Muitos cavalos que a gente pega estão caídos”, lamenta. “Às vezes usam o cavalo na carroça até quando o animal não aguenta mais. Tiram da carroça e deixam atirado no chão mesmo”, completa.

O abrigo da EPTC, no entanto, também é lar de Ceguinho, um cavalo resgatado há dez anos dentro do Arroio Dilúvio. Sem interessados em sua adoção, ele acabou virando mascote da equipe. “Ele já deve ter uns 20 anos de idade. Não está para doação. É um patrimônio”, observa. Integrante da EFVTA, Tulimar Aurélio já adotou três cavalos. “Adotei o primeiro há dez anos, o Rosilho. Depois tem a Margarida, que adotei há pouco tempo, há cerca de dois meses. E o Pretinho adotei junto, que ficou com meu pai, que tem um sítio na Barra do Ribeiro”, frisa.

De acordo com Aurélio, Margarida chegou no abrigo da EPTC por conta de maus tratos. Pretinho e Rosilho foram pegos soltos em via pública.

“Sempre gostei de cavalos, minhas filhas Laura, de 16 anos, e Bruna, de 14 anos, andam com eles quando vão para lá e fazem cavalgadas dentro do sítio mesmo, que é bem grande. Elas se divertem”, garante. Mesmo apaixonado por animais, por ora, ele não espera aumentar o número de cavalos adotados. “Temos outros bichos para dividir o pasto. Por enquanto tem pasto suficiente para todos”, destaca.

Assessora da EPTC e protetora de animais, Bárbara Derenji Pias Amaral observa que o custo por animal gira em torno de R$ 80,00 por semana com ração, custo que pode variar conforme a marca do alimento. Os cavalos precisam de água fresca sempre e de muito pasto. Se não tiver, pode ser ração combinada com pasto. Para atender a demanda no tratamento dos animais, a EPTC tem uma parceria com a Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que oferece programas para castração e cirurgias.

“A gente não consegue atender todos os animais com a UFRGS, mas algumas a faculdade nos libera porque colocam o cavalo em aula. Por exemplo, estão precisando fazer uma aula de castração, a gente tem uma fila aqui de cavalos que precisam ser castrados e a gente encaminha esse cavalo e ele entra em aula. A gente não tem custo em relação a isso, apenas deslocamento”, explica. Mas em alguns casos o custo é tão alto que nem a faculdade consegue oferecer ajuda. “A gente tem um cavalo com um tumor que a gente não conseguiu nada para ele. Não se sabe ainda o que vai fazer, porque valor é muito alto e a gente não tem condições”, frisa.

Bárbara afirma que o número de adoções apresenta queda principalmente nos meses de janeiro e fevereiro. Divulgar a adoção é importante para a gente, porque em janeiro e fevereiro não são meses bons para adoção, tem muita gente na praia. Mas nunca ficou um número excessivo de animais, a gente tem entrada e saída, mas a gente procura ir atrás do adotante também. É rotativo. Alguns ficam, como o Ceguinho, porque não tem como doar o cavalo cego dos dois olhos, a menos que aparecesse a pessoa perfeita”, observa.

 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895