Escadaria conta a história da Revolução

Escadaria conta a história da Revolução

A estrutura, no município de Guaíba, receberá um mosaico retratando alguns episódios da Revolução Farroupilha, além de tradições gaúchas

Por
Cristiano Abreu

Do alto da estância Pedras Brancas, na margem do Guaíba, José Gomes Vasconcelos Jardim e os primos Bento Gonçalves da Silva e Onofre Pires podiam enxergar, na outra margem, a Porto Alegre do século 19. Quase ao lado da casa-grande, um frondoso cipreste, o qual especialistas acreditam ter, nos dias atuais, mais de 300 anos, servia de ponto de observação ao grupo formado por fazendeiros, políticos e militares que comandaram a Revolução Farroupilha. Conforme historiadores, foi à sombra desta árvore que os três principais líderes da guerra contra o Império do Brasil planejaram a tomada da capital gaúcha, levada a cabo em 20 de setembro de 1835, deflagrando a mais longa revolta travada em nosso país.

A independência sonhada não ocorreu e, 91 anos depois, a Estância Pedras Brancas, que chegou a abrigar a sede do governo da República Rio-Grandense, deu origem ao município de Guaíba. E, prestes a completar seu primeiro centenário, a cidade que se intitula o berço da revolução prepara festividades e uma série de ações para manter viva a história Farroupilha.

Uma destas iniciativas é a revitalização da Escadaria 14 de Outubro, que liga a orla ao Centro Histórico, na parte alta, onde estão o lendário Cipreste e a casa que pertenceu a Gomes Jardim. A estrutura composta por 132 degraus, sete lances e seis patamares está sendo revestida com ladrilhos. São milhares de pequenas placas coloridas, coladas uma a uma de forma a comporem um mosaico que retratará fatos históricos da Revolução.

De acordo com a prefeitura de Guaíba, responsável pelo projeto, com a obra, a 14 de Outubro se tornará a segunda maior escadaria do Brasil dotada de intervenção do gênero. A primeira é a Selarón, localizada no Rio de Janeiro. Contudo, o secretário de Turismo, Desporto e Cultura do município, Ivo Schergl Júnior, destaca que a estrutura gaúcha tem representação cultural única por ser a primeira a narrar um fato histórico.

A iniciativa integra o projeto Rua das Artes, que tem como objetivo revitalizar espaços urbanos e conta com recursos da Lei de Incentivo à Cultura do RS (LIC). Cada lance formará uma imagem, de forma a ser visualizada por completo a partir do Pier de Guaíba, recentemente revitalizado. “Ao se aproximar, degrau a degrau, ladrilho a ladrilho, o mosaico vai revelar detalhes históricos da Revolução, conforme ocorre o deslocamento em direção ao topo”, revela o secretário.

No topo da escadaria há um belvedere (espaço de contemplação) que oferece ampla visão para o Guaíba e a Ilha das Pedras Brancas. Neste ponto há a chamada “Pintura do Mirante”, arte que celebra a Guerra dos Farrapos, que também passará por restauração. Iluminação, paisagismo e corrimãos passam por trabalho de recuperação.

Além de estimular a preservação da memória cultural do Rio Grande do Sul a partir da valorização do povo gaúcho, a prefeitura do município aposta na intervenção artística como forma de enriquecer o ambiente urbano e atrair turistas para a cidade. “Esta iniciativa visa a transformação da nossa escadaria em um ponto de destaque cultural e turístico”, completa Ivo Schergl Júnior.

As imagens

Escadaria 14 de Outubro será a segunda maior em mosaico e retratará fatos históricos da Revolução Farroupilha. | Foto: Mauro Schaefer

Os ladrilhos compõem cinco imagens de fatos históricos, uma que exalta as tradições gaúchas e outra que apresenta a escadaria vista a partir do Guaíba. Os sete elementos serão trabalhados em ordem cronológica, do pé ao topo da estrutura:

  • 1º lance: “Escadaria 14 de Outubro Vista do Lago Guaíba”. Busca estimular a preservação da memória cultural do ponto turístico observado pela população e seus visitantes;
  • 2º lance: “O Gaúcho”. Valoriza a lida no campo e a cultura do RS;
  • 3º lance: “Marco Farroupilha”. Promove a preservação do obelisco construído em 1965 no Balneário Alegria, em Guaíba, e que marca o local do início da Revolução Farroupilha, localidade em que zarparam as embarcações para a tomada de Porto Alegre;
  • 4º lance: “Combate da Ponte da Azenha”. Retrata a batalha, ocorrida na noite de 19 para 20 de setembro de 1835, que deu início a Revolução Farroupilha;
  • 5º lance: “Travessia dos Barcos Farroupilhas e as Pedras brancas do Lago Guaíba”. Busca retratar o resgate dos mais de 60 homens liderados por Gomes Jardim que cruzaram as águas do Guaíba em barcos, dando início à Revolução;
  • 6º lance: “A Reunião dos Revolucionários Farroupilhas”. Busca valorizar e preservar o local histórico, o cipreste que fica em frente ao casarão de Gomes Jardim, com a imagem, à sombra da árvore, as figuras de Bento Gonçalves da Silva, José Gomes de Vasconcelos Jardim, Onofre Pires da Silveira Canto e outros líderes, que planejaram o ataque a Porto Alegre;
  • 7º lance: “Casarão da Estância das Pedras Brancas”. Busca homenagear o casarão de José Gomes de Vasconcelos Jardim.

A história do Rio Grande do Sul como inspiração para realização do projeto artístico

A execução do mosaico na 14 de Outubro está a cargo do artista plástico e publicitário Léo Filho, apoiado pelo produtor cultural Wagner Seelig e com a direção cultural de Simone Schlottfeldt. Ele revela que a concepção das imagens ocorreu a partir de pesquisa realizada pelo historiador Wagner Eltz Seelig e informações repassadas pela Secretaria de Turismo, Desporto e Cultura de Guaíba. “A proposta é visitar e reforçar os ideais e os valores da nossa cultura, do pampa que abraça os povos do sul da América”, complementa.

O artista conta também que a sequência de imagens que retratam a Revolução Farroupilha foi organizada em ordem cronológica. “Conforme subimos, há uma volta ao passado, partindo do belo visual da escadaria e a cultura atual com a lida campeira e o marco histórico da cidade, relembrando a travessia de barco para a batalha da Azenha, o encontro dos ícones da revolução (Gomes Jardim, Bento Gonçalves e Onofre Pires), o casarão e o cipreste, onde se deu o encontro que selou a história do Rio Grande”, detalha Léo Filho.

As cores utilizadas pelo artista são ligadas à região: águas, vegetação, terras, além da lida campeira. O mosaico retrata também a estampa do tipo humano do lugar, o gaúcho. A instalação dos ladrilhos foi dividida em duas etapas para evitar o bloqueio total da escadaria aos pedestres. Ao mesmo tempo, ocorre a recuperação das estruturas em concreto. A inauguração está prevista para o próximo dia 30 de março.

GUAÍBA

A Escadaria 14 de Outubro é assim nomeada em homenagem à fundação do município de Guaíba, datada de 14 de outubro de 1926. Sua construção ocorreu de 1965 e 1969, no lugar da antiga Lomba do Inferno, uma rua muito íngreme que existia no local. A estrutura encontra-se "aos pés" da casa de Gomes Jardim, em terras da antiga sesmaria de Antônio Ferreira Leitão, que, por herança, passou a estância para a filha, Isabel Leonor, esposa de Jardim.

PATRIMÔNIO

Da imponente Pedras Brancas, a casa de Gomes Jardim e o cipreste sob o qual os Farroupilhas sonharam forjar uma nação independente restam como símbolos. Entre os dois, atualmente existe uma rua, a 14 de Outubro. O casarão, onde também morreu o general Bento Gonçalves, em 1847, sofreu modificações em sua fachada original, assim como as diferentes utilizações ao longo dos tempos.

O entorno da árvore cultuada como marco de um ideal político, e feita patrimônio histórico e cultural do Estado, hoje guarda uma praça, batizada em homenagem a Gomes Jardim, falecido em 1º de dezembro de 1854, aos 81 anos. Os restos mortais do líder farrapo foram transferidos para o local em 1920.

A poucos metros destes locais históricos, já na cabeceira da Escadaria 14 de Outubro, está localizado o Museu do Gaúcho. O espaço, tem entrada gratuita e conta a história da Revolução Farroupilha por meio de objetos, trajes de épocas e registros históricos das cidades do Rio Grande do Sul ao longo dos 10 anos de batalhas. No acervo encontram-se um pedaço do Seival, lanchão utilizado por Giuseppe Garibaldi na Tomada de Laguna (SC), que culminou com a proclamação da República Juliana durante a Guerra dos Farrapos.

Quem é o artista

Léo Filho tem 62 anos e é porto-alegrense. Atualmente dedicado à pintura, tem a natureza como inspiração. Um dos principais trabalhos da carreira está em Bagé, onde executou o projeto Arte e Memória na Rua. Em parceria com artistas locais, a cidade ganhou murais retratando a cultura gaúcha, fauna, flora, história e valores da região.

Mais sobre a revolta

José Gomes de Vasconcelos Jardim liderou o primeiro contingente farrapo que saiu da Praia da Alegria com 60 homens, cruzou o Guaíba e a ele somaram-se às forças de Onofre Pires, que já esperavam na margem esquerda, para a tomada de Porto Alegre.

Por ser considerada estratégica do ponto de vista geográfico e militar, a Estância Pedras Brancas foi importante em várias fases da guerra. Foi também sede do governo da República Riograndense. Jardim foi o primeiro presidente dos Farroupilhas. Após o fim do conflito, com a rendição dos separatistas em 1845, deu continuidade ao ofício de médico prático, atendendo em sua estância.

Curiosidade histórica

Em 1839, vencido pelos Imperiais, Giuseppe Garibaldi ateou fogo no barco Seival, para que não caísse em poder dos inimigos. Quando extinta a República Catarinense, a embarcação foi restaurada e incorporada à frota mercante do Império do Brasil e rebatizada com o nome de Garrafão.

Em 1910, novamente avariado, foi abandonado no cais do Porto de Laguna, sofrendo um incêndio que o inutilizou completamente. Restaram o mastro e uma lanterna, hoje expostos no Museu Anita Garibaldi, em Laguna.

Em 1945, cem anos após o fim do conflito, foi encontrada uma figueira, que nasceu espontaneamente nos restos da quilha do Seival. O vegetal foi transplantado para uma praça no centro de Laguna, fincando conhecida como Árvore de Anita. Duas mudas extraídas da árvore original foram trazidas para o Rio Grande do Sul e plantadas em Cidreira e no Parque Estadual de Itapuã, em Viamão, local de inúmeras batalhas entre farrapos e imperiais.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895