Estamos vivendo um filme de desastre da vida real, diz meteorologista

Estamos vivendo um filme de desastre da vida real, diz meteorologista

Ritmo e a magnitude dessas mudanças nos últimos anos foram verdadeiramente extraordinários e preocupantes

Por
Alexandre Aguiar

Jeff Masters é um dos nomes mais respeitados e conhecidos na comunidade meteorológica mundial. Uma referência internacional em ciclones tropicais e fenômenos extremos. Começou a carreira como meteorologista da NOAA, a agência de tempo e clima do governo dos Estados Unidos, voando a bordo dos aviões de reconhecimento em furacões e tempestades tropicais. 

Em 1989, após voo quase fatal no interior do devastador furacão Hugo, de categoria 5, Masters decidiu empreender a carreira acadêmica e fundou a empresa Weather Underground, uma das maiores do mundo em Meteorologia, vendida para o Weather Channel e, posteriormente, para a gigante IBM. O blog que escrevia, de nome Categoria 6, era o mais popular de Meteorologia na internet. Hoje, Masters é autor no Conexões do Clima da prestigiada Universidade de Yale. 

A MetSul Meteorologia e o Correio do Povo conversaram com o meteorologista sobre os extremos do clima na atualidade e o que eles podem significar. Masters se declara assustado com as mudanças em curso, que define como “extraordinárias”, e descreve o período atual como nova era climática. 

A Terra está sob um colapso climático?

Sou meteorologista há mais de 40 anos e voei em algumas das maiores tempestades da Terra durante meus quatro anos junto aos caçadores de furacões (missões aéreas no interior dos furacões para coletas de dados). Pesquisei e escrevi mais de 3 mil postagens sobre clima extremo e mudanças climáticas desde 2005, assim, não há muito mais pessoas no mundo tão sintonizadas com o clima extremo e como ele está mudando. O ritmo e a magnitude dessas mudanças nos últimos anos foram verdadeiramente extraordinários e preocupantes para mim. Estou quase com medo de olhar para as últimas previsões de modelos meteorológicos todas as manhãs, com medo do novo “inferno” vindo em nossa direção.

O problema é que não apenas a energia térmica extra na atmosfera do aquecimento global está criando ondas de calor e secas mais intensas, e também tempestades mais fortes e chuvas mais pesada. A mudança climática também interrompeu padrões fundamentais de circulação atmosférica, levando a eventos inesperados e sem precedentes.

E vai piorar?

Enquanto continuarmos a queimar combustíveis fósseis e colocar mais gases de efeito estufa na atmosfera, o clima continuará a ficar mais extremo. Somente quando atingirmos o “zero líquido” – sem mais aumento de gases de efeito estufa com equilíbrio entre o que é emitido e retirado da atmosfera de gases estufa – o clima finalmente alcançará um “novo normal” e se estabilizará. 

Nem todo lugar está sendo afetado igualmente no mundo. Alguns países de clima mais frio têm tido impactos relativamente pequenos, porém algumas nações estão enfrentando impactos catastróficos. Este é o caso, por exemplo, da Somália, onde a seca intensificada pelas mudanças climáticas matou dezenas de milhares de pessoas no ano passado e continua a fazê-lo este ano.

Enquanto buscamos alcançar o “zero líquido”, devemos fazer mudanças transformadoras para nos adaptarmos ao novo clima, porque a mudança transformadora está sendo imposta a nós. Não estamos nem perto de lidar com as alterações associadas ao aumento do clima extremo já presentes, e os desafios ficarão exponencialmente piores nos próximos anos. 

Não haverá transição ordenada para uma nova sociedade em equilíbrio com o clima do século XXI. Uma grande perturbação climática é iminente. Estamos vivendo em um filme de desastre da vida real, onde já passamos do estágio em que o herói cientista que alerta sobre o desastre iminente é ignorado. Estamos agora na parte em que o desastre que o cientista previu está realmente atingindo, mas os políticos, corporações e especialistas da mídia que lucram com a manutenção do status quo dizem: “Não olhe para cima”.

Mas parte destas mudanças é natural. O que é variabilidade natural e o que é mudança climática gerada pelo homem?

O clima é naturalmente extremo, tornando difícil determinar se um determinado evento climático teria ocorrido naturalmente. Há um grupo de cientistas do clima que está fazendo um excelente trabalho no novo campo de atribuição do clima na World Weather Attribution (WWA). 

Esses cientistas tentam responder à questão de quanto a mudança climática pode ser culpada por um determinado evento climático extremo. O estudo mais recente descobriu que as ondas de calor excepcionais na América do Norte, Europa e Ásia deste mês teriam sido “praticamente impossíveis” de ocorrer se os humanos não tivessem aquecido o planeta com a queima de combustíveis fósseis. No entanto, acho que esses estudos muitas vezes subestimam o papel das mudanças climáticas, pois não levam em consideração totalmente as interrupções na circulação atmosférica que ocorrem.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895