Estiagem de 2022 no RS não perdoou o pêssego

Estiagem de 2022 no RS não perdoou o pêssego

Fruta com produção predominante no Rio Grande do Sul deve ter safra 25% menor que a do ano passado

Por
Angélica Silveira

O Rio Grande do Sul deverá ter em 2022 uma safra de pêssegos 25% menor que a do ano passado, influenciada pelo clima, que foi menos favorável que o da safra de 2021, quando na região de Pelotas, líder na produção, houve recorde nas horas de frio, dando desenvolvimento e qualidade à fruta. Neste ano, afirma o extensionista da Emater/RS-Ascar Rodrigo Prestes, os pessegueiros tiveram intensa floração, mas o excesso de chuva e a pouca luminosidade acarretaram perdas em algumas cultivares. "Muitos produtores já acionaram o Proagro com perdas de até 60% nos pomares", adianta Prestes. As projeções iniciais da Emater indicam uma safra neste ano de 37,5 milhões de toneladas, movimentando em torno de R$ 69 milhões na região produtora. 

Presente no Brasil há 470 anos, o pêssego é uma cultura frutífera de destaque no Estado, intimamente ligada à indústria de doces. Em solo gaúcho são plantados 73% dos 16,1 hectares de pomares de pêssegos existentes no Brasil, o equivalente a 11,8 mil hectares, de acordo com a Emater. A maior parte da produção concentra-se em Pelotas, na região sul gaúcha, onde são cultivados 2,7 mil hectares de frutas para a produção industrial e 300 hectares para consumo de mesa. O município tem 605 produtores que colhem, juntos, safras entre 20,5 mil toneladas e 30 mil toneladas. No total, 22 municípios gaúchos plantam pessegueiros, entre eles Canguçu, Morro Redondo, Piratini e Cerrito, todos na região de Pelotas. Na região de Pelotas, 11 agroindústrias produzem o pêssego em calda. Ainda conforme a Emater, em uma safra normal são produzidos entre 50 milhões a 60 milhões de latas do doce. 

Um dos fruticultores que projetam perdas é Enoir Beletti, cuja família tem tradição na produção de pêssegos. Há 20 anos, o morador de Pelotas tem no pêssego o sustento da esposa e do filho. Ele possui uma propriedade na Colônia Santo Antônio, no 7º Distrito do município, onde cultiva nove hectares. Neste ano, soja e bergamota, além da horta, devem ajudar nas contas, uma vez que haverá pouco pêssego. “Acredito que a minha quebra seja em 80% da safra. O principal problema foi o clima, com chuva em excesso na hora errada, falta de sol quando precisava, o que comprometeu a floração. Quando precisava de luz não tinha, tivemos frio em excesso”, avalia. 
Em uma safra considerada normal, Beletti costuma produzir até 140 toneladas de pêssego. “Se tudo der certo, espero colher umas 20 toneladas neste ano”, projeta. O produtor relata ainda que, além da quebra da safra, teve problemas com a morte precoce de plantas, o que afetou em torno de 30% do pomar. Segundo ele, em torno de 20% a 25% da safra é destinada ao consumo in natura, sendo o restante vendido à indústria de Pelotas. Sobre o custo de produção, Beletti frisa que está quase empatado com o valor pago pela indústria. 

faturamento total foi de R$ 300 milhões

O presidente do Sindicato das Indústrias de Doces e Conservas de Pelotas (Sindocopel), Paulo Crochemore, destaca que em razão da quebra prevista ainda não há como saber a quantidade de compotas de pêssego que serão produzidos pela indústria. Na última safra, entre as 11 agroindústrias da região foram produzidas em torno de 43 milhões de latas de pêssego. “Não foi uma safra totalmente positiva, mas baseado neste número o faturamento total foi de R$ 300 milhões, e foram gerados quase cinco mil empregos diretos”, relata. O trabalho, diz Crochemore, é resultado de uma cadeia produtiva que conta com aproximadamente mil famílias de produtores rurais. “Somando com a parte da indústria e do transporte são em torno de 7,5 mil envolvidas com a cadeia do pêssego em um contexto direto”, acrescenta. 

Na última safra o valor pago pela fruta ficou em R$ 1,65 o quilo do pêssego tipo 1 e R$ 1,45 o tipo 2. Este ano, sem considerar a quebra, produtores e indústria se reuniram no mês de maio. Conforme o presidente do sindicato, foi sinalizado na época um aumento no preço da fruta para repor os índices de inflação nos insumos “Tínhamos acertado R$ 1,85 o tipo 1 e R$ 1,65 o tipo 2. Temos um novo encontro ainda neste mês para tentar fechar o preço que será pago pela indústria ao produtor na safra que está por vir”, relata. Crochemore também informa que há preocupação com o preço final ao consumidor. “Temos que ter a preocupação de não extrapolar muito o preço da compota de pêssego, para não perder o atrativo”, projeta. O produto é muito consumido nas ceias de Natal e Ano Novo, por isto, em dezembro é a época onde são vendidas 70% das latas de pêssego em calda. 

Doces Históricos

A cidade de Pelotas viveu entre as décadas de 1950 e 1970, o crescimento, o apogeu e o declínio de um importante polo de industrialização do doce de fruta, localizado na zona rural, atividade que além de consolidar a tradição doceira ajudou a projetar Pelotas como Capital Nacional do Pêssego. A produção artesanal de compotas de pêssego teve início em 1878, pelo francês Amadeo Gustavo Gastal, na localidade de Monte Bonito. O primeiro estabelecimento da indústria rural foi erguido em 1900. 

A história desta tradição pode ser conhecida por meio de uma visita ao Museu do Doce, no centro de Pelotas. O local foi inaugurado há 10 anos e é mantido pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). O professor da universidade e diretor do museu, Roberto Heiden, explica que o pêssego é um dos principais ingredientes dos doces em conserva. “ Na tradição doceira da cidade há vários seguimentos de doces, vários momentos históricos e um deles é quando começa a industrialização dos doces em conserva”, complementa. 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895