Estudo do RS revela os silessauros

Estudo do RS revela os silessauros

Pesquisa descreve um conjunto de novos fósseis, próximo aos dinossauros, datados em mais de 237 milhões de anos

Trabalho da equipe do CAPPA tem proposto que esses animais poderiam ser uma linhagem ancestral aos dinossauros conhecidos como Ornithischia

Por
Maria José Vasconcelos

Mais uma descoberta em solo gaúcho revela novidades relacionadas a dinossauros. Um recente estudo publicado no Journal of South American Earth Sciences, em setembro de 2022, descreve um conjunto de novos fósseis, datados em mais de 237 milhões de anos. O trabalho é conduzido por pesquisadores do Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica (CAPPA), da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), e pode, indiretamente, sugerir que esses animais tenham aparecido no Brasil antes do que se imaginava.

A busca resultou no reconhecimento de uma nova espécie de um grupo chave para entender o processo inicial de evolução. O animal, que em vida teria cerca de 1,5 metro de comprimento, foi batizado de Gamatavus antiquus. E a espécie foi reconhecida com base em um dos ossos do quadril, muito característico de um grupo de dinossauromorfos conhecidos como silessauros. “Se trata de um grupo que, até então, não tinha sido recuperado em camadas tão antigas de nosso registro”, explica Flávio Pretto, paleontólogo do CAPPA que liderou o estudo. “Os dinossauros mais antigos que temos no Brasil têm por volta de 233 milhões de anos, mas sempre suspeitamos que pudesse haver algo nas camadas subjacentes”, revela.

Apesar de o material recuperado ser incompleto, Rodrigo Müller, co-autor do estudo, conta que a equipe conseguiu classificar o espécime como pertencente aos silessauros. Já o cientista Maurício Garcia aponta que “a dúvida é onde os silessaurídeos se encaixam na evolução dos dinossauros”. E a colega Debora Moro destaca que “nossos estudos mais recentes têm proposto que eles poderiam ser uma linhagem ancestral aos dinossauros conhecidos como Ornithischia”. 

Flávio esclarece que existem duas hipóteses diferentes sobre os silessauros: seriam do conjunto dos dinossauros morfos, em um grupo irmão, fora dos dinossauros, “primos mais próximos” e relacionado à ancestralidade do agrupamento; ou a hipótese mais recente e que vem ganhando força, de que silessauros são dinossauros, que faziam parte de uma linhagem de herbívoros. No entanto, considera que “sejam os silessaurídeos dinossauros verdadeiros ou não, o fato é que preenchemos uma lacuna importante”, lembrando que havia registros de silessauros em camadas geológicas similares em outras partes do mundo, como Argentina, Tanzânia e Zâmbia. 

Outro aspecto ligado a este achado é o fato de reforçar que essas faunas, de localidades hoje tão distantes, eram muito parecidas no passado. O estudioso que integra a equipe, Voltaire Neto, da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), explica que no período Triássico, idade em que viveu o Gamatavus, todos os continentes estavam reunidos, formando a Pangea. Por isso, ele assinala que faz bastante sentido que a fauna e a flora desses lugares fossem parecidas, por estarem muito próximas geograficamente.

Animado, Flávio adianta que o trabalho a seguir será de mais escavações, “abrindo o entorno para ver o máximo a encontrar. Prosseguir procurando em todas as camadas, de modo a calibrar o olhar e prestar muita atenção para materiais que permitam encontrar fósseis diferentes. O paleontólogo acrescenta que as publicações internacionais do CAPPA ajudam a difundir a região; e que a atividade desenvolvida permite que a comunidade acompanhe as ações, podendo confirmar que “se faz ciência de primeiro mundo muito perto das pessoas, no Interior do nosso Estado”. Além disso, expõem o trabalho a mais estudiosos, e mostram como é possível aliar preservação do patrimônio fóssil com investimento, num exemplo de ação harmônica viável, onde achados fósseis podem ser mantidos durante a obra de uma rodovia local, como exemplo já ocorrido, sendo viabilizada em conformidade com a legislação ambiental. Assim, o resultado desse estudo, segundo Flávio, estimula e valoriza a atividade compartilhada. “É muito importante que tenha sido feito por vários cientistas, com paleontólogos formados e estudantes, da UFSM e Unipampa. Ciência boa se faz em equipe.”

Foto: Rodrigo Temp Muller / CAPPA / CP

Descoberta e estudo no RS

• Os fósseis da nova espécie integram o acervo do Laboratório de Paleontologia e Estratigrafia da UFSM. Ele é coordenado pelo paleontólogo Átila Da Rosa, responsável por tombar e salvaguardar os materiais.
• O fóssil foi coletado pelo professor Leopoldo Witeck Neto em 2003, num barranco na margem da rodovia BR 158, na localidade de Picada do Gama, no município de Dilermando de Aguiar. Daí a escolha da espécie, batizada de Gamatavus antiquus, que significa “o antigo tataravô do Gama”.
• A expectativa dos paleontólogos é retornar ao sítio, quase duas décadas depois do achado original, em busca de mais evidências.
• A intenção é ampliar conhecimentos sobre o Gamatavus; e/ou de outros dinossauromorfos que tenham convivido com o animal.
• Na camada das rochas onde os novos fósseis foram encontrados, mais antigas, existe pista importante para achar dinossauros mais antigos do que se tem conhecimento hoje no mundo.
• O CAPPA/UFSM integra a estrutura da Universidade, mas permite a participação de outras instituições, convidadas a trabalhar com o grupo. Oferece apoio a instituições e cooperação científica, atua junto à comunidade, desenvolve trabalho com escolas e é vinculado ao poder público, com vistas a difundir culturalmente a paleontologia.

Correio do Povo
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