Estudo mapeia 17 anos de desastres naturais no RS

Estudo mapeia 17 anos de desastres naturais no RS

Ocorrências no Rio Grande do Sul, entre os anos de 2003 a 2021, foram compiladas em levantamento divulgado pelo governo do Estado na última terça-feira. Os dados serão utilizados na elaboração de políticas públicas

Por
Taís Teixeira

A partir de agora, o Rio Grande do Sul tem um mapeamento completo dos desastres naturais ocorridos nos últimos 17 anos no Estado. O estudo “Desastres naturais no RS – ocorrências no período de 2003 a 2021” é inédito e foi divulgado na última terça-feira. Desenvolvido pelo Departamento de Planejamento da Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG), conforme solicitação da Defesa Civil Estadual, a consolidação dos resultados teve como base os dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2iD), do Ministério do Desenvolvimento Regional. Além disso, utilizou como modelo a regionalização usada pela Defesa Civil estadual, que divide o RS em nove Coordenadorias Regionais (CREPDECs), com sedes em Porto Alegre, Passo Fundo, Santa Maria, Pelotas, Santo Ângelo, Uruguaiana, Frederico Westphalen, Lajeado e Caxias do Sul. 

De 2017 a 2021, período no qual se contabilizou dados humanos, 4,44 milhões de pessoas em 482 dos 497 municípios do Estado foram afetadas por eventos naturais, que englobam fenômenos como estiagens, alagamentos, inundações e chuvas intensas. Nestes quatro anos, as perdas econômicas relacionadas às intempéries climáticas somaram em torno de R$ 22,9 bilhões, sendo 97,6% no setor privado e 2,3% do poder público.

Estes e outros aspectos estão presentes na publicação. Entre os registros mais comuns no período estão as estiagens e secas. De 2017 e 2021, 464 municípios do Rio Grande do Sul publicaram decretos sobre o assunto, em um total de 2.265 ocorrências que afetaram 1,91 milhão de pessoas direta ou indiretamente. As CREPDECs que mais apresentaram prejuízos por conta destes eventos foram as com sede em Santo Ângelo (CREPDEC 5), Santa Maria (CREPDEC 3), Uruguaiana (CREPDEC 6) e Frederico Westphalen (CREPDEC 7).

De acordo com o relatório, no período estudado, 444 municípios tiveram de dois a sete tipos diferentes de ocorrências de desastres. Já entre 2017 e 2021, os meses com mais número de ocorrências de desastres foram de junho a agosto e entre janeiro e fevereiro.

A geógrafa do Departamento de Planejamento da SPGG, Luciana Mieres, foi uma das pesquisadoras que participou do levantamento. Ela conta que, ao todo, seis profissionais trabalharam durante quatro meses para entregar a solicitação. A especialista relata que foi usado como base o escopo do Atlas Brasileiro de Desastres Naturais, publicado em 2013, uma referência nacional e que se aplica aos acontecimentos do Estado. Os desastres hidrológicos (alagamentos, inundações e enxurradas), meteorológicos (tornados, granizos, chuvas intensas, vendavais, geadas e ciclones), desastres climatológicos (estiagens e secas) e os desastres geológicos (movimentos de massa, como, por exemplo, os deslizamentos) são parâmetros contabilizados no estudo. 

O recorte utilizado, de 2003 a 2021, foi selecionado por ser um intervalo com registros oficiais disponíveis para acesso. “Nosso objeto foi o conjunto de decretos públicos de emergência e de calamidade pública emitidos pelos municípios e que foram reconhecidos e oficializados pela Secretaria Nacional de Desastres”, esclarece. Os decretos aprovados passaram por avaliação documental encaminhada pelo município, o que facilita a liberação de recursos para compra de materiais com objetivo de auxiliar no enfrentamento aos prejuízos dos desastres.

Luciana elucida que, teoricamente, cada decreto equivaleria a uma ocorrência, mas que essa correlação nem sempre é possível “Na prática, não temos como afirmar isso porque pode acontecer de dois municípios vizinhos serem afetados pela mesma inundação, por exemplo, e cada um emitir um decreto com o mesmo evento que atingiu os dois locais, mas vai ficar contabilizado uma ocorrência para cada município”, detalha. 

A pesquisadora acrescenta que a validade do decreto também pode dificultar essa contagem. “Esse decreto vai ter uma validade e se a situação de emergência continuar, será expedido novo decreto”, esclarece, ressaltando que não há como determinar a quantidade de decretos, mas sim a de ocorrências. 

Luciana explica que, na condição de pesquisadora, subsidia a secretaria no planejamento de políticas públicas, processo que se repetirá com o estudo. “A partir de novembro, começa a construção do plano plurianual, o PPA e a ideia do nosso departamento é aproveitar o estudo e levar a discussão para os órgãos que trabalham na questão de desastres naturais. A política pública é sempre elaborada pelo órgão, mas a SPGG subsidia com informações fundamentadas em metodologia”, diferencia. 

Documento deve ajudar em políticas para lidar com a escassez de água

O tema desastres naturais é o principal objeto de trabalho da Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Estado (Sema). A gestora da pasta, Marjorie Kauffmann, explica essa questão é da seara da Sema, mas foi alocada para a Defesa Civil por meio de um acordo. “Nós já temos acesso a essas mudanças climáticas regionais por meio de outros documentos, como os relatórios anuais produzidos pelo departamento de recursos hídricos da secretaria, que tem dados anuais de cheia e de estiagem”, relata. Essas informações são usadas para prever ações de execução de políticas públicas estaduais relacionadas à água, já que se identifica uma distribuição irregular de chuvas e calamidades oriundas da estiagens, situação que provoca danos econômicos e sociais. “Já trabalhamos com planos a curto, médio e longo prazo para solucionar e/ou minimizar os impactos da estiagem no RS”, afirma. Marjorie destaca que esse estudo ajudará a demonstrar as regiões com mais problemas, o que permite identificar os locais que podem necessitar de instrumentos de reservação macro, como grandes barragens de uso múltiplo para guardar água. “Dessa forma, podem ser utilizadas na agricultura, no abastecimento urbano, indústria e outros fins, já que hoje não temos grandes barragens com fim de armazenamento para momentos de estiagens”, relata.

A gestora disse que esse projeto já está em andamento desde o segundo semestre e que esse estudo vai agregar mais conhecimento. Além disso, esclarece que políticas relacionadas à falta de água passam pelo Estado, viabilizando a construção de reservatórios e açudes, por exemplo. Já a abertura de poços é por meio da Secretaria de Agricultura e Desenvolvimento Rural (Seapdr). O excesso de água é de responsabilidade municipal, assim como deslizamentos. “A drenagem integra o plano de saneamento municipal e é fundamental na implementação de loteamentos, definindo o escoamento da água e como vai chegar ao local”. 

Outra alternativa em vias de desenvolvimento é aplicar o estudo na construção de barragens nas regiões mais adequadas para atender diversos fins. “Hoje temos barragens privadas destinadas a um fim específico, como a agricultura”, realça. A gestora acrescenta que há um estudo para identificar as regiões capazes de aportar grandes barragens, com fins múltiplos, não apenas com um proprietário privado, mas capaz de dar segurança hídrica ao Estado. Atualmente, não há modelo instituído, mas Marjorie acredita que a viabilização seria pela parceria público-privada. 

Ela antecipa que pretende entregar em 2023 um documento mais completo, com dados extraídos de uma missão técnica de visita a Israel, uma vez que o país é especializado na reutilização e no aproveitamento ao máximo de água disponível diante da escassez hídrica. Além disso, um treinamento com o consulado americano, e outras pesquisas, devem amparar a consolidação desse plano de ações a curto, médio e longo prazo previsto para o ano que vem.

Políticas para a prevenção

Um cenário de alerta. Esta é a definição da advogada, consultora e especialista em Direito dos Desastres Fernanda Damacena sobre os resultados do estudo divulgado pela SPPG. A especialista chama a atenção para o alto número de ocorrências e de danos de seca e estiagem, fato que ela caracteriza como grave e critica a naturalização atribuída aos dois eventos. “São dois desastres naturais negativos”, pontua. Fernanda acrescenta que há um entendimento geral de que se é um desastre natural, não se tem o que fazer, o que ela contesta. “A maioria são previsíveis por meio de estratégia de gestão, de conhecimento do risco e do Plano Nacional da Defesa Civil”, pontua. 

Os dados do estudo Desastres Naturais do RS dialogam com outra pesquisa, publicada em abril de 2022. O Projeto Elos foi uma iniciativa da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec) e do Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR), no âmbito da Cooperação Técnica Internacional BRA/12/017- Fortalecimento da Cultura de Gestão de Riscos de Desastres no Brasil, por meio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). A implementação do projeto ocorreu através do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). O levantamento feito em 1.993 municípios brasileiros indicou as capacidades e necessidades dos órgãos municipais de proteção e Defesa Civil. A pesquisa utilizou três instrumentos de pesquisa: questionário on-line, respondido por 1.993 municípios; entrevistas em profundidade, realizadas com 31 municípios dos 26 estados brasileiros, além do Distrito Federal (DF); e grupos focais virtuais com 190 municípios. “Em termos de legislação, o tema evoluiu, mas em termos estruturais, é preciso ter mais capacitação e profissionalização das defesas civis”, constatou Fernanda, ressaltando que dessa forma o trabalho de atendimento à população será melhor.

Atento a esse panorama, o chefe militar e coordenador da Defesa Civil do Rio Grande Sul, Júlio César Rocha Lopes, destaca que a origem do estudo gaúcho vem da necessidade de uma atualização e mensuração dos dados mais qualificada. “Assim, a cada evento adverso que acontecer em uma região do Estado, nós, como ente público, poderemos planejar melhor as políticas públicas estaduais, incentivando uma cultura de prevenção”, disse. Outro objetivo é levar essa informação aos municípios para que possam organizar os planos municipais com mais precisão. 

“Por exemplo, uma prefeitura tem verba para inundação, mas não é esse o problema do local e, sim, granizo, vendaval. Com posse desse dado, facilitará a organização do orçamento”, explica. Lopes afirma que, de um modo geral, as defesas civis municipais do Estado têm uma estrutura capaz de atender as demandas da sua competência. No próximo ano, há a previsão de fazer um seminário para debater essa situação: “Para aprimorar constantemente o trabalho e aperfeiçoar a execução das fases da Defesa Civil, que é prevenção e preparação”.

Seca e estiagem somam 84,99% dos danos

O estudo do Estado avaliou seis eventos naturais e mostrou que o parâmetro estiagens e secas disparou em relação aos demais, com 2.265 ocorrências. No período total da análise, de 2003 a 2021, foram atingidos 464 municípios, com destaque para as regionais de Passo Fundo, Santa Maria, Santo Ângelo, Uruguaiana, Frederico Westphalen e Lajeado. O cálculo dos danos humanos foi feito apenas no período de 2017 a 2021, quando 1.918.999 pessoas foram atingidas por seca e estiagem.

Nos 17 anos do estudo, deslizamentos e outras movimentos de massas tiveram quatro ocorrências, nas regionais de Porto Alegre e Lajeado. Já as inundações somaram 256 ocorrências em 133 municípios e as regionais afetadas foram de Porto Alegre, Frederico Westphalen e Lajeado no período total. Nos quatro anos do cálculo de danos humanos, 35.294 pessoas foram atingidas.

As enxurradas registraram 801 ocorrências em 324 municípios, atingindo as regionais de Porto Alegre, Passo Fundo, Santa Maria, Frederico Westphalen e Lajeado. De 2017 a 2021, 7.993 pessoas foram afetadas. O granizo contabilizou 281 ocorrências em 207 municípios em 17 anos, com mais ênfase nas regionais de Porto Alegre, Passo Fundo, Santa Maria, Santo Ângelo, Frederico Westphalen, Lajeado e Caxias do Sul. No últimos quatro anos, 3.392 pessoas foram atingidas. Os vendavais causaram 419 ocorrências em 271 municípios, com destaque nas regionais de Porto Alegre, Passo Fundo, Santa Maria, Santo Ângelo e Frederico Westphalen. Foram contabilizadas 15.160 pessoas afetadas. 

No total, identificou-se 4.446.284 pessoas atingidas por desastres naturais em 482 municípios. A estiagem e seca causaram 84,99% do total de danos, especialmente, nas regionais de Santo Ângelo, Santa Maria, Uruguaiana e Frederico Westphalen. Houve mais desastres nas regionais de Passo Fundo e Frederico Westphalen. Os danos humanos predominam nas regionais de Porto Alegre e Lajeado e os danos materiais em Uruguaiana e Lajeado. 

Alguns pontos da pesquisa do Diagnóstico Brasil

  • 30% das 1.993 defesas civis municipais entrevistadas não têm computador.
  • 67% não têm viaturas.
  • 68% não têm acesso a softwares.
  • 53% não dispõe de celular com acesso à Internet para comunicar ações de proteção e defesa civil.
  • 28% afirmaram ter orçamento próprio.
  • Monitoramento, mapeamento e alertas de riscos são os temas de maior interesse para capacitação.
  • A lotação de 49% das defesas civis ocorre no gabinete do prefeito.
  • Para ações de comunicação, 56% utilizam redes sociais.
  • Apenas 9% oferecem cursos aos Núcleos Comunitários de Proteção e Defesa Civil (NUPDEC).
  • Somente 9% possuem parcerias formalizadas com outros municípios.
  • A maior parte (69%) dos participantes afirma que existe legislação municipal sobre defesa civil ou gestão de risco de desastres.

 

 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895