Games podem divertir, ser úteis e viciar

Games podem divertir, ser úteis e viciar

Depois que a OMS indicou o distúrbio em jogos eletrônicos como problema de saúde mental, jogar deixou de ser uma simples brincadeira

Os jogos eletrônicos mobilizam escolares e acadêmicos. Distraem, podem servir como meio de aprendizado, são ótimas ferramentas auxiliares de ensino, mas exigem cuidados

Por
Maria José Vasconcelos

Os games de entretenimento, com 40% do total desenvolvido; os jogos educativos, com 30,1%; e os de treinamento corporativo, 15,4%, despontam entre os mais produzidos atualmente no país. Com atividade em expansão, o Brasil já movimenta o maior mercado de games da América Latina e tem diversificado oportunidades de emprego. Útil como lazer, ensino, serviço ou para capacitações em várias áreas profissionais, os games trazem também importante alerta sobre o seu uso e cuidados.

Na educação, os jogos digitais mobilizam escolares e acadêmicos. Na Escola de Educação Básica da URI Erechim, alunos do Ensino Médio participaram, em setembro em outubro últimos, na cidade, de um minicurso sobre “Desenvolvimento de Jogos Eletrônicos”. No trabalho, o professor Daniel Menin Tortelli, do curso de Ciência da Computação, demonstrou, através de momentos interativos, os principais processos envolvidos na criação de jogos.

Daniel considera que “os jogos eletrônicos são divertidos, podem servir como meio de aprendizado, são excelentes ferramentas auxiliares de ensino e, ainda, uma opção de carreira para se trabalhar. É uma área que requer muita dedicação e conhecimento, não só artístico, mas também técnico”.

Utilidade

Para além do educativo, cinco professores da Universidade Feevale, em Novo Hamburgo, estão envolvidos em projeto de tecnologia aprovado pela Secretaria Estadual de Inovação, Ciência e Tecnologia, por meio do edital Techfuturo 03/2022. Em parceria com o Grupo Hospitalar Conceição (GHC) e a empresa SKA Automação de Engenharia, o trabalho envolve a criação de um jogo voltado a crianças com problemas respiratórios. O game “Play Blow na Fisioterapia: um jogo virtual para auxiliar crianças em exercícios ventilatórios” busca valer-se de jogo virtual, com animações lúdicas, para auxiliar as crianças a realizarem atividades de respiração. O objetivo é a melhoria da capacidade pulmonar e de educação ventilatória, ajudando em ações como cantar, nadar, entre outras. O professor do curso de Ciência da Computação da Feevale, Juliano Varella de Carvalho, coordenador dessa atividade, assinala a intenção em favorecer a aprendizagem por meio de situações reais, sendo um projeto construído a diversas mãos, “que se caracteriza por aplicar ciência e tecnologia para a solução de problemas reais e urgentes”. 

Outro jogo de apoio à saúde, desenvolvido pela Feevale em parceria com órgãos públicos e empresas privadas, é o Educa+Saúde. Essa produção integra inovação no setor, em interface com jogos digitais. Aborda a temática do câncer infantil, focando na prevenção e cuidados para apoiar profissionais de saúde e professores no reconhecimento de possíveis sintomas de câncer infantil.

Saúde Mental

Neste novo cenário, é importante perceber quando a diversão vira doença ou deixa de útil e passa a prejudicar. A 7ª Pesquisa Game Brasil, em 2020, aponta que 73,4% dos brasileiros dizem jogar jogos eletrônicos (crescimento de 7,1% em relação a 2021). E jovens de 16 a 24 anos representam 32,5% deste público. 

Depois que a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu o distúrbio em jogos eletrônicos como um problema de saúde mental, jogar deixou de ser uma simples brincadeira. Pela nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, a CID-11 – vício em jogos eletrônicos – entrou para a lista de distúrbios de saúde mental como “Distúrbio de Games” (gaming disorder). A OMS definiu essa patologia como um “padrão de comportamento persistente ou recorrente”, com gravidade suficiente para comprometer as áreas de funcionamento pessoal e social.

Estudo publicado no Jornal de Psiquiatria de Austrália e Nova Zelândia indica que quase 2% da população mundial (cerca de 154 milhões de pessoas) sofre de gaming disorder. Até 2023, o mercado de games prevê alcançar US$ 200 bilhões em faturamento no mundo. E conforme a Game Brasil, consultoria especializada no mercado digital, 7 em cada 10 brasileiros afirmam que jogam games eletrônicos.

Para Danielle H. Admoni, da Associação Brasileira de Psiquiatria, a dependência acaba gerando um colapso geral. “É como se o jogo tivesse se tornado a prioridade em sua vida, tanto que a pessoa não só prejudica o desempenho escolar, como se afasta de amigos e familiares. Em um nível mais grave, o jovem se isola no quarto, esquece de comer, deixa de tomar banho e fica noites em claro jogando”. Daí a importância de ficar atento às atitudes e mudanças possivelmente ocasionadas pelo distúrbio (box).

Como tratamento, a ajuda da família deve ser baseada no bom senso, pois apenas proibir os jogos só agravará os sintomas. “Outros erros comuns são julgar, criticar e até compará-lo com um irmão que não tenha o mesmo problema. O caminho é tentar trazer racionalidade, mostrando os prejuízos que o excesso de jogos está gerando, como notas baixas na escola. A partir daí, negociar o tempo nos games e estimular outras atividades que foram preteridas, fazendo com que o jogo vá perdendo a importância afetiva”, aconselha a especialista Stella Azulay. 

Caso o vício esteja em um nível bastante avançado, será difícil que o jovem promova mudanças sozinho. “Se ele define um limite para jogar, mas nunca consegue cumprir, o sofrimento cresce. Então, essa é a hora de buscar uma ajuda profissional, antes que o quadro se agrave”, considera. Para Stella, o reconhecimento do vício em games como um distúrbio mental é um importante salto para tomar medidas de prevenção e tratamento.

Alertas

Para poder acompanhar casos de uso excessivo em games e que vão se agravando, especialistas apontam sinais, como:

• Jogar ininterruptamente, sem noção de horário.

• Deixar de fazer atividades escolares para jogar.

• Faltar frequentemente às aulas por ter passado parte da noite jogando.

• Deixar de sair ou se divertir com amigos e familiares para jogar.

• Estar constantemente cansado e com sono.

• Mostrar-se irritado, agitado e angustiado, quando está afastado do jogo. Inclusive, esse pode ser um sinal importante, que configuraria abstinência.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895