Gestão será decisiva no plantio da soja

Gestão será decisiva no plantio da soja

Produtores do Rio Grande do Sul, ainda sob os impactos das perdas sofridas pela cultura em razão da estiagem na 
safra 2021/2022, planejam a semeadura levando em consideração os custos altos e o recuo na cotação da commodity

Por
Patrícia Feiten

A menos de um mês do início do plantio da soja, o Rio Grande do Sul se prepara para semear 6,5 milhões de hectares de lavouras na temporada 2022/2023. A área destinada à principal cultura de verão do Estado aumentará 3,16% em relação à safra passada, de acordo com a Emater/RS-Ascar, e a colheita esperada é de 20,5 milhões de toneladas da oleaginosa, turbinada por um salto de 112,68% na produtividade, que deve atingir a média de 3.131 quilos por hectare. Ainda sob o trauma da estiagem que devastou a última safra de verão, os agricultores gaúchos planejam o novo ciclo com o foco em uma equação difícil de resolver – de um lado, custos ascendentes; de outro, o recuo das cotações do grão, que em junho voltaram a romper a marca de R$ 200,00 por saca e hoje oscilam em torno de R$ 180,00.

“É a safra da gestão”, resume o diretor técnico da Emater/RS-Ascar, Alencar Rugeri, enfatizando a palavra-chave que pode determinar se os produtores encerrarão a próxima safra no azul ou no vermelho. “O custo dos insumos é o grande gargalo hoje.” O vice-presidente da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Elmar Konrad, reforça a percepção de Rugeri com um exemplo prático. “Para financiar uma lavoura hoje, estamos gastando de R$ 4,6 mil a R$ 6 mil, dependendo da tecnologia”, estima Konrad, que recomenda aos agricultores cautela nos investimentos no campo. 

Para o dirigente, a escalada dos custos da lavoura preocupa porque não foi acompanhada pela oferta de crédito rural no âmbito do Plano Safra 2022/2023. No programa federal, os limites de renda bruta para enquadramento dos produtores nas linhas de financiamento subsidiadas do Pronaf e do Pronamp foram mantidos em R$ 500 mil e R$ 2,4 milhões anuais, respectivamente. “Estamos com o dobro de custos e preços da soja estabilizados. É um ano diferente, em que o produtor tem de fazer uma gestão (eficiente), escalonar o plantio, escalonar as variedades”, diz Konrad.

Um levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) projeta que o Custo Operacional Efetivo (COE) para a região de Carazinho, por exemplo, aumentará 48% na safra 2022/2023 em relação à temporada anterior. No cálculo do indicador, são consideradas todas as despesas variáveis que entram na contabilidade de um ciclo agrícola, como insumos e mão de obra. Mas a alta, segundo o pesquisador Mauro Osaki, é impulsionada principalmente por fertilizantes, defensivos agrícolas e operação mecânica, cujos valores subiram 69%, 66% e 32%, respectivamente, no período analisado.

Compare os custos

Um estudo do Cepea/Esalq mostra que, entre os principais países produtores de soja, o Brasil foi o que apresentou o maior custo de produção na média de cinco safras:

País Custo por hectare*

  • Argentina: US$ 269,3

  • Brasil: US$ 551,8

  • EUA: US$ 508,3

  • Ucrânia: US$ 315,5

*Custo Operacional Efetivo (COE) médio
da produção de soja em cinco ciclos, de 2016/2017 a 2020/2021. Valores
pesquisados em fazendas da Argentina,
do Brasil, dos EUA e da Ucrânia

 

Ainda assim, o produtor poderá esperar um resultado positivo na nova safra, diz o pesquisador, tomando como referência o preço médio da saca de soja no primeiro semestre deste ano, de R$ 183,85, e uma produtividade média de 61 sacas por hectare. “O saldo final já deve pagar a quebra de renda registrada na safra 2021/2022”, afirma Osaki.

O presidente da Associação dos Produtores de Soja do Rio Grande do Sul (Aprosoja-RS), Décio Teixeira, observa que o Brasil tem custos de produção mais elevados que outros países produtores de grãos, realidade demonstrada em outro estudo do Cepea. Em cinco safras analisadas no levantamento do centro de pesquisa, o custo médio da lavoura brasileira foi quase o dobro do verificado na Argentina e 7,8% superior ao dos Estados Unidos (veja quadro). Entre as despesas que hoje representam os maiores fatores de pressão sobre os agricultores, Teixeira destaca o peso do arrendamento de terras. “Causou muito problema nesta safra, em que não se colheu. Muitos não tiveram como honrar os compromissos”, diz Teixeira.

O quadro externo

Há ainda um quadro externo que dificulta o trabalho dos agricultores, representado pela guerra entre a Rússia e Ucrânia e pelas incertezas com relação ao desempenho econômico da China, segundo o dirigente. Principal comprador da soja brasileira e grande exportador de produtos industrializados, o país asiático lida com novas restrições devido à pandemia de Covid-19 e enfrenta uma seca histórica, que vem causando apagões de energia e paralisação de fábricas. Teixeira, no entanto, é otimista quanto ao retorno do Rio Grande do Sul aos patamares históricos de produção de soja. “O produtor vem preparando melhor as terras, trazendo culturas que façam a cobertura de solo. Isso, se o tempo ajudar, vai aparecer na produção”, avalia.

Para o pesquisador José Salvador Foloni, da Embrapa Soja, o cenário atual reforça a importância da adoção de boas práticas agronômicas como forma de não apenas mitigar prejuízos, mas também reduzir o uso excessivo de insumos – uma meta que gera impacto positivo para a contabilidade rural e para o meio ambiente. O receituário inclui ferramentas preventivas que estão ao alcance de todos os produtores, como programas de manejo de solo, escolha de cultivares específicas para cada região, realização da semeadura nos períodos recomendados e monitoramento de condições fitossanitárias das lavouras, entre outros. “Os resultados dessas tecnologias de longo prazo aparecem principalmente em anos de adversidade climática e aparecem também reduzindo custos”, diz Foloni.

O pesquisador lembra que, nas últimas duas décadas, o Rio Grande do Sul praticamente dobrou a área cultivada com soja, que superou os 6,3 milhões de hectares na última safra. “Esse conjunto de tecnologias tem permitido que a sojicultura avance em termos de produtividade e extensão de área (no país)”, observa.

Gestão será decisiva no plantio da soja

Um levantamento da consultoria StoneX, intitulado Raio-X da Safra Verão de Grãos 2022/2023, prevê redução de 7,2% no consumo nacional de fertilizantes neste ano, que deve ficar em 42,6 milhões de toneladas, após um recorde histórico de entregas verificado em 2021. De acordo com o relatório, a queda esperada se deve ao aumento dos custos dos produtos e à piora nas relações de troca para os agricultores. No caso da Região Sul, o sojicultor, que gastou em média R$ 1,3 mil por hectare com adubação na safra passada, precisará de um investimento cerca de 60% maior no próximo ciclo para adquirir a mesma quantidade de nutrientes, calcula a consultoria. 

Tanto em termos nacionais quanto regionais, porém, a StoneX traça uma perspectiva otimista para a nova safra. Para o Rio Grande do Sul, o relatório da consultoria estima a produção de 22,44 milhões de toneladas de soja, com o plantio de 6,6 milhões de hectares. Uma projeção conservadora, observa a economista Sílvia Bampi, se consideradas as previsões de que o fenômeno La Niña terá pouco impacto no regime de chuvas no próximo verão e a expansão da sojicultura em áreas destinadas às lavouras de arroz. “O Rio Grande do Sul pode ultrapassar esses patamares. A gente vê um crescimento significativo da área de soja, muito pela região sul do Estado. Estamos falando em quase 300 mil hectares a mais”, destaca Sílvia.

Travar preços é melhor a estratégia para garantir rentabilidade ao produtor, mas prática avança pouco no Rio Grande Sul, onde, segundo a StoneX, apenas entre 2% e 3% da safra atual já foram comercializados no mercado futuro.  Foto: Shutterstock / CP.

Nesse cenário, a escalada dos insumos, que se agravou com o conflito entre Rússia e Ucrânia, iniciado em 24 de fevereiro deste ano, exigirá mais eficiência na comercialização da produção por parte do agricultor, diz a analista da StoneX. Isso porque a expectativa de colheita recorde no Brasil, somada ao ingresso da safra norte-americana no mercado, aponta para uma recomposição da oferta mundial da oleaginosa e uma possível retração das cotações da commodity. “Poderemos ver um cenário de preços diferente em 2023, com um alto custo (de produção), e isso pode afetar a margem do produtor”, avalia Sílvia. 

A estratégia recomendada para escapar de flutuações de preços e salvaguardar a rentabilidade da lavoura, segundo a economista, é a negociação antecipada da soja, com travamento de preços no mercado futuro. Poucos agricultores, porém, estão recorrendo à alternativa. “Em termos de Rio Grande do Sul, posso considerar que de 2% a 3% já foi comercializado. Nos preocupa o fato de que o percentual de quem fez esse travamento de margem é infinitamente menor do que foi nos últimos anos”, compara Sílvia.

Menos arroz, mais soja

  • De acordo com o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga), que pesquisa as intenções de plantio dos agricultores gaúchos, a área plantada com arroz deverá diminuir 10% na safra 2022/2023 na comparação com o ciclo passado, totalizando 862.498 hectares. Em contrapartida, o cultivo da soja terá um avanço de 19,7% nas terras baixas gaúchas, o que representa um incremento de 505.043 hectares.

 

Oferta global maior

  • Em seu último relatório, divulgado em 12 de setembro, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) projeta uma produção de 119,16 milhões de toneladas de soja no país. Em termos mundiais, o relatório prevê uma colheita total de 389,77 milhões de toneladas. Para o Brasil, a estimativa é de 149 milhões de toneladas do grão na safra 2022/2023.

  • A projeção se aproxima da estimativa divulgada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no último dia 6 para a próxima temporada, no relatório Perspectiva para a Agropecuária 2022/23. A companhia aposta em um recorde de 150,36 milhões de toneladas, das quais 22,35 milhões deverão virão do Rio Grande do Sul.

 

Calendário

  • O período da semeadura estabelecido pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para o Rio Grande do Sul se estende de 11 de outubro deste ano a 28 de fevereiro de 2022.

  • Pelo segundo ano, o plantio ocorre após o período de vazio sanitário determinado pelo Mapa em 20 estados brasileiros durante a entressafra do grão, com o objetivo de combater a doença da ferrugem asiática.

 

La niña

  • Em comunicado divulgado no dia 31 de agosto, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) alerta para a probabilidade de um episódio triplo do La Niña, caracterizado pelo resfriamento das águas superficiais do Oceano Pacífico. De acordo com a agência das Nações Unidas, o fenômeno, que teve início em setembro de 2020, deve se estender até o final do ano, com 70% de chances de ocorrer de setembro a novembro e 55% de dezembro a fevereiro. Se confirmadas essas previsões, 2022 marcará o terceiro ano consecutivo no qual o La Niña é observado e a primeira vez que um episódio triplo do ocorre neste século.

 

Aperto nas contas não vai intimidar investimentos

No noroeste do Rio Grande do Sul, “safrinha” é um termo que engana os desavisados. Beneficiados pelas condições de microclima tropical, sem geadas tardias, produtores da região conseguiram uma façanha agrícola nas últimas duas décadas ao consolidar dois cultivos de soja a cada verão. O primeiro plantio ocorre em novembro e dezembro, e o grão é colhido nos primeiros meses do ano seguinte. Em janeiro, após a colheita do milho precoce, as plantadeiras voltam ao campo fora do período de zoneamento climático para lançar as sementes da segunda safra, que foi ganhando status como alternativa de renda das propriedades. 

Tarimbado nesse sistema de rotação de culturas, o produtor Everton Joel Behrenz, de Tiradentes do Sul, prepara-se para a semeadura da soja em uma área de 400 hectares no ciclo 2022/2023, sendo 280 hectares na primeira safra e 180 na safrinha do grão. Na primeira etapa, a estratégia de manejo planejada é distribuir o plantio ao longo de 45 dias, de 10 de novembro a 15 de dezembro, reduzindo os riscos de perda de produtividade com eventuais problemas climáticos. “Vamos tentar escalonar o máximo possível para fugir da estiagem”, explica Behrenz. 

Behrenz, de Tiradentes do Sul, diz que não reduzirá gastos com adubação e ampliará uso de cultivar resiste ao estresse hídrico e ao uso do Dicamba.  Foto: Arquivo Pessoal / CP.

A cautela é justificada. Na última safra, as lavouras da região amargaram perdas de 80% em razão da seca, e o agricultor, que costumava colher de 60 a 65 sacas de soja por hectare, viu a produtividade da primeira safra despencar ao patamar de 10 a 12 sacas por hectare. “O que corrigiu bastante a média foi a safrinha, que foi plantada em janeiro. Choveu bem, aí elevou a média a 40”, relata Behrenz. Para o produtor, a próxima safra de verão representa a chance de recuperar os prejuízos do último ciclo. Enquanto trabalha na colheita do trigo na propriedade, ele monitora o mercado na expectativa de uma trégua mais significativa nos preços dos fertilizantes nas duas próximas semanas. “Estamos esperando o melhor momento (para comprar). Para as três culturas – trigo, soja e milho –, este foi o ano do plantio mais caro da história”, diz.

Na safra de inverno, Behrenz reforçou o uso de biofertilizantes, como inoculantes solubilizadores de fósforo, para conter os gastos com adubos químicos. Mesmo com a disparada dos preços, ele diz que não pretende reduzir a adubação no plantio da soja. Entre as medidas para garantir o sucesso da safra, ele deve ampliar o uso de uma cultivar com a tecnologia Xtend® – tolerante ao herbicida Dicamba –, desenvolvida pela Embrapa em parceria com a Fundação Meridional e já testada na lavoura no último verão. “A gente está sempre correndo atrás de novas tecnologias. Estamos tentando implantar pouco a pouco. Ela (a semente) comprovou ser mais resistente a estiagem”, afirma.

Foto: Shutterstock / CP.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895