Histórias dos 95 anos de corporação no RS

Histórias dos 95 anos de corporação no RS

Personagens de diversas gerações da Polícia Rodoviária Federal

Por
Felipe Samuel

Responsável pela segurança, fiscalização, patrulhamento e policiamento ostensivo de 75 mil quilômetros de rodovias e estradas em todo o Brasil, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) completa 95 anos de atividades nesta segunda-feira. Fundada em 24 de julho de 1928 pelo presidente Washington Luiz – cujo lema de governo era justamente “governar é construir estradas” –, a então “Polícia de Estradas” nasceu com o objetivo de proteger os usuários do modal rodoviário.

A modernização da corporação, na década de 70, acompanhou as mudanças da sociedade brasileira. Em 1971, ou seja, 43 anos depois da sua fundação, seu nome foi alterado para Polícia Rodoviária Federal, período em que ainda estava vinculada ao antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). A Constituição de 1988, no entanto, representou um verdadeiro divisor de águas nas atribuições da corporação, que passou a fazer parte do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Com a mudança, principalmente nos últimos 30 anos, o governo federal passou a investir na compra de equipamentos e viaturas, o que deu início a um processo de transformação e melhorias. 
Uma parte da história da instituição no Rio Grande do Su é contada por personagens de diversas gerações da PRF, desde veteranos que ingressaram a partir da década de 70 e já estão aposentados até os que passaram recentemente em concurso.

Aos 74 anos, Venito Osmar Rodrigues recorda com alegria dos 26 anos que trabalhou nas rodovias gaúchas. Rodrigues entrou na PRF em 2 de maio de 1973. No RS, serviu em cidades como Alegrete e São Leopoldo. No Paraná, atuou em Foz do Iguaçu. Aposentou-se em novembro de 1998. Mesmo pressionado pela família a parar de trabalhar, ele deu um jeito de permanecer ligado à PRF. Atualmente, é vice-presidente do Sindicato dos Policiais Rodoviários Federais (SINPRF). “Já estou aposentado há um bom tempo e ainda continuo a fazer a coisa que gosto na minha vida, que é ser um policial rodoviário federal”, afirma, acrescentando que a profissão é uma “cachaça na nossa vida”. “A gente não tem vontade de sair, tem que sair porque é casado, tem filhos, netos. Isso te induz a pensar na família. Quando estávamos na ativa, não vimos nossos filhos crescer. Depois as filhas tiveram seus filhos. E agora, como sou muito cobrado pela família, sou obrigado a ficar um pouco em casa”, admite.

Entre as principais mudanças, Rodrigues destaca as melhorias de condições das trabalho e as diferenças entre a sua geração e a atual. No passado, os policiais utilizavam viaturas precárias, que muitas vezes precisavam de manutenção no meio da estrada. “Antigamente, a gente tinha fazer uma vaquinha entre nós para pagar borracheiros e eventuais consertos da parte elétrica.” Em muitos casos, a solução era recorrer a conhecidos. Às vezes a polícia não tinha condições financeiras para pagar os consertos de pneus. “A gente puxava um troquinho do bolso, porque os caras não podiam trabalhar de graça”, revela.

Rodrigues afirma que os acidentes de trânsito envolvendo crianças estão entre as lembranças mais tristes. “A coisa que mais me marcou na vida, e guardo isso até hoje, foi quando atendia acidente e as crianças eram as mais vitimadas. A gente sofria muito, chegava em casa muito triste, porque tinha acontecido aqui na zona de Niterói, na praça do Avião, em Canoas, onde cansamos de atender acidentes que envolviam crianças. Uma vez atendi um acidente que tinha cinco vítimas, três eram crianças”, lembra. 

Para o policial rodoviário federal Luiz Vanderlei Burtet, 70 anos, a PRF representa uma família. Ele ingressou na corporação em 1979. Se aposentou em 11 de abril de 2001. Para Burtet, a partir da Constituição de 1988, a PRF iniciou uma série de melhorias. “Tivemos que brigar para conseguir assinaturas para colocar um projeto de lei incluindo a PRF no capítulo da Segurança Pública. Ali foi o pontapé para a gente passar para o Ministério da Justiça, porque a gente estava fora. Ia ser só as polícias estaduais e as polícias federais de Brasília. Dos policiais rodoviários não falavam nada”, observa.

Com mais investimentos, a corporação começou a realizar concursos sob o comando do Ministério da Justiça. Em 1994, Burtet foi monitor da primeira turma de aprovados. “Estava 12 horas por dia com eles”, destaca. Burtet afirma que aqueles jovens tinham ambição de crescer na profissão. “Já tinham segundo grau completo. Hoje é preciso curso superior”, completa.

Juntos na vida e no trabalho com os cães

De olho no futuro, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) mantém a renovação do efetivo. Na companhia de policiais mais experientes, a nova geração começa a escrever um novo capítulo. Prestes a completar três anos na corporação, Rafaela Alban Cruz e Filipe Líbio Feula simbolizam esse novo momento. Em 2020, durante a pandemia de Covid-19, o casal foi aprovado no concurso para a PRF. E quis o destino que os dois acabassem trabalhando no mesmo lugar: no Grupo de Operações com Cães.

Rafaela, 34, ressalta que os dois estão juntos há dez anos. “A gente foi moldando o nosso caminho até decidir fazer concurso para PRF. Deu a sorte que a gente passou no mesmo concurso, a gente fez o mesmo curso de formação, caímos na mesma unidade operacional e dividimos a viatura. Eu sempre quis vir para o canil, era meu objetivo desde o início. Ele queria mais o Núcleo de Operações Especiais, só que eu vim para o canil antes e ele começou a frequentar e gostar muito.”

No período, ela afirma que Feula concluiu cursos para poder atuar no mesmo local. Seis meses depois a gente conseguiu puxar ele para cá”, destaca. No oitavo mês de gravidez, o casal aguarda pela chegada de Cauê. Ao falar dos desafios de trabalhar no mesmo local, ela se diverte. “No trabalho a gente está trabalhando. E em casa a gente está trabalhando e a vida se confunde muito. O pessoal participa muito da nossa vida aqui, a gente acaba extravasando um pouco. Então é tudo a mesma coisa, tanto que na folga a gente vem para cá os dois juntos”, afirma. 

Apesar do trabalho conjunto e reconhecer que a vida se confunde bastante, ela garante que os dois se dão bem. “Adoro dividir a viatura com ele porque é uma conexão além do coleguismo. Me sinto muito segura com ele e ele sente seguro comigo, mas, agora, por um bom tempo a gente não vai dividir mais a viatura.” Sobre a escolha da profissão, ela reconhece que nunca sonhou em ser policial, uma vez que se formou em Direito. “Gostava da área penal, queria trabalhar nessa área. Minha carreira sempre foi voltada para isso, mas eu nunca pensei em ser policial.”

Conforme Rafaela, aos poucos a vontade de fazer parte da PRF foi despertando. “A PRF parecia que era para ser, que era para acontecer na nossa vida, porque ela surgiu e a gente se apaixonou. Ainda rodei no primeiro teste físico e não recorri, porque de fato não conseguia fazer a barra (exercício). Eu não conseguia fazer a barra, mas continuei treinando porque eu tinha já decidido pela carreira policial. Alguém recorreu da prova e todo o Brasil reaplicou teste para as mulheres que tinham rodado na barra”, lembra. 

“Uma pessoa que conheci no teste ‘me catou’, no Facebook e veio me avisar, porque eu tinha parado de acompanhar o edital e o Líbio também. Não estava acompanhando porque ele achou que a gente tinha ficado no excedente e que não iam nos chamar. Essa menina me avisou. Daí fui fazer o teste e passei”. Ela garante que passar no concurso foi bem difícil. “Parecia que era para ser. E hoje a gente se sente 100% realizado, para a gente isso aqui é uma satisfação, dedicação 100%.”

Resgatando a história da corporação

Com 29 anos de caserna completados em julho, Alessandro Castro da Silva brinca que tem mais tempo dentro da PRF do que fora. Aos 50, relembra dos tempos difíceis de quando ingressou na corporação, em 1994. “Tínhamos uma estrutura muito pequena, não existia colete, botina, boné para gente usar, as viaturas eram antigas e as unidades operacionais eram também ultrapassadas, não tinha estrutura física”, observa.

Com o passar do tempo, os novos policiais começaram a buscar por melhorias. “Nossa turma foi brigando, brigamos para melhorar a estrutura física, a questão também de valorização salarial, de respeito à profissão. Éramos servidores ingressando com o Ensino Médio. A maioria aproveitou para estudar, a maioria se formou. E, com o passar do tempo, brigamos para que só ingressassem pessoas com Ensino Superior. Hoje só entram pessoas com curso superior. Isso valorizou mais o salário”, diz.

Ele lembra do tempo em que eram chamados de guardas. “Nos tornamos policiais efetivamente na fiscalização do trânsito, na preservação da vida, prevenção de acidentes e também no combate ao crime.” Com a experiência de quem trabalhou por muito tempo na comunicação social da PRF, Alessandro observa mudanças nas ocorrências nos últimos anos. “Era raro pegarmos alguém transportando maconha. Hoje toda semana a gente tem apreensões de maconha, cocaína e outros crimes que estão circulando nas rodovias a partir desse aprimoramento do trabalho, de investimento no servidor e em tecnologia”, frisa.

A evolução das viaturas é destacada. “Antigamente estragava e o policial tinha que bater em um mecânico e pedir para consertar para gente. Tinha que pedir favores porque não tinha estrutura de manutenção veicular, por exemplo, uma coisa simples hoje em dia. O policial que está entrando hoje não se dá conta disso, que tem uma estrutura de manutenção para ele. Estragou o carro, ele avisa o colega responsável e o carro é consertado”, compara. “Tínhamos que correr atrás para botar o carro em funcionamento.” 

Em algumas situações, os policiais tinham que pagar o conserto do próprio bolso. “Fazíamos uma vaquinha para comprar um pneu novo para aquela viatura rodar, porque senão ficava parada a viatura e os policiais não iam trabalhar. Outra evolução, por exemplo, é o sistema de câmeras. Não tinha sistema de câmeras. Hoje temos um monitoramento da BR-116 maravilhoso em parceria com as concessionárias. O serviço também evoluiu. Antes tinha que atender o acidente, o ferido e prender o responsável, o embriagado, por exemplo. Hoje tem serviço de resgate que apoia o policial”, afirma.

Conforme Alessandro, os policiais utilizavam macas dentro das viaturas para transportar acidentados. “Eles não usavam luvas. A pessoa ensanguentada, colocavam na maca precária que tinha em uma viatura, pois não era feita para aquilo, levava para o hospital, e depois tinha que lavar com mangueira. Era uma diferença absurda, desempenhávamos várias funções ao mesmo tempo, como socorrista, policial, responsável pela sinalização do trânsito e ajudar as pessoas perdidas, porque não existia o serviço de mapeamento como hoje tem no celular. Os nossos postos eram referência”, destaca.

Para tentar contar parte da história da corporação, Alessandro está fazendo uma pesquisa que vai resultar em livro: “A história da PRF a partir das histórias dos policiais rodoviários”. “Tem policiais que têm menos tempo de idade do que tenho de polícia. Eles não sabem o que a gente passou. E nem eu sei muitas vezes o que um aposentado passou antes de eu entrar. Estamos fazendo uma pesquisa histórica para resgatar a história da PRF e também entrevistando aposentados para colher histórias deles.”

Exemplo de família

A influência familiar foi determinante para que Adriano Castro da Silva optasse pela carreira na PRF. Na adolescência, Adriano se acostumou a frequentar uma unidade da PRF em Porto Alegre na companhia do irmão mais velho, Alessandro. O convívio resultou no ingresso para a corporação em 2005. Aos 42, ele vai completar 18 anos na PRF. “Conheci a atividade dele desde criança, quando o Alessandro veio trabalhar em Porto Alegre. Quando vinha visitá-lo, acabava passando a tarde na PRF, no Centro de Porto Alegre.”

Por volta dos 15 anos, ele conheceu a atividade policial. E jogava futebol com os policiais antigos. “Falei para o instrutor que a principal motivação para entrar na Polícia é porque conhecia a atividade policial através do meu irmão. O que me motivava era poder ajudar o próximo, servir aos cidadãos e a possibilidade de socorrer, atender e melhorar a qualidade de vida do cidadão”, revela. A dinâmica na PRF é um dos fatores que contribuíram para a escolha da carreira. “Não queria ficar dentro de escritório. Cada plantão é de uma maneira.”

Apesar da escolha, ele e Alessandro realizaram poucas atividades operacionais em conjunto. Em sua trajetória na corporação, Adriano cita os cinco anos em que trabalhou em uma unidade operacional na ponte móvel do Guaíba. “Foi uma experiência ampla, por conta da peculiaridade da região, que é muito pobre. A PRF atua em rodovia federal, quem tem carro são pessoas que têm posses. Ali não, atuava em uma região paupérrima e me deparava com ocorrências de pessoas muito necessitadas. Socorríamos pessoas que necessitavam de cirurgias de urgência.” 

Hoje, Adriano atua como chefe do setor de Gestão Operacional da PRF, em uma área relacionada à parte de planejamento financeiro e operacional. “A gente passa mais tempo no trabalho do que em casa. Não tem como falar do Adriano sem falar da PRF, gosto do que faço.” Ele garante que o exemplo do irmão foi decisivo. “Se não fosse meu irmão, nem sei se faria parte da PRF”, conclui.

Mesmo sem incentivar, Adriano percebe que os filhos já observam com atenção a profissão do pai. Isadora, 5, e Gustavo, 3, já participaram dos desfiles de Sete de Setembro. “Eles gostam e apreciam a viatura policial. Eles sempre questionam quando vou trabalhar com a viatura”, diz.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895