Hotéis encaram desafios

Hotéis encaram desafios

Há anos, a hotelaria tradicional enfrenta sucessivas adversidades, começando pela chegada do Airbnb, passando por crises econômicas e, agora, pela pandemia

Por
Jessica Hübler

O 9 de novembro é considerado o Dia do Hoteleiro, data que celebra o profissional responsável pelo atendimento e cuidado prestados aos turistas. A comemoração desta segunda-feira, porém, será tímida, já que a hotelaria tradicional passa por dificuldades no país desde 2014 e vem enfrentando desafios e adaptações.

Com a chegada do serviço de hospedagem Airbnb, muitos hotéis tradicionais sentiram-se pressionados a buscar alternativas para fidelizar o público ou ficar à mercê das transformações do mercado. No entanto, em alguns anos, conforme o presidente do Sindicato de Hotéis de Porto Alegre (SHPOA), Carlos Henrique Schmidt, a oferta e a demanda começaram a se equilibrar e a concorrência com o Airbnb já não demonstrava uma ameaça tão significativa. Porém, com a pandemia da Covid-19, a reformulação do segmento se mostrou urgente: ou os modelos de negócios mudavam ou as portas permaneceriam fechadas.

Apesar de o impacto do Airbnb no setor hoteleiro ter sido intenso na época da Copa do Mundo de 2014, Schmidt diz que a crise se intensificou nos anos de 2015 e 2016, por conta do cenário econômico do país. “As ocupações caíram drasticamente. Na Copa, tivemos um aumento da oferta e da demanda, de repente isso terminou e entramos em crise. A oferta que aumentou não foi coberta pela demanda, teve uma queda e isso realmente colapsou o setor na época”, explica.

Para ele, o mercado já absorveu a atuação do Airbnb. “Eles definiram os clientes. Uma parcela é Airbnb, outra, hotelaria tradicional, e as outras optam por flat ou residencial. A minha visão é de que o mercado se cristalizou, claro que com a saída da pandemia nós vamos ter uma noção melhor, se vai haver mudança de patamares ou vai se manter”, afirma. De acordo com Schmidt, em 2018 houve alguma recuperação. Alguns empreendimentos começaram a sair do mercado em virtude da crise e, em 2019, o setor estava praticamente equilibrado, apesar do Airbnb. “Houve equilíbrio porque a economia passou a responder. Em Porto Alegre, por exemplo, uma agenda movimentada de shows e congressos também favoreceu, pois são itens importantes para a complementação das ocupações. Aí veio a pandemia.” Por conta dos efeitos da Covid-19, os hotéis não foram obrigados a fechar, mas tiveram limitação de ocupação e de serviços.

“Por muito tempo os restaurantes ficaram fechados, os serviços de alimentação tinham que ser feitos nos quartos, a limpeza era super-rigorosa, avaliações frequentes, abundância de álcool em gel, então, isso tudo acabou impactando”, ressalta. Na Capital, as ocupações baixaram, em média, para menos de 20%. “Mais da metade dos hotéis optou por fechar porque a operação não era sustentável, o prejuízo era menor com a suspensão dos contratos e redução de jornada, além das demissões. Durante abril, maio e junho, mais de 50% da hotelaria de Porto Alegre estava fechada e a abertura reiniciou entre julho e agosto”, recorda. Atualmente, aproximadamente 80% dos hotéis da cidade estão abertos e, aqueles que ainda seguem fechados, provavelmente devem encerrar as atividades.

Sobre os problemas financeiros para o setor, Schmidt comenta que não houve flexibilizações significativas com relação aos impostos e às despesas como energia elétrica. Apesar disso, reitera que a redução de jornada e a suspensão dos contratos foram fundamentais para que o colapso não fosse maior. “Hoje vemos alguns hotéis procurando alternativas, alguns trabalharam com a oferta de espaços destinados ao home office para tentar aumentar a ocupação, outros fizeram o aluguel facilitado para a pessoa ficar no hotel com custo mais baixo e sem necessidade de fiador, sem burocracia. Uma série de alternativas que a gente vê no mercado, mas são paliativos”, diz.

Os diferentes tipos de locação, os valores mais baixos e a transformação de “hotel office”, no entendimento de Schmidt, têm sido feitos mais “para noticiar, ter alguma novidade e perceber o mercado”. Para que haja uma recuperação importante do ponto de vista econômico, conforme ele, é preciso que voltem a ocorrer voos para Porto Alegre. “Entre 70% a 90% do nosso mercado vem de avião, então a retomada das viagens, dos negócios, shows, congressos, jogos de futebol, convenções, exposições e feiras são fundamentais.” A expectativa, de acordo com Schmidt, é que em 2021 o setor volte a normalidade. “É preciso retomar a economia e todos esses eventos que compõem a ocupação e a diária média da hotelaria”, frisa.

Concorrência e retomada da Serra Gaúcha

Os efeitos da concorrência com o Airbnb, no Rio Grande do Sul, foram mais sentidos na Serra do que na Capital. Para o presidente do Sindicato da Hotelaria, Restaurantes, Bares, Parques, Museus e Similares da Região das Hortênsias (Sindtur/Serra Gaúcha), Mauro Salles, a modalidade cresce rapidamente e a falta de uma regulamentação específica acaba facilitando o que classifica como “concorrência desleal”. “É muito preocupante. São vários os investidores que estão indo para essa modalidade,sendo que a grande maioria a gente tem dúvida se recolhe os impostos, alegam que usam a lei federal do inquilinato, vira uma concorrência desleal, porque nós pagamos impostos obrigatoriamente, não temos como escapar, além da questão dos custos de folha de pagamento e outros tipos de tributos que muitas vezes o aluguel de temporada não paga”, diz.

Salles também comenta sobre a questão da segurança, pois as prefeituras não têm controle sobre os imóveis cadastrados na plataforma. “Durante a pandemia, por exemplo, quando era preciso controlar as hospedagens na região, o aluguel de temporada chegou a ser proibido, mas não era possível coibir porque não havia cadastramento dos imóveis”, frisa. Ele ressalta que há uma série de problemas por conta da falta de regulamentação. “Mesmo assim a hotelaria tem procurado investir em diferenciais, oferecer serviços mais qualificados, inovadores na hospedagem, que fazem, de fato, o turista sentir uma experiência de visitar a região sem ter que ficar trabalhando, porque o hotel oferece todo tipo de serviço”, destaca.

Há uma estimativa, conforme ele, de que o Airbnb tenha absorvido uma fatia de 30% do mercado na região. “Isso realmente afeta os negócios, existe um prejuízo. Já chegamos a ter ocupações médias em torno de 70% e hoje não passa de 50%”, exemplifica. Para competir com o Airbnb e também para fortalecer o mercado após as dificuldades que chegaram com a pandemia da Covid-19, Salles comenta que os hotéis têm investido em parcerias e inovações para que o turista tenha uma experiência diferenciada ao optar pela hotelaria tradicional.

Com relação ao momento sensível por conta do novo coronavírus, Salles relembra que os primeiros meses foram “devastadores”. “Praticamente fechamos o turismo na região, foi complicadíssimo, porque Gramado e Canela, especialmente, são cidades que dependem muito disso, de fato afetou muito a economia local e a gente passou por situações complicadas. A partir de maio começamos uma retomada gradual, claro que muito lenta e baseada no turismo regional, mas já estamos passando por uma recuperação”, declara. 

Na Serra, conforme Salles, alguns hotéis fecharam. O mais icônico e simbólico foi o Laje de Pedra Hotel & Resort, em Canela. “Era um hotel famoso da região, mais antigo, que encerrou as atividades no período da pandemia. Era um estabelecimento que já estava com dificuldades, estava à venda e precisando de uma reforma grande. Claro que entra um problema mais grave, a pandemia, e dificulta ainda mais, então eles tomaram a decisão de encerrar os trabalhos”, explica. Apesar disso, Salles diz que “correm notícias” de que o hotel vai ser retomado com uma reforma grande. “Num futuro próximo devemos ter aquela estrutura funcionando novamente”, assinala. 

Além disso, outros hotéis e pousadas de menor porte também encerraram suas atividades na Serra, mas a estrutura hoteleira continua existindo. “Acreditamos que não teremos tantos fechamentos definitivos, isso não nos preocupa, estamos conseguindo recuperar a ocupação e esperamos que em breve a gente retome a plena carga, com liberação de 100% da capacidade. Está sendo cada vez melhor, nossa expectativa para o fim do ano é muito boa. Sabemos que não vai ser igual aos anos anteriores, mas será melhor do que aquilo que vivemos ao longo do ano. Com o controle da doença e com a vacina no início de 2021, talvez retomemos a vida normal e possamos ter turismo mais forte na região no primeiro semestre do ano que vem.”

Análise do setor

O economista Abdon Barretto Filho, que é diretor e ex-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis no Rio Grande do Sul (ABIH RS), reforça que, desde 2014, mudanças importantes começaram a acontecer. “Desde lá, com excesso de oferta, a ocupação média de Porto Alegre tem caído. Antes da pandemia, a média na cidade estava em 42%. Durante a pandemia, 95% dos hotéis fecharam em todo o Estado e, agora, com a abertura gradual, a Capital está com 22%”, detalha. Segundo ele, a situação está “muito crítica” e exigindo muito dos gestores, que estão buscando alternativas.

“Muita gente não vai continuar no mercado por absoluta falta de condições de disputar os clientes”, reitera. No período pós-pandemia, conforme Barretto Filho, a hotelaria vai precisar lidar com os medos e as inseguranças dos clientes. Além disso, a redução da malha aérea também pode dificultar a retomada do movimento. “São variáveis incontroláveis que têm efeito direto no negócio.” O setor, de acordo com Barretto Filho, sabe que tem que se reinventar. “Existe um novo cliente, então uma nova oferta tem que ser colocada.” 

A ideia de fazer uma adaptação nos hotéis para oferecer locais de trabalho é uma dessas novas possibilidades. “A disponibilidade da Internet e de espaço para trabalho já existe há um tempo nos hotéis executivos, é uma tendência natural”, ressalta, lembrando que a atuação da hotelaria tem relação direta com os atrativos da região, que, no caso de Porto Alegre, é uma cidade de turismo de negócios. “Mais do que nunca temos que ver o que está acontecendo no mundo e adequar a nossa aldeia”, frisa, reforçando que a palavra-chave é adaptação.

O cenário na capital

Em Porto Alegre, segundo Barreto Filho, alguns hotéis estão fazendo um retrofit (termo utilizado para designar o processo de modernização de algum equipamento já considerado ultrapassado) através de terceiros, microapartamentos para serem usados com serviços mínimos por demanda, por exemplo. “Diversos hotéis estão indo nessa direção para tentar recuperar rentabilidade”, ressalta. Até o momento o Sindicato de Hotéis de Porto Alegre (SHPOA) não realizou um levantamento oficial sobre o fechamento dos empreendimentos na Capital. “Estamos evitando ligar para as pessoas. Vamos aguardar provavelmente o final do ano ou o início de 2021, para quando a situação normalizar”, ressalta Schmidt.

Hotel Embaixador

O Embaixador fechou durante um tempo e usou esse período para reformular alguns serviços. Foto: Mauro Schaefer

Um dos hotéis da Capital que promoveu um retrofit significativo foi o Embaixador. Inaugurado em 1963, o tradicional empreendimento foi arrendado em 2017 por 15 anos pelo empresário Marciano Schussler, que é o atual diretor. Segundo ele, tudo começou em 18 de março deste ano, com o decreto da pandemia. Um dia depois, as reservas do ano inteiro começaram a ser canceladas. “Foi uma debandada geral de cancelamentos até o fim de março, sendo que nós tínhamos datas de shows com o hotel praticamente lotado, reservas já vendidas, tudo isso foi cancelado”, conta.

No dia 1º de abril, então, Schussler decidiu fechar o hotel. “A pandemia tomou conta e a gente resolveu fechar. Ficamos acompanhando qual seria o desenrolar dos fatos, se a vacina surgiriarápido, como seria o avanço da doença. Os meses foram se passando e foi batendo a apreensão. Vimos alguns hotéis como o nosso fecharem as portas definitivamente, não abrirão mais, então a gente foi buscar um estudo de mercado para ver o que era possível fazer para retomar as atividades.”

A partir dos estudos, Schussler se apegou a uma ideia aplicada e bem-sucedida em Nova Iorque e principalmente em Londres, segundo ele, que é o chamado “espaço coliving” (moradia compartilhada). O investimento foi de R$ 1,2 milhão. “Nada mais é do que o funcionamento que a hotelaria antiga utilizava, com a tarifa de mensalista, com preço diferenciado. Como o cliente vai ficar por 30 dias ou mais, não paga pela diária normal, tem uma tarifa mais atrativa, isso era feito antigamente”, explica. Como o Embaixador é o quarto maior hotel da cidade, com 182 quartos, capacidade para 394 pessoas, e a taxa de ocupação nos anos anteriores variava entre 58% a 65%, Schussler queria repensar os praticamente 35% de quartos vazios e o estudo do coliving veio para isso.

“Aproveitei esse tempo com o hotel fechado e fiz um planejamento de transformar 35% dos quartos para hóspedes mensalistas, para realmente morarem aqui. Decidi criar uma área de convivência, cozinha coletiva, biblioteca e até um minicinema. Realmente transformei toda a estrutura do hotel.” Além das 12 salas reservadas para eventos, agora o Embaixador também conta com espaço para coworking (local compartilhado de trabalho). Apesar de achar que a demanda não vai voltar a ser o que era antes, Schussler comenta que ao menos começou a criar um “público novo” dentro do hotel.

“Nós temos o hotel, estacionamento próprio com 120 vagas, teremos uma cafeteria, já contamos com um restaurante de culinária internacional e uma hamburgueria, recepção 24 horas, além de um salão de beleza que já funciona. Ainda vamos ter uma agência de turismo e uma locadora de carros. Por isso a gente também fala do conceito de hotel shopping, agregamos várias coisas”, exemplifica. Com relação ao público da hotelaria na Capital, Schussler reitera que Porto Alegre é uma cidade voltada ao turismo de negócios e não ao turismo de lazer. “Temos uma ocupação que vai de segunda a quinta, no final de semana praticamente não existem hóspedes no hotel. Com isso vamos diminuir a ociosidade, pelo menos essa é a nossa perspectiva”, frisa.

A motivação para toda essa transformação, segundo ele, foi a pandemia. “É até chato falar isso, mas com tudo isso, a gente se viu obrigado a reformular, reinventar. Claro que tem sido muito prejudicial em vários sentidos, mas nos ajudou nesse lado de sair da zona de conforto e procurar uma forma mais plural de fazer as coisas, para que possamos ter vários braços para oferecer aos clientes”. 

Dos 75 funcionários diretos do hotel, ou seja, sem contar os terceirizados, Schussler diz que 55 foram demitidos. Pelo menos 19 já foram recontratadas após a reabertura. “Um hotel fechado, tendo que fazer rescisões, o jeito foi estudar o mercado mundial. Fechar o hotel não iria acontecer, então criamos um formato para abrir com uma cara nova e com uma perspectiva legal. Desde a inauguração, em 19 de outubro, o Embaixador já está trabalhando com 30% de ocupação. Está sendo muito boa receptividade e já temos um casamento marcado”, comemora. Se a ocupação continuar com a perspectiva de crescimento, a tendência, segundo Schussler, é que sejam recontratados praticamente todos os funcionários.

Ritter Hotéis

Os reflexos no turismo como um todo também afetaram a hotelaria. Conforme a diretora do Ritter Hotéis, Fernanda Ritter, os efeitos negativos do turismo de negócios, característica de Porto Alegre, acabaram provocando um esvaziamento nas ocupações. “Infelizmente, a Capital tem poucos atrativos de turismo de lazer, diferente do Interior e da Serra, que devem conseguir recuperar mais rápido. O nosso mercado da Capital já passava por uma dificuldade desde a Copa do Mundo de 2014, quando ocorreu a abertura de muitos hotéis, mais do que tínhamos procura”, diz.

Sobre o impacto do Airbnb, Fernanda afirma que o desempenho da plataforma é voltado para uma demanda específica e que, talvez, a hotelaria não tenha sentido tanto a concorrência, principalmente em Porto Alegre. A pandemia da Covid-19, ao contrário, trouxe diversas dificuldades. “Tivemos uma queda abrupta na nossa hospedagem, estávamos com o hotel praticamente lotado e, no mesmo dia (em março ainda), tivemos mais de 70% de cancelamento.” E até agosto o cenário ainda estava complicado, segundo ela. “Tínhamos muitas apostas para 2020. Teria movimento com a realização de congressos em Porto Alegre, os dois times na Libertadores, a agenda de shows estava movimentada, foi um baque para nós, para todo mundo. Em um dia, temos quase 100% de ocupação e, no outro, chegamos a 20% por conta de uma doença que ninguém conhecia”, lembra. 

Pela primeira vez, em 46 anos, o Ritter interrompeu as atividades. A suspensão durou 30 dias, entre os meses de abril e maio. “Acho que foi uma decisão acertada, porque estava todo mundo assustado, mas foi como se cortasse uma veia”, revela. Desde o início da pandemia, o mês de outubro foi o primeiro em que o hotel “bateu a nova meta” que tinha estabelecido, chegando a um faturamento equivalente a 40% do mesmo período no ano passado. “Ainda não é o cenário que precisamos, longe disso, mas isso já representa muito em relação ao que passamos”, afirma.

Sobre as transformações na atividade, Fernanda revela entusiasmo. “Temos um produto hoteleiro que está competitivo e tínhamos a oportunidade de criar algo diferenciado no mercado, então resolvemos fazer o Haus Von Ritter, alocamos 130 apartamentos para esse projeto. O Ritter já tem duas torres separadas por um jardim, conseguimos separar muito bem os dois negócios”, explica. No outro prédio, seguem disponíveis 107 apartamentos para os hóspedes tradicionais. O diferencial da nova iniciativa, conforme ela, é ter os serviços de hotelaria para oferecer aos futuros moradores do Haus Von Ritter. “O nosso morador, hauser, como a gente chama, vai poder usufruir de todo o serviço de hotelaria pagando pelo uso”, enfatiza.

A ideia começou a tomar forma em 20 de agosto e as operações iniciaram no final de setembro. “Pensamos que, por ser uma tendência do mercado, por estarmos com um produto pronto, não tinha porque esperar. O que a gente precisou fazer foi adaptar o espaço para termos uma área de convivência exclusiva para os moradores”, detalha. De acordo com Fernanda, existem vários modelos de coliving como o que será aplicado no Haus Von Ritter. “O hóspede tem seu apartamento, com banheiro privativo, e usa de forma compartilhada a cozinha e a área de estar, além de, é claro, poder usufruir de outras áreas do hotel.”

A hotelaria em Porto Alegre, no entendimento de Fernanda, entrou “em uma depressão” principalmente em agosto. “Foram muitas demissões, pouco movimento, não existia o que a gente fizesse de diferente para atrair novos públicos. Teve uma tendência de hotel office no início da pandemia, mas não existia uma fórmula mágica. A pior coisa que pode acontecer para um empresário é só ficar vendo as coisas não irem bem sem pensar em alternativas”, reitera. Em operação desde 1974, agora o Ritter Hotéis divide o espaço com o Haus Von Ritter. “Acredito muito na hotelaria tradicional, acho que é uma modalidade que não vai morrer, mas precisa se adaptar. Acho que a pandemia fez com que a gente saísse um pouco da zona de conforto e pensasse em uma alternativa, que foi o coliving”, ressalta. 

Hotel Everest

O fim de ciclo do Hotel Everest foi o mais emblemático para a Capital. “Um hotel tradicional, muito usado pelos políticos, muito conhecido e localizado na Duque de Caxias”, comenta o presidente do SHPOA, Carlos Henrique Schmidt. Inaugurado em maio de 1964, o tradicional hotel fechou as portas em definitivo durante a pandemia da Covid-19. De acordo com Ana Helena Fett, sócia-diretora e neta do fundador, Alberto Augusto Fett, desde o momento em que a pandemia foi decretada, as operações foram suspensas. “Vimos que era necessário preservar os funcionários e os clientes, ninguém tinha muita informação de como tudo ia se desdobrar, de como faríamos. Ficamos 90 dias fechados”, relembra.

O Everest decidiu fechar as portas por conta de dificuldades. Foto: Alina Souza

Segundo ela, depois dos três meses de suspensão das operações, era necessário tomar uma decisão: voltar a operar ou não. “A hotelaria viveu um período muito crítico, o mercado é igual ao da aviação. Se o quarto dorme vazio, ele custa alguma coisa, infelizmente não teve nenhum movimento para tentar ajudar, não queríamos nada de graça, só que fosse facilitado o acesso a algum tipo de auxílio, mas isso não aconteceu. Até tentamos, mas a família decidiu por suspender em definitivo as atividades porque financeiramente não seria possível voltar a operar.”

A família também optou por encerrar a operação do Hotel Everest Rio, que funcionava na cidade do Rio de Janeiro. Os dois hotéis foram fechados em 1º de julho de 2020. “E decidimos que não vamos voltar a operar, os prédios, por enquanto, vão permanecer fechados e foi isso”, pontua, ressaltando que, infelizmente, a pandemia contribuiu “um pouco mais” com esse momento. “Hotelaria não é fácil, tem todo um glamour, mas ele precisa se transformar em números e de uma maneira positiva financeiramente. Em Porto Alegre o mercado é bastante difícil, há muito tempo já operávamos só com metade do prédio. E no Rio também passamos por uma grande crise”, frisa. 

Ainda de acordo com Ana, entre o final de 2019 e março deste ano foi possível ter sinais positivos do movimento nos hotéis. “Tanto que a hotelaria como um todo fez dos melhores números dos últimos cinco anos”, ressalta. Diante desse “momento difícil”, Ana afirma que a família optou por não transformar isso em uma situação “ainda pior”. Até o momento, o futuro dos prédios ainda é incerto. “Não sabemos ainda das vendas. Sobre o acervo, a gente fez leilões e bazares, vendemos tudo, mas ainda não decidimos o que vamos fazer com os prédios. Preferimos deixar fechados para ter um prejuízo menor do que se estivéssemos operando.” 

Os prováveis desfechos para os prédios que abrigavam o Everest, em Porto Alegre e o Everest Rio, no Rio de Janeiro, são arrendamento, venda ou alguma operação que não seja voltada para a hotelaria tradicional. “Existem interessados há muito tempo, desde a época da Copa do Mundo principalmente, mas ainda não sabemos”, reforça Ana. 

Sheraton Porto Alegre Hotel

Por ser uma rede internacional, o Sheraton já acompanhava de perto as notícias e as transformações do setor em outros países atingidos pela pandemia. De acordo com o gerente geral, Alejandro Irazabal, em meados de março, os cancelamentos foram recebidos “em cascata” e se estendiam para os meses de julho e agosto. “Foi muito duro porque esperávamos que em agosto voltasse tudo, estamos acostumados com eventos, hotel cheio. Ver tudo o que aconteceu foi difícil, mas a primeira coisa que fizemos foi adotar as medidas de segurança”, conta.

O Sheraton foi um dos poucos hotéis de Porto Alegre que permaneceu aberto durante todos os meses de isolamento social. “Tínhamos um pouco de demanda, mas maio foi mais devagar e junho começou a mostrar uma melhora. Em julho lançamos o pacote do hotel office para comercializar os quartos e conseguimos chegar ao público local”, afirma.

O Sheraton foi um dos únicos hotéis da Capital que manteve-se aberto desde o início da pandemia. Foto: Mauro Schaefer

A partir de setembro, já foi possível perceber uma retomada, ainda que lenta e gradual, do movimento corporativo. Segundo Irazabal, muitos hóspedes de São Paulo e do Rio de Janeiro já começaram a retomar as atividades na capital gaúcha. “O fato de não termos fechado ajudou bastante, fomos agregando as coisas, fizemos os investimentos necessários com proteções de acrílicos, adesivos de distanciamento, treinamentos para os colaboradores e agora já estamos retomando a realização de eventos no hotel.”

De março até outubro, segundo ele, o perfil dos hóspedes foi mudando. Atualmente, 80% da ocupação é de clientes do Rio Grande do Sul, 20% de outros estados, alguns estrangeiros e um pequeno percentual de longa permanência. Para lidar com as dificuldades, o Sheraton também precisou reduzir o quadro de funcionários, mas, de acordo com Irazabal, a maioria da equipe permaneceu. Sobre a retomada e as expectativas para 2021, Irazabal reitera que o fluxo vai demorar para ser como antes e que a pandemia mudou os planos dos gestores. “Vai demorar para a retomada 100% como foi em 2019, mas aos poucos vai voltar. Dependemos muito da malha aérea, o que está muito vinculado com a retomada dos eventos, mas acreditamos que em 2021 teremos uma recuperação importante”, ressalta. 

A pandemia, segundo ele, naturalmente mudou os planos de todos. “Mas nós também aprendemos, na versatilidade, dedicação, empenho, o pessoal foi evoluindo muito, vamos sair muito mais fortes. Todas as ofertas que foram lançadas, como hotel office e longa permanência, serão mantidas. Esperamos que, dependendo da retomada dos eventos, o primeiro semestre de 2021 possa ser animador.”

Plaza São Rafael

O Plaza São Rafael Hotel encerrou as atividades temporariamente entre abril e setembro. A gerente geral, Márcia Achutti, conta que todos os dias, nos meses que o hotel permaneceu fechado, a equipe trabalhou para que a reabertura acontecesse. “Foram meses cansativos, de incerteza, todos os dias fazíamos algo para a adequação nos protocolos de higienização, tem sido uma mudança constante”, define.

Conforme ela, o Plaza também teve transformações motivadas pela pandemia. Uma delas foi o Plaza Hub, um conjunto de escritórios no bloco lateral, com planos flexíveis de locação. Durante a semana, a ocupação tem sido cerca de 15% e, nos finais de semana, uma surpresa: muitos moradores da Capital estão procurando o hotel, principalmente para descansar, o que provoca um aumento da ocupação para 25%. “São pessoas que buscam um lazer no final de semana, não querem viajar e nos procuram”, destaca.

Apesar das transformações, no Plaza muitos funcionários foram desligados ou então seguem em suspensão de contrato ou redução de jornada. Principalmente em função da mudança nos serviços de alimentação do hotel, Márcia explica que agora o Plaza contratou o MuleBule A&B, uma rede corporativa voltada a alimentos e bebidas e, por conta disso, houve muitas rescisões, principalmente nesse setor, além de colaboradores do administrativo.

A crise do setor, da qual a pandemia foi o último desafio, fez com que hotéis como o Plaza São Rafael buscassem agregar novos serviços ao seu espaço. Foto: Mauro Schaefer

Independente da pandemia, Márcia comenta que o Plaza está planejando a realização de um jantar de Natal e um de Ano-Novo, em parceria com o MuleBule. “Divulgaremos em breve. Sinto que esse momento é positivo, a procura está ocorrendo e deve continuar aumentando no verão. Sou otimista nesse sentido. O público e o movimento serão totalmente diferentes do ano passado, mas na hotelaria tem sido um dia de cada vez e com otimismo”, reforça. Mesmo com as dificuldades, Márcia frisa que não há possibilidade de o Plaza encerrar as atividades. “Nem pensar”, garante.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895