Liberdade e afeto: novos caminhos no ensino

Liberdade e afeto: novos caminhos no ensino

Palestrantes apontam novas abordagens guiadas pela atenção, respeito e criação de espaços seguros, como possibilidades de melhoria no processo de aprendizagem

Por
Daiana Garcia

A inserção de novas tecnologias, Inteligência Artificial e o dinamismo de um mercado cada vez mais exigente, desafiam a Educação a ir além na busca de metodologias e abordagens que preparem os estudantes para essa nova realidade. Diferente dos métodos que se conhecia até pouco tempo, especialistas apontam caminhos guiados pelo afeto, atenção, protagonismo do aluno e instigação do pensamento crítico como formas de diferenciação. As análises fizeram parte do 17º Congresso do Ensino Privado, realizado de 19 a 21/7, com o tema “Essência e saberes da Educação”, que reuniu cerca de 1.500 educadores no Centro de Eventos da PUCRS, na Capital.

No último dia de evento, a antropóloga Clarissa Bezerra, licenciada em Letras Inglês e gerente corporativa acadêmica na Casa Thomas Jefferson (Brasília), falou sobre Inovação e Cultura do Pensamento Investigativo. Além de exercícios práticos propostos para a plateia, com objetivo de resgatar memórias e gerar reflexão sobre os principais protagonistas da trajetória educacional, Clarissa compartilhou oito forças importantes para traçar caminhos que criem uma cultura de aprendizagem transformadora.

A lista de forças compartilhada por Clarissa é parte de um estudo do doutor em Educação, Ron Ritchhart, formado em Harvard e autor do livro “Criando Culturas de Pensamento: as 8 forças que devemos dominar para transformar verdadeiramente nossas escolas”. O Phd define como “Culturas de Pensamento” lugares onde o pensamento coletivo, assim como as ideias individuais são valorizados. Para isso, defende a utilização de uma abordagem que possibilite a existência deste espaço, com base em adaptações em:

linguagem, tempo, ambiente, oportunidades, rotinas, modelo/exemplo, interações e expectativas (box). 

Essas forças não só criam um espaço seguro, de respeito mútuo entre professor e alunos, mas contribuem para instigar o pensamento dos estudantes, formando pessoas questionadoras, criativas e capazes de ir além da simples reprodução de conhecimentos. Clarissa explica que o grande objetivo é fortalecer a capacidade cognitiva do pensar por si mesmo, desenvolver pensamento crítico, formular as próprias ideias e analisar acontecimentos. 

Considerando o recente avanço de tecnologias, como a Inteligência Artificial (IA), por exemplo, ela destaca que as novas ferramentas devem ser integradas aos processos de trabalho e ensino, mas não substituí-los. “Se o aluno encontra no Google a resposta para uma pergunta feita pelo professor, essa pergunta está errada.” 

Para Clarissa, o caminho é ajudar o aluno a desenvolver “habilidades de ordem mais alta”, mais do que “ler e copiar” e até além da crítica, debate e discussão de ideias, mas já no campo de criação de novas soluções. “Falamos de criatividade, mas o que se faz não instiga a criatividade”, provoca. E destaca que a implementação de uma metodologia de projetos, por exemplo, não substitui o desenvolvimento de outras habilidades já conhecidas e também necessárias no ensino.

Ela explica que é comum e natural que o professor, mesmo os mais capacitados, ensinem da mesma forma que aprenderam. E aponta que é preciso “desfamiliarizar para inovar”, tal como fazem os antropólogos durante pesquisas.

“É importante que o professor veja que antes de dominar técnicas ele é fomentador de cultura humana, cultura de grupo, de maneiras de se comportar que trazem crenças e visões. (...) Não é uma metodologia, é uma abordagem, um jeito de ver o processo educativo.”

EDUCAÇÃO E AFETO

O neuropsicólogo e doutor em Educação Alessandro Marimpietri abordou em sua fala no Congresso sobre a dimensão da importância que o afeto tem no fazer pedagógico. Autor do livro “Quando somos um só”, Alessandro considera que a escola e a família têm papéis complementares no ensino. “São referências complementares com o mesmo objetivo. É muito importante que a família respeite o funcionamento da escola, assim como a escola deve respeitar a família. Embora possa haver divergência, precisam falar a mesma língua.” 

Dessa forma, ele assinala que a educação tem que estar comprometida com a experiência, a vivência e a curiosidade; mas, para isso, é preciso que os agentes responsáveis por estes encontros proporcionem oportunidade para que isso aconteça. “Há grande expectativa que os filhos sejam disruptivos, criativos, mas queremos eles ordenados, são projetos que precisam achar um meio termo.” No Congresso, o especialista destacou ser comum que professores sejam “saudosistas”, que relembrem práticas do passado com nostalgia. “Bons eram os tempos em que os alunos nos respeitavam, liam, as famílias faziam sua parte”, provocou a plateia. 

Ao citar a teoria de Zygmunt Bauman, sobre a retrotopia, Alessandro sugere que essas memórias talvez não sejam fiéis ao passado, mas foram mitificadas com o tempo, sendo argumentos falhos para a solução de um problema atual. 

“Antes a vida estava garantida se você fosse disciplinado. A lógica é que se você funciona bem, é porque fez o certo. Mas hoje eu quero alunos disciplinados e disruptivos, ao mesmo tempo.” Para ele, existem dois modelos que estão convivendo na escola: um que lembra “fábricas e, de certa forma, uma prisão: uniforme, horário, alguém que dá as ordens” e o outro relativo à “impermanência: o que vale hoje, não se configura amanhã”. 

Por fim, frisou a importância de “amar o saber”, incentivar o gosto pelo conhecimento, assim como motivar o aluno a “subverter a realidade”, usando da imaginação para ver as coisas de um novo ângulo. “O que sobra da experiência é o encontro do ser humano, das pessoas que se encontram e afetam suas vidas, isso é muito poderoso. A grande maioria não lembra de conteúdos específicos (...) mas, mantém vivas as memórias de relações.” 

Clarissa Bezerra é mãe, antropóloga e gestora acadêmica. Tratou sobre o conceito de “Cultura do Pensamento”, defendendo uma abordagem que instiga o aluno a questionar e a propor soluções. | Foto: Pedro Moreira / Applause / CP

As oito forças

Clarissa Bezerra compartilha oito forças formadoras das chamadas “Culturas de Pensamento”:

  • Expectativa: Entendimento, autonomia e valorização do trabalho.
  • Linguagem: O grupo compartilha de um vocabulário próprio e o docente nomeia boas ações.
  • Tempo: Permitir que o aluno pense, criar dinâmicas e atividades com tempo para desenvolver. 
  • Modelo: O professor dá o exemplo e os alunos aprendem pela ação.
  • Oportunidades: Definir o aprendizado como uma oportunidade e não como uma tarefa a cumprir. 
  • Rotinas: Criar estruturas que vão além do gerenciamento disciplinar.
  • Interações: Escutar e questionar o aluno com respeito e interesse real pelo seu pensamento.
  • Ambiente: Refletir sobre as mensagens que o ambiente comunica.
  • Mais sobre o tema em tinyurl.com/39zkcdyn

Escola em Transformação

Para encerrar o evento, relacionando os temas abordados durante o Congresso, a pedagoga Priscila Boy, ministrou a palestra “As essências, os saberes e os frutos no processo pedagógico”. Priscila, que também é pós-graduada em Antropologia Filosófica, Docência no Ensino Superior, Elaboração de Projetos e Gestão de Pessoas se baseou, principalmente, em seu livro “Uma Escola em Transformação”.

Assim como os demais palestrantes, a especialista corroborou a ideia de que, cada vez mais, o educador precisa transmitir esperança e possibilidade de transformação. Avaliou que um dos novos dilemas da educação é o ChatGPT. Para ela, a ferramenta moderna de Inteligência Artificial (IA) desafia os docentes ao oferecer uma nova forma para construção e adaptação de textos. “A escola vai ter que entrar com toda a força no espírito crítico para não deixar a sociedade se levar pela IA e pela biotecnologia.” Ainda, trouxe ideias de Yuval Harari, historiador e pensador israelense, que acredita que a sociedade caminha para uma “Ditadura Digital”, na qual dispositivos eletrônicos vão ditar comportamentos.

Com base nestes avanços, defende que o desenvolvimento de competências socioemocionais, bem como de ações solidárias e valores humanos; são essenciais para reduzir as chances de “substituição” pela IA cada vez mais presente.

O 17º Congresso do Ensino Privado reuniu cerca de 1.500 educadores e gestores do ensino. Os participantes vieram de 74 cidades e 194 instituições, além da presença de lideranças e especialistas. Nos espaços de circulação, onde foi possível trocar ideias e conhecimentos, também foi realizada a Expoeducação, com 34 expositores de diferentes setores educacionais, que apresentaram propostas de negócios e facilidades para as escolas. 

Pela primeira vez, o evento contou com cinco palcos simultâneos, ampliando ainda mais as discussões possíveis. Os temas abordaram áreas de Ensino Superior, Gestão Educacional, Educação Infantil e Anos Iniciais, Anos Finais e Ensino Médio e Atendimento Educacional Especializado (AEE). Já no palco principal, foram 9 palestrantes de nível nacional. Durante os três dias, os participantes tiveram acesso a 20 horas de conteúdo especializado.

Autora do livro ‘Uma Escola em Transformação’, a pedagoga Priscila Boy palestrou sobre ‘As essências, os saberes e os frutos no processo pedagógico’ | Foto: Pedro Moreira / Applause / CP

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895