Manipulação de resultados abala o futebol

Manipulação de resultados abala o futebol

Tentativas de fraude se alastraram mediante suborno ou ameaça dos atores envolvidos no espetáculo

Clube de Pelotas está sendo investigado por manipulação de resultados

Por
FABRICIO FALKOWSKI

Há evidências de que os antigos gregos, egípcios e até maias tinham o hábito de apostar. Hermes, um dos mais populares personagens da mitologia grega, além de mensageiro do Olimpo e guia para o submundo, era também o deus do jogo, do risco, do ganho (e dos trapaceiros). Reza a lenda que era a ele que os apostadores da Grécia antiga apelavam, antes de fazer aquela “fezinha”. Portanto, é correto afirmar que as apostas são tão antigas quanto o próprio esporte. Nasceram juntos.

Antes, porém, as apostas pareciam mais distantes. Não estavam no dia a dia do futebol brasileiro, o esporte mais popular de todos. Um ou outro escândalo chegava por meio do noticiário internacional, em casos esporádicos. Agora, não. Todos os grandes clubes do Campeonato Brasileiro são patrocinados por alguma casa de apostas on-line. A publicidade deste tipo de estabelecimento, que cria raríssimos empregos, fatura bilhões e praticamente não paga impostos no Brasil, chega ao público nos intervalos da televisão ou do rádio, na Internet e por meio da indicação do seu influenciador digital favorito. Estão em todo lugar.

As tentativas de manipulação de resultados se alastraram da mesma forma que as próprias apostas. Ambos estão muito próximos de qualquer apreciador dos esportes e se retroalimentam. A possibilidade de contaminação dos resultados, mediante suborno ou ameaça dos atores envolvidos no espetáculo, principalmente de jogadores e técnicos, está no Campeonato Brasileiro de todas as divisões, na Copa do Mundo, no futebol estrangeiro e também na Série B do Gauchão. Uma fonte ouvida pelo Correio do Povo na condição de anonimato afirma que há, por exemplo, pagamento por cartão amarelo no Campeonato Brasileiro. “Pagando, pode apostar tranquilo, porque o atleta receberá o cartão e você ganhará o seu dinheiro.”

Este homem, que atua no mercado de apostas esportivas há dez anos, explica que, para o esquema funcionar, é preciso, além de pagar o jogador envolvido no esquema, pulverizar as apostas. Ou seja, usar o maior números de sites possível e o maior número de CPFs e cartões de crédito que se consiga, apostando em casas e sites do Brasil, mas também no exterior, dificultando a detecção dos serviços de inteligência. Assim, os mecanismos de prevenção de contaminação desenvolvidos pelas próprias casas de apostas ou pagos pelas promotoras dos campeonatos, como a Fifa, a CBF e a Federação Gaúcha, têm o funcionamento comprometido. “A manipulação de resultados é uma realidade que todo o contexto do futebol terá que aprender a conviver. E rapidamente. Os casos estão se multiplicando na mesma proporção dos sites, dos apostadores e das apostas”, continua.

Há pelo menos dois tipos de envolvimento e de manipulação de resultados. A primeira é mais óbvia: por meio da corrupção de jogadores, treinadores, árbitros ou outro agente da partida, o resultado do jogo é dirigido a fim de “coincidir” com as apostas do corruptor. O outro, de muito mais complicada detecção, envolve detalhes menores, como número ou tempo de escanteios por jogo, ou cartões amarelos e vermelhos. Nesse caso, o foco da fraude é mais específico, sem alterar o placar.

Em geral, o direcionamento do resultado é mais fácil em ligas menores, como nos dois casos narrados no início da matéria. Na Série B do Gauchão, que equivale, na prática, à terceira divisão, há pouquíssimo público nos estádios. Além disso, a maioria das partidas não tem televisionamento nem transmissão por rádio. A rara visibilidade facilita a ação dos corruptores, mas há outro aspecto fundamental: nesses campeonatos menores, os clubes passam por grandes dificuldades financeiras e os atletas recebem salários baixos, ficando mais vulneráveis ao assédio dos apostadores.

Além de ganharem menos, grande parte destes atletas estão em início de carreira e são pressionados a cooperar. Como nutrem o sonho de ganhar a vida jogando futebol, temem as consequências de um eventual “não” à proposta de corrupção. Muitas vezes aqueles que não participam do esquema são mandados embora do clube e têm a carreira abreviada. Ou seja, fica evidente que, em alguns casos, pode haver a participação dos dirigentes dos clubes ou das pessoas que assumem o seu lugar.

“Esses criminosos enxergaram uma vulnerabilidade institucional no futebol. Eles perceberam o que todo mundo sabe: o futebol tem uma ponta do iceberg que é glamourosa e rica, mas abaixo dela há um submundo de dificuldades, de desestruturação e de aliciamento para todos os tipos de finalidade, inclusive para o crime. Eles perceberam que os jogadores e outros atores desse esporte estão altamente vulneráveis. Exploram o elo mais fraco do futebol, jogadores em início de carreira ou que têm salário muito baixo”, afirma o delegado Gabriel Bicca, da Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil, que investiga casos suspeitos de manipulação desde 2021.

Porém, as tentativas de manipulação estão presentes em praticamente todas as competições e não se restringem ao futebol. De acordo com relatórios da Sportradar Integrity Services (SIS), empresa contratada pela Fifa, CBF e quase todas as federações de futebol do Brasil, inclusive a gaúcha, que é especializada em integridade competitiva e monitoramento de sites de apostas, foram encontrados indícios de manipulação em pelo menos 400 jogos no mundo somente em 2022.

A Sportradar garante que as tentativas seguirão, inclusive na Copa do Mundo do Catar, em novembro e dezembro, e em ligas mais ricas, como campeonatos europeus e até no Campeonato Brasileiro, o que corrobora a informação repassada ao Correio do Povo de que pode haver pagamento por cartão amarelo na competição.

‘Pagar uns 4 ou 5 mil pela derrota’

Desde guri, Ricardo* tinha um sonho: jogar futebol profissionalmente. Era goleiro e, depois de tentar a sorte em vários lugares, em pequenos clubes do Interior, recebeu aquela que lhe pareceu a melhor chance de sua curta carreira. Foi convidado para jogar o Campeonato Gaúcho Sub-20 por um clube com estrutura um pouco maior. Aceitou e começou a treinar com o grupo. Na semana em que o seu time faria a estreia no torneio, organizado pela Federação Gaúcha de Futebol (FGF), recebeu uma ligação. Era terça-feira.
“Tenho uma proposta pra ti. No domingo, quando o teu time jogar, arruma uns gols para o adversário. Precisamos de três. Posso te pagar uns 4 ou 5 mil pela derrota.” Ricardo declinou. Disse que estava começando a carreira e que não queria se envolver naquilo. No mesmo dia, à tarde, antes do treino, conversou reservadamente com o técnico do seu time sobre o ocorrido. “Ele não esboçou reação de surpresa. Parecia que sabia de tudo e que até participava”.

Diante da postura do treinador, retornou a ligação do aliciador. Com o intento de gravar a ligação para formar uma prova, disse que aceitaria o dinheiro. Do outro lado da linha, a voz desconfiou. “Vai encarar mesmo?”.

Não deu certo. O plano de Ricardo foi descoberto e, ainda naquela semana, na quinta-feira, o grupo de empresários que controlava o clube trouxe mais um jogador para a sua posição. Na sexta, dois dias antes da estreia, Ricardo foi dispensado. Como não havia outros goleiros no grupo, além do recém-chegado que ainda não estava inscrito na FGF, um zagueiro jogou com a camisa 1.

‘Você vai morrer, entendeu?!’

Agora, vamos a Pelotas do começo de agosto. 
Na segunda-feira, dia 1º, o atacante Iago Padilha denunciou nas redes sociais que a derrota de seu time, o Farroupilha, para o Bagé, havia sido encomendada por apostadores. Revoltado, ele foi expulso durante a partida. “Já está difícil fazer futebol no Interior e os caras vêm de fora para usar o clube para fazer apostas. Sacanagem isso”, afirmou o jogador em um dos seus posts. O time de Bagé venceu o Farroupilha por 7 a 0.
Em entrevista ao CP naquele mesmo dia, ele confirmou a denúncia: “O placar diz tudo”.
Na quarta-feira, vazou um áudio no qual o técnico Gregory Macedo, demitido do Farroupilha na semana que antecedeu o jogo contra o Bagé, recebe uma proposta para “entregar” o jogo. Ele receberia R$ 80 mil para o seu time sofrer quatro gols, dois em cada tempo. A divulgação involuntária da conversa colocou Gregory em situação complicada. Naquele mesmo dia, também em entrevista ao CP, ele revelou que estava sendo alvo de ameaças. Em um áudio, ao qual a reportagem teve acesso, uma voz promete matar toda a família do técnico.

“Não adianta recusar chamada. Você vai morrer, entendeu? Você vai morrer! Nós vamos buscar aí, você, seu filho, sua mãe, seu irmão, sua família toda. Vamos buscar você aí em Pelotas”, prometia a voz. Como já estava demitido, restou-lhe, além de denunciar o caso, pedir proteção da polícia. “Fiquei exposto”, lamentou.

Laços com o mundo do crime

A manipulação de resultados é operada por grandes apostadores, que enxergam nela uma possibilidade fácil de ganhar mais dinheiro, mas também é um canal para importantes personagens do mundo do crime investirem recursos e diversificarem seus negócios. Ou seja, por trás dos manipuladores, podem estar traficantes, assaltantes de banco e outros tipos de criminosos interessados em investir ou lavar o dinheiro obtido em outras atividades à margem da lei.

Essa é a conclusão do delegado Gabriel Bicca, que investigou vários casos envolvendo jogos válidos por competições promovidas pela Federação Gaúcha de Futebol. Um deles está descrito no início desta matéria: a derrota do Farroupilha para o Bagé, no dia 31 de julho, em Pelotas, por 7 a 0. “Há indícios muito claros de que grupos criminosos organizados enxergaram na contaminação de resultados e nas apostas uma possibilidade de auferimento de ganhos extras com riscos baixos ou bem controlados. Eles estão ocupando esse espaço. Enxergaram uma brecha na formatação das competições e viram uma oportunidade de negócio altamente rentável”, afirma Bicca, que continua: “A rede de apostas é muito capilarizada. Vai desde aposta entre amigos até sites muito grandes que estão hospedados no exterior, passando por aqueles que atuam dentro da legalidade e, inclusive, investem em publicidade em todos os meios de comunicação. Há uma rede gigante de sites de apostas em todos os cantos do mundo, que são acessadas de qualquer lugar graças à Internet.” 

O delegado também salienta o papel dos clubes, que permitem a aproximação destes criminosos e consentem, muitas vezes, que administrem o departamento de futebol e o vestiário. “Essas pessoas oferecem aos atletas uma coisa que eles sonham, que é a possibilidade de chegar à ponta de cima do iceberg. De início, fazem isso com dinheiro e com a chance de permanecer no clube, depois com outros tipos de vantagem. O jogador, que muitas vezes vende o almoço para pagar a janta, aceita e vira refém. Se transforma em um escravo. Ou o cara aceita o esquema ou perde o mercado”, segue Bicca.

As investigações mostram que esses grupos criminosos são nômades, não ficam muito tempo no mesmo clube ou cidade. Em um semestre, estão no interior do Rio Grande do Sul, no outro, em São Paulo. Depois, migram para o Nordeste. Junto com esses “empresários” do futebol, seguem os jogadores já cooptados, que aceitaram participar do esquema em outras ocasiões. Ou seja, são atletas que se transformaram em notórios perdedores, mas seguem empregados.


Uma fonte ouvida pelo Correio do Povo afirma que há oferta de pagamento para jogadores para receberem cartão amarelo no Campeonato Brasileiro. ‘Pagando, pode apostar tranquilo, porque o atleta receberá o cartão e você ganhará o seu dinheiro.’ | Foto: PAOLO BONA / SHUTTERSTOCK / CP

O contra-ataque das entidades do futebol

Em 2021, a Sportradar afirmou que houve contaminação em pelo menos 903 partidas de dez esportes e em 76 países. Trata-se de um recorde. Atentas ao problema, as principais entidades que gerem o futebol brasileiro, inclusive a CBF e a Federação Gaúcha de Futebol, celebraram contratos com a empresa e tomam outras medidas para evitar as manipulações, mantendo a integridade dos seus campeonatos.

No caso dos gaúchos, a empresa trabalha desde junho de 2020. Foi a Sportradar que alertou a entidade sobre as tentativas de manipulação em jogos da Série B do Gauchão ao longo dos últimos anos. A FGF, com base nessas informações, encaminhou as denúncias para o Ministério Público e para a Polícia Civil. Além disso, esses relatórios de jogos suspeitos são encaminhados à Justiça Desportiva, que pode abrir um inquérito para apurar a suspeita ou arquivá-la.

“Desde 2020, os nossos jogos são monitorados. Basicamente, a Sportradar analisa as partidas e as compara com o movimento das casas e sites de apostas. Não precisa haver denúncia ou suspeita. Os jogos são monitorados com base nesses critérios independentemente de qualquer coisa. Quando o movimento das apostas sai de um padrão, somos alertados e recebemos um relatório confidencial apontando para a possibilidade de manipulação. A partir dele, tomamos as nossas providências”, observa o presidente da FGF, Luciano Hocsman. Neste momento, a Sportradar atua em todas as competições promovidas pela FGF. Neste ano, a empresa emitiu pelo menos sete alertas para a entidade.
Na opinião de Hocsman, além das medidas da própria entidade, os clubes também precisam fazer a sua parte, rechaçando propostas de empresários suspeitos interessados em parcerias. Antes de fechar um negócio assim, opina o presidente da FGF, é preciso investigar quem são os proponentes. “Muitas vezes, chega uma empresa, em tese, interessada em investir no futebol de um clube. Mas no final, ela quer mesmo é atuar nesse esquema de manipulação de resultados e apostas. Isso ocorre no Brasil inteiro, quase sempre com clubes pequenos que são administrados por terceiros”, aponta o presidente.

Além disso, há propostas para que os clubes incluam no contrato dos seus jogadores uma cláusula que os impeça de atuar no mundo das apostas, mesmo que como apostadores. A restrição seria extensiva aos familiares do atleta. Esse modelo de contrato já é usado em outros países, como a Inglaterra, mas ainda não é comum no Brasil.

PROMOTOR DE JUSTIÇA FLÁVIO DUARTE

“Ofereceram R$ 20 mil para o dirigente”

O Ministério Público (MP) investiga a manipulação de resultados no futebol gaúcho desde 2018, pelo menos. Tanto que já apresentou denúncia à Justiça, com base no Estatuto do Torcedor, contra dois indivíduos após a chamada Operação VAR, liderada pelo promotor de justiça Flávio Duarte, da Promotoria de Justiça Especializada Criminal. O processo corre em segredo de justiça para proteger as testemunhas, mas ainda não foi julgado. Os dois acusados são aliciadores. A proposta de manipulação não foi aceita.

A Operação VAR acabou com dois denunciados à Justiça. Nenhum deles é jogador ou dirigente. Quem são essas pessoas?
Recebemos a informação de que havia uma tentativa de contaminação de resultado em um conjunto de partidas aqui no Rio Grande do Sul. Na época, concluímos, após a investigação, que essas duas pessoas atuavam como intermediários de um esquema maior, com sede na Bahia. Um deles, inclusive, era baiano. Eles vieram ao Rio Grande do Sul e ofereceram a um dirigente R$ 20 mil por cada derrota do seu time. Na proposta, também estava embutido que cada jogador da defesa receberia mais R$ 1 mil se o time perdesse com três gols ou mais de diferença. Além disso, haveria um bônus para algum jogador que fizesse pênalti. 
 
Quem financia ou está por trás das tentativas de manipulação de resultados no futebol gaúcho?
Todo esse movimento é motivado por um sistema de apostas em um nível muito elevado. Os valores envolvidos são tão altos que há dinheiro suficiente para financiar o pagamento de dirigentes e de jogadores, além de sobrar o lucro dos próprios criminosos. Normalmente, eles usam jogos sem muito acompanhamento, normalmente sem transmissão pela televisão, justamente para que essas situações de facilitação de gols e de pênaltis passe despercebida da maioria das pessoas.
 
Em última análise, a manipulação de resultados possui similaridades com a corrupção. Porém, as possíveis punições serão baseadas no Estatuto do Torcedor, que é uma legislação própria do futebol. Como funciona isso? 
O Estatuto do Torcedor, quando considerou algumas condutas como criminosas, estabeleceu possíveis punições tanto para quem oferece ou promete alguma vantagem financeira, ou mesmo não financeira, quanto para aquele que recebe. Nesse aspecto, é muito similar à corrupção ativa ou passiva na administração pública, já que é crime tanto pagar ou prometer quanto receber vantagens. Ou seja, também é crime prometer que vai pagar para determinado jogador ou dirigente para que ele manipule o resultado de um jogo. Ou seja, para caracterizar o crime, não precisa haver o pagamento. Basta a promessa, exatamente como no caso da corrupção.


A maioria dos jogos de azar são proibidos de operar no Brasil, mas esse não é o caso das apostas esportivas. Apesar de estarem hospedados em outros países e de não pagarem impostos, os sites podem funcionar desde 2018, quando o então presidente Michel Temer sancionou a Lei 13.756/2018 | Foto: SHUTTERSTOCK / CP

O jogo e a legislação no Brasil

Em sua maioria, os jogos de azar são proibidos de operar no Brasil. Mas esse não é o caso das apostas esportivas. Apesar de estarem hospedados em outros países e de não pagarem impostos, os sites podem funcionar desde 2018, quando o então presidente Michel Temer sancionou a Lei 13.756/2018, que torna legal no país a aposta esportiva, desde que atenda a alguns requisitos. Um deles é que as apostas devem ser por cotas fixas, conhecidas como “odds”, quando o montante que o apostador vai receber se vencer já é conhecido no instante da aposta.

O problema é que a lei também previa uma regulamentação, quando seriam determinadas regras mais específicas para o funcionamento destes sites no Brasil. O Ministério da Economia, inclusive, incumbiu o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de fazer um estudo sobre o assunto, que não foi concluído.
No centro do debate sobre apostas esportivas estão as estimativas, também elaboradas pelo Ministério da Economia, de que o mercado, após a regulamentação, poderia arrecadar algo em torno de R$ 6 bilhões em impostos todos os anos. Esses recursos seriam suficientes para elaborar políticas públicas para contenção de danos à sociedade, principalmente para oferecer tratamento médico e psicológico para os “jogadores compulsivos”.

Em junho deste ano, o governo federal acenou com a possibilidade de fazer a regulamentação por meio de uma Medida Provisória, mas a ideia foi abandonada após lobby no Congresso Nacional. Portanto, apesar da permissão de funcionamento no Brasil, os sites de apostas esportivas operam em uma espécie de “zona cinzenta” da legislação.
Segundo estimativas de entidades ligadas ao setor, o faturamento global dos sites de apostas esportivas chegou a 1,45 trilhão de euros em 2021. Ou seja, R$ 7,5 trilhões, valor que equivale a uma vez e meia o orçamento inteiro do Brasil para 2022.

Mais casos de fraudes ocorridas no Brasil e em outros países do mundo

MÁFIA DO APITO (2005).

Denunciada por uma matéria na revista Veja em setembro de 2005, a Máfia do Apito foi um esquema de manipulação de resultados que causou a anulação de 11 jogos do Campeonato Brasileiro daquele ano por iniciativa do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). O pivô do escândalo foi o árbitro Edílson Pereira de Carvalho (integrante do quadro da FIFA), que, em troca de uma remuneração em dinheiro, manipulava os resultados das partidas nas quais atuava. Todos os jogos em que ele trabalhou foram anulados e realizados outra vez, asfaltando o caminho do Corinthians até o título. O Inter ficou em segundo lugar e até hoje se considera injustiçado pela anulação dos 11 jogos. 

 
FUTEBOL FEMININO (2022).

Em junho deste ano, o presidente do Santos, Andrés Rueda, revelou que um funcionário do departamento de futebol feminino do clube tentou “comprar” uma jogadora do Bragantino. O acusado, um preparador de goleiras, foi demitido. “A gente teve um fato lamentável comprovadamente nesse fim de semana, que talvez seja a ponta de um iceberg do que está acontecendo no nosso futebol. Um funcionário do nosso clube, do futebol feminino, utilizando-se de um intermediário do Bragantino, tentou subornar uma jogadora do Bragantino para arranjar um resultado elástico já no primeiro tempo do jogo para efeito de apostas”, disse o presidente santista. O caso ainda não foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), mas levantou o alerta das entidades brasileiras.
 
COPA ARGENTINA  (2022).

Na Argentina, a Justiça investiga a possível contaminação de um jogo entre Boca Juniors e Agropecuario pela Copa Argentina, ocorrido no dia 10 de agosto. De acordo com as apurações, sites de apostas esportivas clandestinos teriam influenciado a expulsão do defensor Milton Leyerndeker. O problema é que o jogador exagerou na dose de violência e, na jogada em questão, acabou lesionando gravemente o atacante Ezequiel Zeballos, que precisou passar por uma cirurgia. 
“A fiscal (Celsa) Ramírez investiga se existem apostas de que haveria um jogador do Agropecuario expulso antes dos 10 minutos da partida disputada na província de Salta. A ação violenta que culminou com a lesão de Zeballos – que o deverá permanecer inativo por meses – ocorreu aos 6 minutos do primeiro tempo da partida”, informou o Ministério Público da Argentina, em nota.
 
CASO ROBERT HOYZER (2005).

Em 2005, o árbitro alemão Robert Hoyzer foi preso sob acusação de manipular resultados de jogos da Copa da Alemanha e da segunda e terceira divisões do país durante o ano anterior. Segundo o que ele próprio confessou, em depoimentos à polícia alemã, Hoyzer tinha relações com apostadores croatas. Estima-se que o esquema envolveu 2 milhões de euros. O árbitro foi banido do futebol.
 
REBAIXAMENTO DA  JUVENTUS (2006).

Um dos casos mais célebres de manipulação de resultados envolve a gigante Juventus e outros grandes do futebol italiano. Em 2006, surgiram denúncias dando conta de que árbitros “comprados” atuaram em jogos específicos do Campeonato Italiano. Entre as provas obtidas pela investigação, estão gravações de conversas por telefone do presidente da Juventus na época, Luciano Moggi, propondo o esquema. Devido ao escândalo, a Juventus foi rebaixada e perdeu os títulos italianos de 2005 e 2006. Além disso, todos os demais clubes envolvidos começaram a temporada seguinte com pontuação negativa. Ao todo, 19 dirigentes e árbitros foram suspensos.
 
PAULISTÃO  2022.

Após o Catanduva aplicar um 7 a 1 sobre o Andradina, em julho, pela 4ª divisão do Campeonato Paulista, foi aberta uma investigação para apurar suposta manipulação do resultado do jogo, disputado no estádio Sílvio Salles, em Catanduva. A Federação Paulista de Futebol encaminhou a denúncia ao Comitê de Integridade da instituição. Um dia após a partida, o Andradina afastou três jogadores do elenco, alegando “deficiência técnica”. Depois, em nota oficial, o Catanduva afirmou que “especialmente nas últimas divisões, existe a chamada máfia das apostas” e afirmou não ter ocorrido nenhuma irregularidade na atuação da equipe. Também na nota, o clube reforçou que “jamais se venderá a que título for” e que “a agremiação que aceita jogar esse jogo sujo é a única responsável por alcançar o combinado entre a equipe e os apostadores”.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895