Manipulações aumentam em 2022

Manipulações aumentam em 2022

Número de partidas identificadas como suspeitas a partir do movimento de apostas já passa de 800 em todo o mundo neste ano

Estimativas apontam que as casas de apostas devem movimentar ao redor do mundo neste ano valores na casa dos R$ 8 trilhões. No Brasil, a maioria dos sites está hospedada em outros países, gerando poucos empregos em solo brasileiro e não pagando impostos

Por
FABRICIO FALKOWSKI

O esforço dirigido por organizações criminosas para corromper o mundo do futebol e contaminar o resultado de jogos não é uma exclusividade dos gaúchos. Pelo contrário. Na verdade, trata-se de um fenômeno mundial, que atinge quase todas as ligas, desde as menos relevantes até partidas da Copa do Mundo. Segundo estudo da Sportradar, empresa que trabalha para Fifa, CBF e Federação Gaúcha exatamente para tentar coibir a manipulação de resultados, mais de 800 partidas foram identificadas como suspeitas em todo o mundo só neste ano. A tendência é que este número chegue a mil até dezembro. Trata-se de um recorde absoluto.

“A manipulação de resultados continua sendo uma ameaça constante e crescente em todo o mundo do esporte. O ano de 2022 está a caminho de estabelecer o recorde de ter o maior número de partidas suspeitas da história, com a probabilidade de alcançar mil pela primeira vez. Já identificamos mais de 800 partidas suspeitas até o momento este ano, em mais de 60 países, das quais mais de 500 foram no futebol, demonstrando que a questão da manipulação de resultados é algo que continua crescendo e que a modalidade lidera a maioria das partidas suspeitas globalmente”, avaliou, em entrevista exclusiva ao CP, o diretor de serviços de integridade da Sportradar, Andreas Krannich.

O executivo confirma que as tentativas de manipulação de resultados atingem principalmente as ligas menores, onde os jogadores têm salários baixos, os clubes são desestruturados e os jogos possuem pouca visibilidade. Por isso, ficam mais sujeitos à corrupção. O problema foi identificado no Estado, onde jogadores, técnicos e dirigentes ligados à clubes que disputam a Série B do Gauchão foram procurados para que interferissem nos resultados de seus jogos. A Polícia Civil e o Ministério Público investigam vários casos assim.

“Em todo o mundo no ano passado, em competições nacionais de futebol, aproximadamente 50% das suspeitas vieram de divisões inferiores, incluindo competições de base. Nesse nível, a remuneração dos jogadores é baixa em muitos países, e isso os torna mais suscetíveis a abordagens de manipulação de resultados. Essas ligas e competições menores geralmente não têm força e recursos financeiros para implementar as principais proteções de integridade. O menor investimento, se houver, em medidas de proteção da integridade é outro fator-chave para resolução desses problemas”, continua Krannich.

Apesar de menores, também há riscos durante a Copa do Mundo. Tanto que a Fifa já trabalha na prevenção. “A ameaça permanece com a possibilidade de que manipuladores de resultados tentem se aproximar de jogadores que participarão do torneio nos meses que antecedem à competição, principalmente devido aos ganhos potenciais extraordinariamente altos que serão possíveis com a manipulação”, segue Krannich. Ele assegura que durante a Copa, a pedido da Fifa, a Sportradar fará o monitoramento das apostas.

Sites espalhados pelo país

Por trás das tentativas de manipulação de resultados, estão milhares de sites de apostas, legais ou não, espalhados por todos os cantos do planeta. Segundo estimativas conservadoras, tais casas devem faturar cerca de R$ 8 trilhões em 2022 no mundo. No Brasil, esses sites, em geral hospedados em outros países, não pagam impostos e geram raríssimos empregos, mas aparecem em propagandas de TV e de rádio, estão nas camisetas de praticamente todos os times das Séries A e B do Brasil, em placas de publicidade ao redor do gramado dos campos de futebol e espalhados pela internet.

Para aumentar as possibilidades de ganhos, os apostadores ameaçam ou subornam atletas, técnicos e dirigentes de todas as modalidades esportivas, principalmente o futebol. Vale o resultado do jogo, mas também o tempo de cada gol, um cartão amarelo ou vermelho e até mesmo o número de escanteios. Se aposta em tudo, o tempo todo. “A maioria das atividades de apostas suspeitas ocorre por meio do mercado de apostas asiático, que não possui o tipo de regulamentação e mecanismo de relatório vistos em muitos mercados bem regulamentados como na Europa e na América do Norte, com os manipuladores de resultados bem cientes dessa fraqueza e prontos para explorá-la”, observa Krannich.

De acordo com as investigações da Polícia Civil gaúcha, há indícios muito claros da participação de organizações criminosas na tentativa de manipular resultados esportivos. Elas utilizariam o sistema para diversificar os “negócios”, reinvestir os lucros obtidos em outros crimes ou simplesmente para a lavagem de dinheiro.

Prevenção passa por uma regulamentação

Especialistas apontam, em primeiro lugar, para a necessidade de uma formalização do mercado de apostas no Brasil, que atua desde 2018, quando o então presidente Michel Temer sancionou uma lei autorizando o funcionamento das apostas esportivas no país. Porém, ainda é preciso uma regulamentação que entregaria uma série de regras ao setor e, além disso, possibilitaria a cobrança de cerca de R$ 6 bilhões em impostos.

Além disso, é preciso ser feito um trabalho de prevenção. A própria Sportradar montou o que ela chama de Sistema Universal de Detecção de Fraudes (Universal Fraud Detection System). Trata-se de um programa que monitora o mercado de apostas em tempo real, detectando padrões irregulares e suspeitos. Desde que foi criado, há 18 anos, foram detectadas mais de 7,4 mil partidas suspeitas em 15 diferentes esportes em todo o mundo. O sistema é provido por algoritmos sofisticados e um banco de dados que coleta diariamente informações de mais de 600 operadores globais de apostas.

Quando uma possível fraude é detectada, a Sportradar emite alertas para a entidade que promove a partida, como a Fifa, a CBF ou a Federação Gaúcha de Futebol, por exemplo. Em geral, a polícia e o Ministério Público também são alertados da suspeição. Desde 2021, a empresa também trabalha em parceria com a Polícia Federal para cooperar formalmente em investigações sobre violações da integridade esportiva no Brasil.

Por fim, é fundamental, além de trabalhar na prevenção, responsabilizar e punir as pessoas envolvidas na manipulação de resultados. Nesta fase, entra o trabalho tanto da Polícia Civil quanto do Ministério Público. “O futebol é um aspecto importante da cultura brasileira. Quando um resultado é de alguma forma corrompido, além de gerar ganhos para os criminosos, atinge uma série e pessoas que amam o futebol e os seus clubes. É o guri que vê o jogo grudado no alambrado que é a vítima”, finaliza o delegado Gabriel Bicca, da Coordenadoria de Recursos Especiais da Polícia Civil. É ele que investiga uma série de jogos, principalmente na Série B gaúcha, suspeitos de contaminação.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895