Mudança parte da atualização de informações

Mudança parte da atualização de informações

Professores destacam evolução gradativa do conteúdo didático sobre o agronegócio brasileiro, especialmente na formação de gerações defensoras de uma produção sustentável, mas reconhecem que há dados defasados

Por
Nereida Vergara

O professor do curso de Geografia da Ulbra, Orlando Albani de Carvalho, que já lecionou no ensino regular, acredita que os livros oferecidos pelo Ministério de Educação têm qualidade razoável e que, via de regra, utilizam fontes de informações confiáveis. No entanto, reconhece que pode haver casos onde as referências acabam defasadas. O professor cita como o exemplo o uso dos dados do Censo Agropecuário de 2006, utilizados em várias edições até 2017, quando foi feito o novo censo. "Isto, com certeza, acontece", diz Carvalho, para quem buscar a qualidade do material didático é uma iniciativa louvável, desde que não seja motivada pelo revisionismo histórico. 

A professora de Geografia da Escola Estadual José de Quadros, em Arroio do Sal, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, Senira Beledelli, defende que, nos últimos anos, os livros têm sido cada vez de melhor qualidade e que, se eventualmente se identificam problemas nas referências, o professor tem condições de corrigir em aula. Além disso, Senira observa que a orientação pedagógica das escolas permite que o professor escolha, entre várias opções, o material que quer utilizar em aula. Ela acrescenta que não é possível apagar da história os prejuízos trazidos pelo avanço da agropecuária, como o desmatamento e o uso de agrotóxicos, e acredita que o ensino criou consciência em gerações de pessoas que hoje defendem a produção sustentável. 

Mário Ghio, presidente do grupo Somos Educação, que congrega algumas das principais editoras de livros didáticos do Brasil, considera muito importante a ponte criada pelo movimento De Olho do Material com as editoras. Segundo ele, a atualização do tratamento dado ao agronegócio nos livros é justa e necessária, já que a atividade brasileira é líder no mercado mundial, não apenas em produção, mas também em tecnologia. "Em alguns casos o agro segue sendo retratado como no século 20, no século 21", completa. 

É o que viveu na prática o economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Antônio da Luz, pai do adolescente de 14 anos Enzo da Luz, que se aproximou do grupo De Olho no Material Escolar durante a 45ª Expointer. O contato se deu por meio da atividade promovida pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o Instituto Desenvolve Pecuária e a Farsul, através da qual ocorreram visitas de escolas a diversos setores da feira para conhecer os avanços do agronegócio, inclusive na área de máquinas. 

"Recebemos uma escola de um assentamento da reforma agrária, onde os professores e alunos, antes de iniciar a visita, diziam que toda aquela tecnologia em máquinas por certo não era para eles", conta o economista-chefe da Farsul, Antônio da Luz (E), pai de Enzo da Luz, de 14 anos, sobre a experiência vivida na 45ª Expointer | Foto: Arquivo pessoal / CP.

Corroborando uma fala de Letícia, de que os livros têm mostrado o agro sempre como "um copo meio vazio" e introjetado nas crianças um complexo de inferioridade, Da Luz afirma que a experiência no Parque Assis Brasil demonstrou que há espaço para mudanças. "Recebemos uma escola de um assentamento da reforma agrária, onde os professores e alunos, antes de iniciar a visita, diziam que toda aquela tecnologia em máquinas por certo não era para eles", conta o economista. No encerramento do roteiro, os alunos reportaram sua mudança de visão e entenderam que o avanço é para todos os agricultores. "Vimos as crianças e jovens, refratários no início da visita, mudarem de opinião", comemora Da Luz. 

Aluno rural em vantagem

Foto: Arquivo pessoal / CP.

Pai de Martin Noronha, de seis anos, o vice-presidente de Assuntos Sociais da Associação Gaúcha de Professores e Técnicos do Ensino Agrícola (Agptea), Henrique dos Reis Noronha, avalia que as bases do material didático, em alguns casos, remontam a antes da Revolução Verde (conjunto de medidas que a partir de 1960 melhorou o processo de produção em escala da agropecuária). "Ainda se menciona nos livros o agente laranja herbicida que deixou de ser usado há décadas e se criminaliza a pecuária pelo efeito estufa", aponta. 

O professor e veterinário não crê que a situação tenha um caráter político e nem uma intenção de tornar panfletária a educação. "Acho que é falta de conhecimento na maior parte dos casos. Não se pode limitar o entendimento da agropecuária ao orgânico e o familiar e criminalizar os outros sistemas de produção", defende.

Vice-presidente da Agptea, Henrique Noronha, pai de Martin Noronha, de 6 anos, ressalta importância da vivência prática | Foto: Arquivo pessoal / CP.

Noronha explica que, nas escolas rurais, mesmo que tenham acesso aos materiais didáticos oficiais, os alunos levam vantagem no entendimento em relação aos alunos urbanos. Isso porque estão num contexto em que os faz entender as diferenças e até a confrontar a realidade com aquilo que está escrito nos livros. "Eles têm a vivência das situações e a possibilidade de experimentar coisas como plantio e manejo de criações", acrescenta.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895