Mudanças que causam polêmica

Mudanças que causam polêmica

Tempo extra mais longo e menor margem de reclamação para jogadores e técnicos dividem opiniões no futebol brasileiro

Nova determinação da Fifa, acatada pela CBF, indica que os árbitros tenham menos tolerância com reclamações, tanto dos treinadores como dos jogadores

Por
João Paulo Fontoura e Fabricio Falkowski

Desde a Copa do Mundo de 2022, as partidas de futebol ficaram maiores. Cada etapa, que antes tinha acréscimos de três ou quatro minutos em média, agora não raras vezes são estendidas em pelo menos o dobro disso ao bel-prazer do árbitro. Na verdade, não é uma opção pura e simples dos juízes, mas uma orientação da CBF que, por sua vez, atendeu a um pedido da Fifa. Se, por um lado, os vários minutos extras prorrogam o “espetáculo” e punem a “cera”, por outro, aumentam o nível de desgaste físico dos jogadores, já sujeitos a um calendário pesado no Brasil.

A medida teve início em grande estilo na Copa do Catar. A ideia é compensar com maior justiça as paralisações no jogo, aumentando o tempo de bola rolando. Os acréscimos de tempo maiores do que o comum foram uma das inovações mostradas no Mundial, mas agradaram tanto que a IFAB, a Associação Internacional que regula as regras do futebol, recomendou que todas as suas associações e federações replicassem o modelo. A CBF, então, copiou a estratégia e repassou aos árbitros do Brasileirão. A Conmebol, por sua vez, mantém a orientação antiga, bem menos rígida na compensação das paradas. Por isso, os jogos da Libertadores, por exemplo, são menos longos.

O tema, aliás, divide opiniões entre os treinadores, árbitros e analistas de arbitragem. No Rio Grande do Sul, enquanto o técnico Renato Portaluppi defende a medida, Mano Menezes a critica fortemente e, inclusive, fez a conta de quantas partidas extras os minutos de acréscimos representarão ao final da temporada. “O árbitro também tem uma parcela importante para o jogo não parar. Se ele está vendo que um jogador se joga no chão sem ter acontecido algo e ele deixa o jogo rolar, o jogador levanta e vai para o jogo. Se ele não for toda hora lá falar com o cara que não teve nada, o jogo não vai precisar ter tanto acréscimo”, defende Mano.

Ele, junto com a sua comissão técnica e o grupo de jogadores do Inter, vai enfrentar três competições em paralelo nas próximas semanas. Ou seja, o time terá que jogar pelo menos uma vez a cada três dias e meio, em média. Por isso, cada minuto extra é motivo de preocupação. “Sabe quantos jogos a mais significa 15 minutos de acréscimo? Fizemos a conta. São oito jogos a mais no ano. Será que não é suficiente jogar 70, 80 jogos? Como vai ser a preparação para o desgaste dos jogadores? Será que vamos ter mais lesões? Quem vai reparar isso? São coisas que a gente podia discutir em uma profundidade maior”, diz o técnico.

Renato não concorda. “Futebol é assim. Acabou o negócio da cera. Essa é a minha opinião. Tenho que dar parabéns à CBF por isso e também pelos cartões (há a orientação de punir todos os jogadores que reclamarem de alguma decisão dos árbitros). É assim: quem quer jogar, joga; quem quer fazer cera, vai levar 10 ou 15 minutos de tempo extra sem problema algum. Tem que acabar com isso mesmo”, afirmou o comandante gremista, há alguns dias. “Têm caras que ficam caindo toda a hora para ganhar dois ou três minutos. Uma bola passa a 20 metros do gol e o goleiro cai no chão para ganhar mais três ou quatro minutos. Isso acontecia, mas o juiz não compensava todo o tempo. Então, parabéns à CBF. Tem que continuar assim. Se tiver que dar 20 minutos, que dê 20 minutos a mais em cada jogo”, aponta.

 
SEM RECLAMAÇÕES

Outra novidade é a orientação para punir com mais rigidez as reclamações dos jogadores ou integrantes da comissão técnica, tanto em campo quanto no banco de reservas. A ideia é não tolerar mais que o árbitro seja envolvido por aquele “bolinho” de jogadores cujo objetivo é só exercer pressão sobre o apitador após uma decisão. Neste caso, a meta é, além de evitar o desperdício de tempo, aumentar a disciplina.

De novo, a medida não foi bem-aceita por todos os envolvidos, ganhando apoio de alguns e críticas de outros. E, mais uma vez, os técnicos da dupla Gre-Nal estão em lados opostos. “Acabaram as reclamações dentro de campo, dos jogadores, e da comissão técnica, fora de campo. Se eu pisar na bola, também tenho que tomar cartão. A CBF está certíssima. Já é possível perceber que os jogadores estão respeitando mais os árbitros, que estão ali só para apitar”, defende Renato.

Mano, que é um dos que mais recebe cartões entre os técnicos do Brasil, tem uma opinião diferente. “Eu nunca gostei muito dessa determinação da arbitragem brasileira de se esconder atrás do cartão. Assiste a um jogo da Premier League, que é sempre um jogaço. Os treinadores reclamam, os jogadores reclamam e não aconteceu nada. A arbitragem no Brasil não protege o futebol, mas o árbitro. E isso é muito ruim”, defende o profissional colorado.

‘Os árbitros não podem confundir autoridade com autoritarismo’

Renata Ruel foi árbitra da Federação Paulista de Futebol e da CBF. Atualmente, é comentarista dos Canais Disney/ESPN e analisa a atuações dos seus ex-colegas. Ao contrário da maioria de ex-profissionais do apito, a paulista é uma voz de dissonante em muitos dos assuntos que envolvem a tema da arbitragem.


Para a analista de arbitragem Renata Ruel, a CBF precisa avaliar a cultura do futebol brasileiro | Foto: DIVULGAÇÃO ESPN / CP

Qual a sua opinião sobre as novas orientações da Fifa que a CBF acatou?
Apesar de a regra ser universal, as competições promovidas pelas federações e confederações filiadas à Fifa têm pequenas diferenças. Todas elas precisam seguir a regra da Fifa, mas tem a questão cultural que muda muito de um lugar para outro. O futebol europeu é diferente do sul-americano. A diferença é gritante. Muitas coisas que a Fifa passa tem por base o futebol europeu, que em outros lugares do mundo não é acatado justamente porque a cultura do futebol do país é diferente. Os acréscimos, por exemplo. O Brasil está adotando a orientação, mas a Inglaterra não, assim como outros países da Europa. Algumas mudanças são para melhorar, mas tem coisas que eu acho que podem ser revistas e adaptadas. A CBF precisa fazer essa leitura. O que cabe ou não no futebol brasileiro. 

Você acredita que ainda vai haver um período de adaptação dos jogadores, treinadores e até dos árbitros em relação a essas novas medidas, principalmente de comportamento?
Isso tudo entra na questão cultural. Os jogadores brasileiros quando estão aqui reclamam, fazem pressão e bolinho ao redor do juiz porque o futebol daqui permite. Na Europa, esses mesmos jogadores não fazem isso. Eles mudam de comportamento. Para o produto futebol, é muito importante que o jogo se desenvolva. Quanto menos tempo de bola rolando, pior para o espetáculo. Mas para ter essa mudança, os árbitros não podem confundir autoritarismo com autoridade. São coisas distintas. Para diminuir a reclamação não basta o cartão amarelo, mas sim uma boa arbitragem. Isso não soluciona a questão cultural. A mudança tem que ser em conjunto e acho que vai demorar para acontecer. 

 Para uma pessoa leiga, que vê de fora, independentemente da posição a respeito das mudanças, há um aspecto que chama atenção: se os árbitros são os mesmos, as intercorrências em um jogo são as mesmas e as regras são as mesmas, por qual motivo esses mesmos árbitros não davam esses mesmos acréscimos antes da orientação?
É uma ótima pergunta. Porque muitas coisas vão da orientação que os árbitros recebem. Lembro que antigamente era para o árbitro pensar “se você tem 45 minutos e der 5 minutos de acréscimo, no final são 10% do tempo do jogo”, e isso era muito tempo. Tinha que ser algo absurdo. E hoje mudou. Mas isso é orientação, pois a regra do jogo fala em recuperar o tempo perdido. Só que você não vai recuperar tempo de tiro de meta ou da cobrança de uma falta por exemplo. O importante é coibir uma cera, um atendimento médico, o VAR. Hoje o tempo aumentou significativamente. Os árbitros, quando são orientados e não cumprem, são punidos. Eles podem até não concordar com as recomendações, mas têm que cumpri-las.

Até aonde a regulamentação pode ir para não ferir a regra do jogo?
É um ponto gigantesco. A gente vê orientações que tentam dar um norte para os árbitros, mas fogem do entendimento de futebol. Vejo isso sobre a mão na bola, por exemplo. Antigamente, era muito claro, se sabia o que era falta ou não. Hoje, os árbitros não sabem mais, os jogadores, torcedores e a mídia também não. Se cria uma confusão gigantesca. E se vê uma orientação gritante em relação ao que é passado no Brasil, na Conmebol e na Europa. Muitos “braços e mãos” aqui não se marcam lá fora. E eles passam por cima da orientação da Fifa porque enxergam o futebol de forma diferente. É preciso limite na orientação para não distorcer o que é a regra e o que é o próprio jogo futebol.

Aqui no Estado, Renato Portaluppi e Mano Menezes têm posicionamentos opostos em relação ao tema dos acréscimos. O primeiro é muito a favor e, o segundo, contra. Jogar mais de 100 minutos por jogo é uma tendência que veio para ficar?
Hoje, o jogo tem no mínimo 100 minutos mesmo. Tem jogo de até 120, que é quando tem prorrogação. É algo de se pensar até por uma questão física dos jogadores. Se você quer mais tempo de jogo, a saída é mudar algumas dinâmicas. É assunto pertinente, mesmo com o número de substituições aumentada para cinco (a mudança foi autorizada pela Fifa durante a pandemia, mas nunca mais retirada). Foi tendência na Copa e agora a gente está vendo no Brasil. Na Europa, só acontece com coisas fora do normal, mas segue o mesmo de antes da Copa. É algo de se pensar se é a solução para ter mais tempo de bola rolando ou não.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895