Museus sofrem com baixo número de visitas no RS

Museus sofrem com baixo número de visitas no RS

Por motivos como desconhecimento ou falta de formação, grande parte da população não tem o costume de frequentar os espaços

Por
Felipe Falero

Porto Alegre é uma cidade cultural, com uma profusão de instituições de entretenimento, lazer, ciência e arte. Os 79 museus espalhados pela Capital são prova disto, permitindo aos moradores e turistas contemplar exposições e eventos de maneira geral, bem como sua arquitetura única e contemplativa. Não é exagero dizer que estes edifícios contam boa parte da história da cidade e ainda se renovam ao longo dos tempos, perpassando a história, registrando e se conectando a uma linha contínua que une passado, presente e futuro.

Opções administradas pelo poder público, associações e pela iniciativa privada compõem a carta de opções museológicas de Porto Alegre e há propostas para todos os gostos, evocando uma tradição cultural que somente tem paralelo em poucas capitais do país. Grande parte destes estabelecimentos está situado no Centro Histórico, onde há também a maior concentração turística da cidade. Repositórios das vivências humanas ao longo dos séculos, os museus sofrem, no entanto, com a relativa baixa procura pela população, embora este fenômeno não esteja restrito à capital gaúcha.

“O Rio Grande do Sul é um dos estados com maior número de museus no país. E não apenas aqui em Porto Alegre, mas no Brasil inteiro. Muitas vezes certos públicos não visitam estes locais por desconhecimento e por não terem tido formação cultural”, afirma Zita Possamai, professora titular dos programas de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio e em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

Para ela, é muito comum determinados estratos sociais da sociedade, ao visitarem a Europa e os Estados Unidos, por exemplo, frequentar lugares de renome, como o Museu Metropolitano de Arte (Met) e o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), o Museu Britânico, em Londres, o Louvre, em Paris, mas estas mesmas pessoas nunca frequentaram um museu de sua própria cidade. “Isto é decorrência de uma formação, na escola ou na família, de valorização da cultura local, que faz parte de uma formação cultural, artística, para o estético e inclusive para o patrimônio”, afirma Zita.

Os dados mostram que há grande disparidade entre as situações dos municípios gaúchos. O Sistema Estadual de Museus (SEMRS), vinculado à Secretaria Estadual de Cultura (Sedac), aponta atualmente que há 598 locais do tipo no Estado. Outro dado mapeado é a densidade museológica, referindo o número de museus por habitante. Em 2020, data do levantamento mais recente, havia 597 instituições no RS, que ainda contava com pouco mais de 11,5 milhões de habitantes, conforme dados da época do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um museu a cada 19,2 mil moradores.

A Capital, conforme este ranking, tinha os mesmos 79, ou um a cada 18,8 mil habitantes. Dos 25 dos 49 municípios da 1ª Região Museológica (1ª RM) com ao menos um museu, Porto Alegre estava na 12ª colocação, mas, considerando o Estado todo, a Capital figurava na 179ª posição de 239 cidades. O próprio documento aponta que, em Porto Alegre, “o alto número de museus termina diluído em meio à elevada população local, o que lhe dá um índice mais modesto”. “A questão não é tanto a quantidade, mas sim a qualidade dos museus. Qual o sentido de termos muitos locais, se eles não têm condições de manter seus acervos, de conservar, preservar, documentar, pesquisar e se comunicar adequadamente com a sociedade?”, questiona Zita.

Além do maior número a nível estadual, a Capital também conta com seis dos dez museus mais antigos do Rio Grande do Sul: o Julio de Castilhos, fundado em 1903, é o primeiro do RS. Depois, em 3º no RS, vem o Museu Anchieta de Ciências Naturais (1908), em seguida a Pinacoteca Barão de Santo Ângelo (1908, 4º), Museu de Mineralogia e Petrologia Luiz Englert (1909, 5º), Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul (IHGRGS, 1920, 6º) e o Museu de Paleontologia da Ufrgs Irajá Damiani Pinto (1945, 10º).
Os outros quatro são o Museu Histórico da Bibliotheca Pública Pelotense, em Pelotas (1904, 2º), Museu Vicente Pallotti, em Santa Maria (1935, 7º), Museu Histórico Barão do Santo Ângelo, em Rio Pardo (1935, 8º), e Museu das Missões, em São Miguel das Missões (1940, 9º). 

Pesquisas e eventos buscam entender comportamentos e ampliar interesse

Em 2019, ano da pesquisa mais recente divulgada pela Sedac, a única instituição de Porto Alegre e do Estado a superar 100 mil visitantes foi o Museu de Arte do Rio Grande do Sul Ado Malagoli (Margs), com 105,8 mil pessoas no período. Em seguida, apareceram o Museu do Sport Club Internacional Ruy Tedesco, com 60,4 mil, e o Museu Militar do Comando Militar do Sul (MMCMS), com 56,3 mil.

Na visão da titular da Sedac, Beatriz Araujo, estes locais têm o compromisso de garantir universalidade de acesso, respeito e valorização da diversidade. “Os gaúchos e gaúchas valorizam sua história e memória. Em seu conjunto, esses museus espelham nossa grande diversidade cultural, mesmo com algumas lacunas que estão sendo preenchidas”, comenta a secretária, citando a Lei Federal 11.904/2009, que institui o Estatuto dos Museus, e que estabelece, entre suas normativas, a função social destes estabelecimentos.

Desde 2016, há sete edições, Porto Alegre sedia a Noite dos Museus, que, apesar do nome, não ocorre apenas nestas instituições, mas agrega ainda atividades de cinema, música, literatura e teatro. Em 2023, o evento, que não contou com a participação das instituições vinculadas à Sedac, recebeu 65 mil visitantes, de acordo com dados divulgados por sua organização e teve a adesão de 16 locais. “A Noite dos Museus surgiu a partir de uma pesquisa do IBGE indicando que 96% da população não frequentava museus ou jamais tinha apreciado uma exposição de arte”, conta o idealizador do evento, Rodrigo Nascimento.

Depois disto, houve uma pesquisa local, cujo resultado, assim como ressaltou a professora Zita Possamai, mostrou que as pessoas não costumavam visitar museus em Porto Alegre, embora o fizessem na visita a outras cidades. “Após a primeira edição, percebemos que, além dos museus, as pessoas ocuparam ruas e espaços públicos e que o evento é também uma forma de conhecer a cidade e nosso patrimônio”, comenta. “Eventos especiais têm grande potencial de atrair novos públicos, principalmente quando há forte divulgação pelos meios de comunicação e boa organização”, pontua Beatriz.

O imaginário que relaciona museus com espaços elitistas é rechaçado tanto pela museóloga da Ufrgs quanto pela secretária estadual de Cultura. “Obviamente, na sua origem, eles foram voltados para determinadas elites, pois nasceram na modernidade a partir de um olhar ocidental, europeu e branco. Mas, ao longo do tempo, se transformaram e se democratizaram, principalmente a partir dos anos 60, com o impulso da sociomuseologia”, explica Zita. Para titular da Sedac, “a ideia de elitismo possivelmente se relaciona à noção equivocada sobre o papel que as instituições museológicas desempenham no mundo contemporâneo”. 

O Correio do Povo selecionou oito instituições que atuam nas áreas cultural e científica e conta brevemente a história de cada uma a partir dos relatos de seus gestores e pessoas que compõem o dia a dia delas. Há ainda outros espaços importante, como o Museu de Comunicação Hipólito José da Costa, que atua na preservação da memória da Comunicação Social no Rio Grande do Sul, e o Museu de Arte Contemporânea do RS (MACRS), vinculado à Casa de Cultura Mario Quintana, e que exibe exposições de artistas nacionais e internacionais voltadas à contemporaneidade. Ambos são instituições da Sedac.

Museu Militar do Comando Militar do Sul (MMCMS)

Idealizado em 1994 e inaugurado em 24 de maio de 1999 no Centro Histórico, o MMCMS tem como objetivo, segundo seu diretor, o tenente-coronel Fabio de Castro Pereira, preservar a história do Exército Brasileiro e do Comando Militar do Sul (CMS), que contempla os três estados do sul do Brasil. “Hoje, o museu possui cerca de 5 mil peças, entre blindados, viaturas militares, obuseiros e canhões, armamentos, materiais do serviço de saúde, miniaturas e indumentárias, entre réplicas e originais. As peças do acervo são doadas, inclusive por colecionadores”, comenta o tenente-coronel.

Foto: Maria Eduarda Fortes

Desde sua inauguração até fevereiro de 2001, o Museu Militar funcionava no número 200 da avenida Padre Tomé. Já o edifício de agora, considerado pelo Exército em si o maior objeto do acervo, é uma atração histórica à parte. Foi inaugurado em 1867, como anexo do antigo Arsenal de Guerra de Porto Alegre e apoiou a logística de suprimentos durante a Guerra do Paraguai. Desde então, abrigou diferentes instalações militares, tanto no âmbito administrativo quanto operacional. “Nosso museu atrai o público principalmente pelo fato de haver a possibilidade de o acervo ser visto de perto. As pessoas podem interagir com grande parte dos materiais, incluindo um simulador de blindados”, observa o militar.

Museu de Arte do RS (Margs)

O Margs completou, no último dia 27 de julho, 69 anos de fundação, exercendo “uma função cultural preponderante”, avalia seu diretor-curador, Francisco Dalcol. Seu acervo artístico conta com mais de 5,7 mil obras, desde a primeira metade do século XIX até os dias atuais, enquanto o acervo documental reúne uma vasta coleção de itens como documentos históricos, institucionais e o meio das artes visuais como um todo. Recentemente, ambos foram digitalizados e podem ser consultados on-line. Para marcar o aniversário, o museu lançou maquetes táteis de seu prédio, em parceria com o curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc).

Foto: Maria Eduarda Fortes

“Museus como os de arte são espaços de memória, fruição, conhecimento, experiências e educação pela arte. O Margs se coloca naturalmente como um destino no roteiro e vida cultural dos públicos, desde o pesquisador até o turista, passando pelas famílias. Entendemos os públicos sempre no plural”, afirma Dalcol. De 2020 a 2023, o prédio teve a restauração arquitetônica da parte superior do prédio e seu sistema de climatização foi totalmente substituído. O alvará definitivo deve sair neste ano e há melhorias previstas na acessibilidade. Uma curiosidade é que o Margs, oficialmente, carrega o nome de seu primeiro diretor, Ado Malagoli (1906-1994), paulista que se mudou para Porto Alegre para ministrar pintura no antigo Instituto de Artes e adquiriu algumas das primeiras obras que compuseram o catálogo da instituição.

Museu Julio de Castilhos

O Julio de Castilhos, pioneiro entre os museus gaúchos e o oitavo fundado no país, tem por volta de 10 mil peças. “Não há dúvidas da importância do Museu Julio, como é carinhosamente conhecido pelo público”, explica a diretora da instituição, Doris Couto. As peças contam a história do povo gaúcho e muitas são relíquias, como a carruagem de Carlos Barbosa, a escultura de Duque de Caxias, feita por Antônio Caringi, e canhões da Revolução Farroupilha. Há ainda telas, fotografias, esculturas, mobiliário, prataria, documentos, têxteis, armaria, objetos de uso pessoal e doméstico, veículos e máquinas.

Foto: Maria Eduarda Fortes

“Instituições de memória são fundamentais na compreensão dos caminhos daqueles que nos antecederam. As abordagens que adotamos nos últimos anos têm nos aproximado ainda mais dos nossos diversos públicos”, diz ela, também mestre em Museologia e Patrimônio pela Ufrgs. A instituição pública já teve itens expostos inclusive fora do país, em locais como no Petit Palais, em Paris, no ano de 2012. Hoje a maior dedicação do local é às exposições temáticas, com temas voltados às questões indígenas, mulheres negras, entre outros grupos.

Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS

Criado na década de 1960 como Museu de Ciências da Universidade, o MCT foi projetado no espaço atual cerca de 20 anos mais tarde e inaugurado oficialmente em 1998. Ao longo dos anos, incorporou tecnologias para mediar a comunicação com o público e criar espaços educacionais cada vez mais interativos, conta a coordenadora de Processos Museais do local, Simone Flores Monteiro. “O contexto da experiência é o que desperta a atenção, poder contar como é ou foi, tocar, sentir, observar, andar, traz para o campo da vivência autoral, favorece a compreensão e possibilita o encantamento.”

Foto: Maria Eduarda Fortes

O acervo do museu, congregado à estrutura da PUCRS, tem experimentos interativos de áreas como física, química e matemática, além de coleções arqueológicas, biológicas, geológicas, entre outras. Conforme Simone, a curiosidade tem um caráter fundamental neste contexto e garante vivências inesquecíveis. Para ela, estas instalações, de maneira geral, são “espaços da compreensão do mundo” e precisam estar conectados com o público, criando pontes com escolas, instituições culturais, organizações sociais, governos e institutos.

Museu da Cultura Hip Hop RS

O primeiro museu dedicado ao movimento na América Latina iniciou sua história em 2018, após o falecimento do DJ Only Jay, que teve grande relevância no cenário musical. “A partir dali, maturou-se a perspectiva de não mais perder as memórias do hip hop”, conta Rafa Rafuagi, rapper por trás da iniciativa e integrante da Associação da Cultura Hip Hop de Esteio. O local ainda não está aberto ao público e deve ser inaugurado em 9 de dezembro. “Vai expor mais de 4 mil itens que foram arrecadados em um projeto que circulou por nove regiões do RS, com a participação de quase mil rappers, que doaram grande parte de sua história”, afirma Rafa. 

Foto: Maria Eduarda Fortes

“São peças que vêm do dia a dia da prática da cultura hip hop, como tênis, skate, microfones, instrumentos musicais, latas de spray, telas de grafite, fotos, jornais e outros materiais de comunicação.” O museu deverá gerar, inicialmente, 50 vagas de emprego e fica no antigo edifício da Escola Estadual Dr. Oswaldo Aranha. O local tem financiamento público e pretende ser um local de adesão da comunidade e de sustentabilidade, contando com a já inaugurada Estufa Agroecológica Periférica Flor do Gueto.

Fundação Iberê Camargo

Marco da arquitetura de Porto Alegre e do RS, o edifício da fundação está voltado para o Guaíba e é uma homenagem ao artista natural do município de Cachoeira do Sul. Considerado um dos mais icônicos representantes da arte moderna brasileira, Iberê produziu de mais de 7 mil obras. “Nosso objetivo é o de incentivar a reflexão sobre a produção contemporânea, promover o estudo e a circulação da obra do artista e estimular a interação do público”, comenta a assessora de Comunicação da fundação, Roberta Amaral.

Foto: Maria Eduarda Fortes

Criada em 1995, um ano após a morte de Iberê, na Capital, a fundação atua como organização sem fins lucrativos e tem, no seu acervo 216 pinturas do período de 1941 a 1994, mais de 1,5 mil gravuras em metal, litografias, xilogravuras e serigrafias e ainda 3,2 mil obras em desenhos e guaches. Entre as obras, está um autorretrato do artista pintado a óleo sobre madeira. “Iberê sempre buscou o rigor técnico, mantendo-se fiel às suas memórias e ao que considerava ético e justo”, comenta Roberta. O trabalho é estendido à comunidade com o Programa Iberê nas Escolas, formado por uma equipe de arte-educadores que atua no contraturno de escolas da rede pública, no município de Eldorado do Sul, e, a partir de agosto, em Guaíba.

Farol Santander

Inaugurado em 2019, o espaço junto à Praça da Alfândega apresenta instalações artísticas e culturais, contando também com o Restaurante Moeda e o Kofre Café. Ligado ao banco espanhol, o centro cultural, conforme a assessoria de imprensa, fomenta “oportunidades de acesso à cultura à população local e aos turistas”. Há exposições temporárias e permanentes, como a exposição Memória e Identidade, que apresenta a história de Porto Alegre, da praça em si e do sistema monetário brasileiro e a mostra Os Dois Lados da Moeda, citada como um dos maiores acervos de numismática do estado.

Foto: Maria Eduarda Fortes

“Desde sua inauguração, trazemos exposições históricas, biográficas e imersivas, mas também exibimos shows, concertos e espetáculos teatrais e de dança”, informou o Farol Santander, que também tem uma unidade em São Paulo. Até o final de setembro, o espaço na capital gaúcha exibe a exposição Smart Lights - Luzes Inteligentes, trazendo o conceito da chamada light art. 

Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo

Único museu pertencente à Prefeitura de Porto Alegre, o Joaquim Felizardo, que funciona no Solar Lopo Gonçalves, construído no século XIX e com traços da arquitetura luso-colonial, conta com três acervos, histórico, fotográfico e arqueológico, este com mais de 300 mil itens, subdivididos em coleções pré-históricas e históricas, provenientes de 83 sítios e áreas diversas da Capital. Os demais têm, respectivamente, 1,3 mil objetos, como pinturas, esculturas, indumentárias e documentos, e 12 mil fotografias da Capital dos séculos XIX a XX. O nome do museu homenageia o historiador e criador da Secretaria Municipal da Cultura (hoje incorporando também a Economia Criativa, com a sigla SMCEC).

Foto: Maria Eduarda Fortes

“Muitas pessoas procuram o museu buscando informações e conhecimento sobre o passado da nossa Capital. Muitas escolas trazem seus alunos para acompanhar palestras e fazer visitas guiadas. O acervo fotográfico é referência na cidade, sendo acessado por pesquisadores, acadêmicos ou não, de diversas áreas do conhecimento”, afirma a diretora do espaço, Beth Corbetta. 

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895