Números divergentes sobre fila do Detran-RS

Números divergentes sobre fila do Detran-RS

Enquanto milhares de pessoas continuam esperando sua vez para fazer a prova prática para a CNH, Detran-RS, CFCs e sindicato discordam sobre os dados, as causas do problema e as possíveis soluções

Por
Taís Teixeira

Em 25 de junho deste ano, publicamos a reportagem “Sonho difícil de ser conquistado”, que abordou a situação da longa fila de candidatos para tirar a carteira nacional de habilitação para conduzir veículos de pequeno porte (carros) no Rio Grande do Sul. Na época, o Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Sul (Detran-RS) divulgou que em torno de 112 mil pessoas aguardavam para a prova prática, represamento que foi potencializado pela redução de vagas causada pela pandemia. O tempo de espera para o teste de rua era de um mês, chegando a 5 meses em alguns municípios. O governador Ranolfo Vieira Júnior havia anunciado montante de R$ 1,3 milhão para a autarquia para resolver a situação e disse, em abril desse ano, que “em função da pandemia, há uma demanda represada de cerca de 110 mil candidatos aptos à realização do exame prático para a CNH. Com esse planejamento, nossa expectativa é que tenhamos isso regularizado até setembro”. O diretor-geral do Detran-RS, Marcelo Soletti, reiterou a fala do governador e disse que, com esse aporte financeiro, no mês passado esse imbróglio estaria definido. Esse é o objetivo da segunda parte desta reportagem: saber se foi possível, ou não, solucionando o problema.

Ranolfo Vieira Jr disse que havia cerca de 110 mil pessoas aptas, número que depois aumentou para 112 mil em junho, confirmado por Soletti. Nesta segunda etapa da reportagem, o diretor-geral deu um novo esclarecimento sobre a origem da fila. De acordo com ele, o que culminou no número de 112 mil candidatos é o somatório de pessoas que já passaram por todo o processo e estão aptas para o exame prático mais as pessoas que estão com o seu Registro Nacional de Condutores Habilitados (Renach) parados. “Os Renachs que foram iniciados desde outubro de 2019 não foram encerrados por determinação federal, ou seja, há 34 meses os Renachs abertos não foram finalizados'', explica. Soletti prossegue e enfatiza que muitos desses registros estão sem movimentação há muito tempo por diversos fatores, como desistência do candidato, mudança de endereço, falta de dinheiro ou ausência de perfil para dirigir. “Excluindo quem não movimenta o Renach há tempos, nós devemos hoje ter aptos para fazer a prova prática de 55 mil a 60 mil candidatos”, disse. O diretor-técnico do Detran-RS, Fabio Pinheiro dos Santos, reitera que não se trata de uma “fila indiana um atrás do outro à espera da prova”. Santos fala em 107 mil pessoas aptas, sendo que 42 mil não movimentam o Renach há pelo menos um ano, restando 65 mil aptos. Ele acrescentou que não há como estimar quantas pessoas de fato aguardam para fazer o teste de rua entre os 65 mil aptos.

Já o presidente do Sindicato do Centro de Formação de Condutores do Rio Grande do Sul (SindiCFC-RS), Vilnei Pereira Sessim, tem outro número. O dirigente diverge dos dados do Detran-RS desde a primeira reportagem. Quando a autarquia trabalhava com a estimativa de 112 mil pessoas para a CNH B, Sessim dizia que era em torno de 300 mil candidatos. Passados mais de 3 meses, quando Soletti mensura em torno de 60 mil à espera da prova e Santos afirma que não tem como contabilizar, Sessim mantém elevada a média, dizendo que há em torno de 160 mil Renachs em aberto,com 100 mil aguardando pela prova. Hoje, o dirigente trabalha para prorrogar essa vigência até março de 2023, “pois o público não tem culpa disso”. 

Em meio a controvérsias, o Detran busca soluções. Uma delas é o aumento de exames práticos oferecidos. Em 2019, antes da pandemia da Covid-19, a média mensal de exames práticos era de 36 mil ao mês. Em 2020, no auge da disseminação do coronavírus, caiu para 24 mil ao mês, uma queda de 34% em relação ao ano anterior. Já em 2021, o número subiu para 33 mil ao mês, número menor do que em 2019, mas 40% acima de 2020. Mas em 2022, houve um salto nas vagas ofertadas. “Neste ano, estamos com uma média de 46 mil provas por mês, 39% a mais do que o ano passado e 26% a mais do que em 2019. Temos feito mutirões, especialmente, no fim do dia e nos fins de semana em situações bem pontuais”, explica Soletti. Em maio, o Detran gaúcho aplicou 52 mil exames práticos, em junho, 49 mil, em julho, 50 mil em agosto, 56 mil, e em setembro em torno de 60 mil. “Estamos fazendo nossa parte e ofertando muitos testes”, explica o diretor-geral.

Sobre o tempo e as filas

Soletti destaca que a meta é reduzir o tempo de espera para 15 dias, o que ainda não ocorre em todo o Estado, especialmente em algumas cidades do Interior, como Caxias do Sul, Passo Fundo e Pelotas. Para isso, a Brigada Militar (BM) vai entrar em ação. “Estamos fazendo o credenciamento de 42 policiais militares que atuam no Centro de Formação de Condutores (CFCS) da BM para aplicar a prova prática em determinados locais de outubro a dezembro para atender essa demanda”, assinala. 

O diretor técnico do Detran-RS, Fabio Pinheiro dos Santos, reforça o relato de Soletti e salienta que o primeiro passo já foi dado, que é focar no quantitativo, expresso no aumento na oferta de vagas, e sinaliza a próxima providência. “O segundo ponto é focar no qualitativo, ou seja, vamos revisar a qualidade dos processos, incluindo a parte de ensino”, adianta.

Soletti também ressalta que está disponibilizando vagas, mas, em contrapartida, os CFCs não as estariam utilizando na sua totalidade. “Em agosto, oferecemos 66 mil vagas e foram feitas 56 mil provas, apenas 83% de aproveitamento”, disse o diretor-geral da autarquia, realçando que em alguns casos há feriados nos dias de provas de alguns CFCs, o que pode gerar atrasos, mas garante que as vagas estão sendo repassadas aos credenciados. “Vamos começar a acompanhar o índice de aprovação dos CFCs para saber como está o aprendizado do aluno e identificar onde está a falha desse processo”, antecipa, reiterando que é preciso saber onde está o gargalo porque ele não estaria na quantidade de provas ofertadas.

O presidente do Sindicato dos Servidores do Detran-RS (Sindet-RS), Wagner Guterres, endossa o argumento de Soletti quanto à necessidade de acompanhar o índice de aprovação dos CFCs e apresenta uma lista com percentual de aprovação dos CFCs de Porto Alegre, como exemplo. “Há CFCs com somente 18% dos alunos aprovados e outros com 58% de aprovação, o que demonstra uma falta de padrão no ensino”, pontua. O sindicalista, que também é examinador, vai além, e diz que hoje, como o sistema de está organizado para tirar CNH , “é uma máquina voltada para enriquecer donos de CFCs que estão por aí, ocupando cargos em grandes entidades e patrocinando campanhas políticas para garantir a renovação do credenciamento e outras barganhas”.

Por sua vez, o presidente do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores do Rio Grande do Sul (SindiCFC-RS), Vilnei Pinheiro Sessim, afirma que a declaração é uma “calúnia”, pois o CFC faz todo o processo de formação, restando ao Detran “apenas” a aplicação da prova prática. Além disso, rebate a afirmação de que o Detran está disponibilizando esse número alto de vagas, especialmente no Interior. “Elas só constam no sistema, porque a realidade é outra.” Sessim relata que o Detran cancela frequentemente o número de provas dos CFCs poucos dias antes do dia do exame daquele centro. “Eles disponibilizam 58 provas, e entre três e quatro dias antes, enviam um e-mail, alegando que falta examinador e que precisa reduzir para 22 vagas”, explica, mostrando e-mails emitidos pelo Detran informando sobre o cancelamento a mais de um CFC conforme as condições descritas, isto, a poucos dias do exame. 

O dirigente explica que, diante disso, cabe ao CFC ligar para o aluno e cancelar a prova dele. “Ficamos numa situação péssima, pois como vamos escolher essas pessoas que terão sua prova cancelada poucos dias antes?”, questiona. O presidente do SindiCFC gaúcho recorda que esses cancelamentos em cima da hora já viraram caso de Polícia. “Aconteceu em um CFC de Bento Gonçalves, o aluno não aceitou, foi ao CFC exigir o direito de fazer a prova e a Polícia teve que intervir”, conta. 

O diretor técnico do Detran-RS não nega o problema e explica que a comissão para aplicar provas deve ter quatro examinadores. Porém, quando um apresenta atestado médico e não pode trabalhar, há o cancelamento de provas. Santos esclarece que cada examinador aplicava quatro provas por hora antes da pandemia, sendo calculada uma média de 15 minutos por aluno. Agora, esse tempo estimado foi reduzido para 12 minutos, o que subiu para cinco alunos por hora e aproximadamente 15 alunos por rota por avaliador. “Se um examinador faltar por algum motivo justificável, cerca de 15 provas serão canceladas naquela CFC”, admite, reconhecendo que a situação é problemática. Por isso, uma das soluções previstas é contar com volantes nessas cidades. “Quando houver um caso assim, terá um volante, um servidor estadual, habilitado para substituir e impedir o cancelamento”, explica.

Guterres também confirma que há essa dificuldade de interesse dos examinadores para o Interior. “A diária paga é de R$ 123,00 para estada e alimentação, valor baixo que não cobre todas as despesas”, justifica. Santos concorda que o valor da diária está baixo e que estão trabalhando para aumentar, mas não prevê o PL 217/2022 que está na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul para atualizar o valor das diárias para suprimir essa demanda.

Diante de todo esse transtorno, que acaba prejudicando quem pagou pela CNH, não consegue fazer prova ou até desiste no meio do processo pelas etapas truncadas, Soletti afirma que há um projeto de lei (PL) pronto para capacitar todos os servidores públicos estaduais para aplicar a prova prática. “Dessa forma, não vamos precisar deslocar um examinador de Porto Alegre para Uruguaiana, por exemplo, em um carro locado, pagando diária. A ideia é pagar por prova qualquer servidor público estadual com habilitação, que vai ganhar um valor por prova aplicada e estará resolvido o problema no Estado inteiro.” Soletti entende que o PL terá andamento após as eleições e será um “legado para as próximas gestões do Detran”.

Novas informações e complicadores

A partir da primeira reportagem, a equipe do Correio do Povo foi procurada por pessoas, que preferem não ser identificadas, que relataram alguns episódios que, no entendimento delas, podem ter contribuído para esse alto represamento. O Ministério Público do Rio Grande do Sul vai analisar a denúncia sobre o caso por meio da Promotoria de Defesa do Patrimônio Público.

Uma dessas informações está relacionada a uma antiga chefia. De acordo com fontes internas do Detran-RS, o ex-coordenador de um setor teria instaurado Operação Padrão, também chamada de greve de zelo ou operação-tartaruga, que é a realização de um serviço por funcionários de uma empresa ou organização seguindo os procedimentos operacionais padrão com rigor excessivo. Muitas vezes, os processos são utilizados como forma de protesto, antecedendo greves. Essa determinação teria sido enviada por e-mail para os servidores. 

A finalidade seria pressionar o governo estadual para aumentar a gratificação de produtividade de trânsito (GPT) paga aos examinadores, que é de 60% sobre o salário base, passando para 150% sobre o valor. Com a Operação Padrão ativa, o número de provas práticas diminuiria drasticamente e o volume de pessoas aumentaria, situação que ficaria evidenciada e “obrigaria o governo” a atender a reivindicação dos examinadores. Caso seja essa a intenção, caracteriza-se como uma precarização no serviço público para obter benefícios em prol de uma categoria. 

O diretor-geral do Detran-RS, Marcelo Soletti, disse que desconhece esse fato e afirma que o número de exames caiu mais devido às restrições impostas pela pandemia e não estaria relacionada às medidas da coordenação da época, que recentemente foi trocada. “Quando um carro vai para exame, vai com lotação máxima de examinadores. Se um examinador ou um parente dele estivesse com suspeita de Covid-19, todo aquele grupo tinha que ficar em casa até sair o diagnóstico, o que contribuiu para acumular o número de candidatos”, explica. O dirigente disse que foi preciso fazer muitos ajustes pelas exigências do Ministério Público do Trabalho do Rio Grande do Sul (MPT-RS), que determinou que a execução do trabalho tinha que priorizar o afastamento entre as pessoas para evitar a proliferação do coronavírus. 

O diretor-técnico do Detran-RS, Fábio Pinheiros dos Santos, disse que jamais permitiria que um subordinado seu agisse dessa forma e negou a afirmação. O presidente do Sindet-RS, Wagner Guterres, reconhece que há esse pleito pelo aumento da GPT e também afirma que desconhece a implementação da operação padrão para essa finalidade. “Estamos pedindo ao governo que aumente essa gratificação como fez com outras categorias de servidores, pois não temos reajuste há 8 anos, sendo que nos últimos 3 anos estamos negociando diplomaticamente”, salienta. 

Em alguns pontos de Porto Alegre, há outdoors com a seguinte mensagem: "Governador Ranolfo, Detran-RS entrando em colapso. Resolva como prometido”. Guterres assinala que defende o envio imediato do Projeto de Lei que contempla o realinhamento do Detran-RS a Secretaria de Segurança Pública (SSP) nos termos que teria sido prometido pelo governador Ranolfo Vieira Júnior. Segundo Guterres, a carreira dos servidores do Detran é “idêntica” à dos servidores do Instituto Geral de Perícias do Rio Grande do Sul (IPG-RS). “De 2012 a 2014, nós passamos de 20%, 40% e 60% de gratificação de produtividade de trânsito (GPT) e o salário básico. De lá pra cá, a gratificação do IGP foi de 80%, 110% para 220%. Depois transformaram para subsídio. Então, eles passaram para subsídio com todos esses reajustes e a nossa só subiu o GPT até 2014 e sem aumento de salário também desde 2014”, explica o dirigente do Sindet-RS. A assessoria do governador do Estado foi procurada, mas não se manifestou sobre o assunto. 

Somado a esse fato, outros documentos indicam que esse mesmo ex-dirigente teria a CNH cassada e mesmo assim estaria ocupando um cargo de gestão no órgão público que coordena todo o processo para formação de condutores. Santos disse que estava ciente do fato, mas que foram as qualificações como gestor que fundamentaram a escolha para a função. “Eu não vejo isso como um problema porque ele não aplicava prova na rua, mas atuava com excelência na gestão”, salienta o diretor técnico Fábio Pinheiro dos Santos. 

A advogada especialista em direito do trânsito Francieli Bertolotto explica que essa exigência aplica-se a examinadores e instrutores de CFCS, que aplicam e ensinam a dirigir, respectivamente. "Não há uma lei específica que tenha esse requisito para funções de gestor”, entende. No entanto, ao olhar pela perspectiva do Direito Constitucional, poderia ter margem para outras interpretações ao buscar embasamento do princípio da moralidade. “Neste caso, espera-se que o exemplo venha de cima para baixo”, elucida Francieli. 
Segundo Santos, o ex-coordenador foi convidado para gerir outra entidade e a vacância foi preenchida pelo servidor substituto. Entre uma das primeiras providências tomadas pela nova coordenação, está o cancelamento das férias coletivas dos examinadores previstas para 15 dias de dezembro, determinadas pelo antecessor. “Essa medida foi autorizada por mim, pois, geralmente, antes da pandemia, nesse período que antecede as festas de fim de ano, havia pouca procura por exames. Neste ano, com essa situação, decidimos cancelar as férias coletivas previstas de 19 a 30 de dezembro”, explica.

Outro fato apontado é quanto ao número de horas trabalhadas pelos examinadores. Podem ser examinadores pessoas que fizeram concurso para Analista Técnico, Analista Superior ou Auxiliar Técnico. O concurso tem carga horária de 40 horas semanais. Por isso, para exercer a função de examinador, o servidor recebe duas gratificações. A Gratificação de Produtividade de Trânsito (GPT), já abordada anteriormente, que é 60% sobre o salário base mais a Gratificação de Examinador (Graex), que fica em torno de R$ 2.100,00. 

O fato é que se questiona o número de horas trabalhadas pelos examinadores, que tem a rotina pautada por rotas. Guterres explica que o sistema marca as horas trabalhadas do começo ao fim da rota e disse que há o deslocamento até os pontos de prova e o tempo em que se organizam na sede, que acabam não sendo computados. “Isso sem contar quando nós nos deslocamos para outras cidades, onde temos que pernoitar”, disse. O sindicalista também aponta a falta de estrutura em locais de provas, como banheiros, falta de gazebos para proteção de chuva ou sol e de bancos. “As pessoas sentam no chão, nem sempre há estabelecimentos para comprar água, ou seja, não tem condições para trabalhar oito horas em um lugar assim”, esclarece. 

Santos diz que há sete locais para fazer prova para carteira B somente em Porto Alegre e reconhece a dificuldade. Ele também disse que trabalho externo não é de oito horas, mesmo que o concurso tenha sido para oito horas dia e com duas gratificações a mais. Ele citou que em outros estados as provas ocorrem na Circunscrição Regional de Trânsito (Cirestran), um local que dispõe de toda a estrutura necessária e afirma que esse processo pode ser revisto para aplicação no Rio Grande do Sul.

Cai obrigatoriedade

Assim como no restante do Brasil, agora a utilização do simulador de direção para a habilitação na categoria B (carro) também é opcional no Rio Grande do Sul. Após impasse na Justiça que durou 3 anos, o cidadão gaúcho poderá optar se quer, ou não, realizar aulas em simulador de direção. A medida passa a valer na segunda-feira para todos os processos de primeira habilitação de carro, inclusive aqueles em andamento, e traz uma importante redução no custo da CNH. O valor final com o mínimo de aulas exigidas pela legislação, que era R$ 2.714,16, passa a custar R$2.336,56, quase 14% mais barato.

Uma liminar mantinha a obrigatoriedade dos simuladores no RS. Na última semana, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região entendeu pela legalidade da normativa federal que define o simulador como opcional, embasada por Nota Técnica que apresenta o que motivou a mudança. O SindiCFCRS deve recorrer da decisão.

Assunto mobiliza leitores nas redes sociais

Nas redes sociais do Correio do Povo, o engajamento do público foi muito alto nas postagens que chamavam para a matéria principal do dia 25 de junho. Ao todo, houve mais de 2 mil curtidas, 600 compartilhamentos e 650 comentários. Além disso, publicações relacionadas ao tema, como o fim da obrigatoriedade no simulador no Estado, têm muita repercussão, que somadas à reportagem da espera pela prova prática para CNH B, ultrapassam mais de 10 mil interações apenas nas páginas do CP. Na maioria dos comentários, é possível observar que predominam reclamações de que o interesse do Detran seria mais ganhar dinheiro em cima do processo do que aprovar e preparar pessoas para o trânsito. O diretor-geral do Detran-RS, Marcelo Soletti, afirma que não há interesse dos CFCs e nem do Detran que a pessoa fique tanto tempo no sistema. “Esse serviço é permanente, terá sempre pessoas buscando a carteira, portanto, não há esse intuito”, pontua. 

O diretor técnico do Detran-RS, Fabio Pinheiro dos Santos, questiona se as pessoas estão irritadas com o Detran pelo que “realmente tem culpa” e “imaginam coisas”, como se o examinador fosse ganhar mais se reprovasse. “Ele ganha mais trabalho, pois semana que vem as pessoas estarão novamente ali”, disse. A autarquia e os CFCs, no entanto, cobram novas taxas a cada novo exame, caso haja interesse e vaga para contratar mais aulas práticas. 

Contudo, esse entendimento não é apenas de parte da sociedade, mas por muitos que estão dentro do próprio sistema. O presidente do Sindet-RS, Wagner Guterres, acredita que a portaria 57/2021, que determina a obrigatoriedade da realização dos exames teóricos eletrônicos em todos os CFCS credenciados está em desacordo com o que está regulamentado na Lei 8666 sobre Licitações, o que ele entende como um favorecimento aos centros de formação. Outra portaria, a 181/2021, que condiciona como um dos critérios de abertura de CFC à população local, sendo um CFC para cada 45 mil habitantes, um mecanismo de “reserva de mercado e que interfere na ampla concorrência”. 
O advogado Otávio Piva avalia as situações, recorrendo ao arcabouço jurídico que trata desse tema e usando exemplo do que ocorreu em Santa Catarina no seu parecer, compreende que “considerando os possíveis vícios encontrados nos credenciamentos originários, quando as autoescolas foram credenciadas como CFCs e, ainda, a inconstitucionalidade formal da limitação territorial-demográfica que existe na Portaria nº 181/2016, parece ser legítima, também, a possibilidade de controle e de revisão dos atos de credenciamento, no exercício, inclusive, do poder de autotutela da Administração Pública, de forma a serem submetidos ao rito previsto no art. 79 e seguintes da vigente Lei de Licitações e Contratos Administrativos”, observa.

A advogada especialista de trânsito não vê dessa forma e disse que a aplicação de provas teóricas na sede dos CFCs já acontecia no Interior, com exceção de Porto Alegre, onde ocorria no Centro Administrativo Fernando Ferrari (CAFF). “O que aconteceu foi uma formalização, da mesma forma que a renovação da CNH é nos CFCs, agora a aplicação da prova teórica também é nos centros”, resume. Sobre o valor de R$ 42,19 destinado ao CFC por prova aplicada, ela avalia como um pagamento pela estrutura cedida, como sala, luz, computador, um colaborador no local, câmeras que gravam o processo e o armazenamento das imagens por 30 dias. Santos explica que o examinador acompanha o processo pelas câmeras, o que significa que segue fiscalizando os exames teóricos.”Inclusive essa foi uma forma de dar vazão nas provas teóricas no momento da pandemia, pois também estavam represadas e com a adoção desse modelo, conseguimos regularizar essa etapa”, disse. Quanto ao condicionamento de um CFC para cada 45 mil habitantes, ela disse que a medida garante o "equilíbrio do mercado".

CFCs reclamam de cancelamentos constantes

Os irmãos Daniele Polo e Daniel Polo são proprietários do CFC de Lagoa Vermelha. Eles engrossam o coro dos CFCS que relatam estar sofrendo com os constantes cancelamentos de provas que ocorrem no Interior. Daniele conta que o problema já se arrasta há cerca de 3 anos, potencializado pela pandemia. Ela esperava que a volta à estabilidade pudesse ter um contexto melhor, mas a experiência não tem sido boa, conforme a empresária conta. “Antes, recebíamos por semana 35 vagas para prova prática e eram todas preenchidas. No pós-pandemia, aumentou para 41 vagas e até para mais de 50. O problema é que esse número está apenas no sistema. A realidade é outra”, afirma.

Daniela esclarece que o dia de prova no CFC é na quarta-feira. Porém, com frequência, recebe e-mails do Detran-RS na sexta-feira, alegando que a comissão de examinadores estará desfalcada e que algumas provas terão que ser canceladas. “Geralmente, estamos aplicando, por semana, de 23 a 28 provas”, explica. O que mais incomoda Daniele é ter que ligar para cancelar a prova por falta de examinador. “Fizemos nossa parte e, diante disso, nós temos que dar essa notícia frustrante”, explica.
A proprietária relata que já “cansou de mandar e-mails solicitando uma resposta”, mas que vem sendo ignorada. Sobre as aulas extras anunciadas pelo Detran, ela conta que há mais de mês mandou e-mail pedindo para ter acesso a esse recurso, mas também não tem resposta.

O presidente do SindiCFCRS, Vilnei Sessim, afirma que há um desencontro de informações e que “essas planilhas do Detran-RS são muito bonitas, mas a demanda continua”, reforça. Sessim diz que “não se pode ser inocente” ao perceber que, se o Detran disponibiliza 20 vagas para um local em que há cinco candidatos, essas irão sobrar. “Agora, em Caxias do Sul têm pessoas com prova marcada para fim de dezembro e não têm vagas”, antecipa.

O dirigente continua e diz que, assim como Lagoa Vermelha, também em Nonoai, Garibaldi e Bento Gonçalves tem demanda e faltam vagas. “Será que não há um problema de gestão com os examinadores?”, questiona, convidando o Detran para debater, procurar o problema e solucioná-lo.

Quanto a substituir as vagas que são canceladas de última hora, Sessim destaca que não é possível porque o sistema aceita agendamento até 48 horas antes do exame. O presidente do SindiCFCRS também avisa sobre mais uma mudança. “Desde o fim de julho, as pessoas podem marcar o teste de rua com 80% das aulas práticas concluídas. Dessa forma, deixam as últimas quatro mais próximas da data do exame”, ressalta. 

O diretor-técnico do Detran, Fábio Pinheiro dos Santos, disse que o número de examinadores em dezembro de 2019, antes da pandemia, era de 194 (146 efetivos e 48 emergenciais). Em outubro de 2022, o número caiu para 154 (115 efetivos e 39 emergenciais). “O número varia porque muitos vão para outros setores por motivos diversos, como próprio cansaço da função, e precisamos assegurar bom atendimento ao público na aplicação das provas”, explica.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895