Nova classificação da soja ainda em discussão

Nova classificação da soja ainda em discussão

Em curso no Ministério da Agricultura, processo de revisão dos padrões oficiais da soja comercial, destinada à indústria e à exportação, seleciona o grão conforme a composição, o que criará produtos diferenciados

Por
Patrícia Feiten

Maior produtor mundial de soja, o Brasil está revisando o padrão oficial de classificação de sua principal commodity agrícola, representada na safra 2021/2022 por uma produção de 124,3 milhões de toneladas, de acordo com a última estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Após o término da consulta pública sobre as mudanças propostas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que entre fevereiro e maio recebeu mais de 1,1 mil sugestões de agricultores e especialistas, o tema segue em discussão. A pasta agora planeja organizar seminários com o setor produtivo para chegar a um consenso sobre possíveis ajustes. A meta é que a próxima etapa do processo regulatório, a audiência pública, ocorra em outubro. 

A proposta do Mapa estratifica a chamada soja comercial – destinada à indústria e à exportação – em cinco tipos de acordo com o percentual de grãos avariados encontrados nas amostras do produto, que varia de 8% a 18%, e prevê a redução do teor de umidade da oleaginosa de 14% para 13%. Para alinhar a produção local aos requisitos da China, o texto sugere ainda a criação de um grupo específico para a soja com altos teores de óleo e proteína. Principal importador da soja brasileira, o país asiático discute na Organização Mundial do Comércio (OMC) a revisão de seu próprio padrão de classificação.

O coordenador-geral de Qualidade Vegetal do Mapa, Hugo Caruso, diz que as mudanças oferecem uma perspectiva de diferenciação aos produtores. “A filosofia da nova classificação é ter diferentes produtos e eles terem diferentes valores de remuneração. Hoje, o que temos é um valor único, o padrão básico: ‘é soja’ ou ‘não é soja’”, afirma. Na prática, com a tabela ampliada, o agricultor tem um incentivo para a melhoria de qualidade, entende Caruso. “Se ele está acostumado a comercializar uma soja do tipo 4, pode chegar à conclusão de que vale a pena melhorar seu processo e produzir uma soja tipo 1”, exemplifica. 

Agricultores temem dificuldades na adaptação às novas regras. Na avaliação do presidente da Comissão Nacional de Cereais, Fibras e Oleaginosas da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Ricardo Arioli, um dos pontos polêmicos é a umidade recomendada, já que a redução dessa variável acarreta diminuição no peso dos grãos. “Você vai pagar menos frete, vai levar menos peso para a indústria, mas o sentimento do produtor é que ele está perdendo (receita)”, diz Arioli. O presidente da Associação dos Produtores de Soja (Aprosoja-RS), Décio Teixeira, defende a manutenção do limite atualmente aceito, assim como a revisão das demais mudanças propostas. “Procuramos uma tabela justa para todos”, destaca.

Para o coordenador adjunto da Comissão de Milho, Soja e Feijão da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), Elmar Konrad, a proposta chinesa não é condizente com a realidade da produção brasileira. O teor médio de proteína da soja nas últimas safras analisadas pela Embrapa ficou próximo de 37%, enquanto o do grão norte-americano é 34%. Já a classificação chinesa sugere índices proteicos de 40% a 44%. “Brasil, Argentina e Estados Unidos produzem 80% da soja mundial, e nenhum deles está adequado a esses níveis “, diz Konrad. 

Outro dilema é a estrutura de armazenagem. A criação de cinco categorias de soja exigiria a segregação dos grãos em um grande número de pequenos silos, explica o professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV) Paulo Cesar Corrêa, instrutor do Centro Nacional de Treinamento em Armazenagem (Centreinar) da instituição. “O orgulho do Brasil é ter o maior silo metálico do mundo, então a gente vai contra a história. Armazenamos (apenas) 60% da produção, grande parte dos nossos silos estão sobre rodas”, observa. 

A pedido de entidades do setor, Corrêa comparou os novos padrões brasileiro e chinês. O estudo concluiu que a soja de melhor classe produzida no Brasil, a de tipo 1, só alcança a quarta colocada no ranking de qualidade do país asiático. Enquanto o Brasil define categorias de soja com base no número de defeitos, a China avalia a oleaginosa de acordo com o percentual de grãos perfeitos da amostra, esclarece o professor. Na soja tipo 1, por exemplo, esse índice é de mais de 95%. No tipo 5, deve ser maior ou igual a 75%. “Na nova classificação brasileira, o máximo de grãos partidos, amassados e quebrados é 30% no tipo 1; 40% para o 2; 50% para o 3; 60% para o 4 e 70% para o 5”, compara Corrêa.

Entenda a mudança

O padrão atual

A classificação da soja é regulamentada pela Instrução Normativa 11/2007, do Mapa. De acordo com a norma, soja é dividida em duas categorias: a destinada ao consumo in natura (Grupo I) e a destinada a outros usos (Grupo II). A soja para uso comercial (Grupo II) deve ter no máximo 8% de grãos avariados, 30% de quebrados, partidos e amassados e 1% de impurezas e matérias estranhas. O percentual máximo de umidade recomendado é 14%. 

A mudança proposta

No regulamento técnico apresentado na Portaria 532 e submetido à consulta pública neste ano, a soja é dividida em três grupos: soja destinada à alimentação humana (Grupo I); soja usada como matéria-prima (Grupo II) e soja para fins especiais (Grupo III). O Grupo II inclui cinco tipos, conforme o percentual de grãos avariados (ardidos, queimados e mofados). Para ser classificada como tipo 1, a soja deve ter 8% de avariados. Nos tipos 2, 3, 4 e 5, os limites tolerados são, respectivamente, 10%, 12%,16% e 18%. No Grupo III, há dois tipos de grão: soja com teor de óleo acima de 20% (Subgrupo I) e soja com teor de proteína acima de 40% (Subgrupo II). O limite de impurezas e matérias estranhas é 1%, e a umidade máxima tolerada, de 13%.

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895